Por Ricardo Kotscho*
"O
governo roda em torno de si mesmo e do nada(…) Acabrunha, irrita, revolta” (Miriam
Leitão, hoje no Globo, resumindo a ópera bufa bolsonariana).
***
No mesmo dia em que Jair Bolsonaro completou dois meses de
governo, o noticiário político deu conta de que ele, eleito em nome da “nova
política” e do combate à corrupção, já cedeu à chantagem do “dá ou desce” do
Centrão velho de guerra dos tempos de Eduardo Cunha.
A mesma “velha política”, criminalizada pelo capitão durante a
campanha eleitoral, que levou Dilma ao impeachment, agora ameaça detonar a
reforma da Previdência, o pau da barraca do governo, se não forem atendidas
suas demandas.
Em nome
da pátria, pedem o mesmo de sempre: verbas das emendas parlamentares à vista
(fala-se em R$ 10 milhões por cabeça) e cargos no segundo escalão do governo
federal em seus estados.
Mesmo fazendo cara feia, Bolsonaro foi negociar o apoio dos
partidos do centrão e, já meio no desespero, convocou o filho Carlucho, o Zero
Dois, para deflagrar uma campanha nas redes sociais em favor da aprovação da
reforma.
Só vamos saber o resultado dessa ofensiva depois do Carnaval
porque as excelências já deixaram Brasília e só voltam na segunda semana de
março.
Até lá, a reforma da Previdência, o pacote do Moro, e o resto vão ter que
esperar.
Sem ter conseguido até agora montar uma articulação política que
preste no Congresso, sem uma base aliada confiável, sem um projeto de governo
definido, com um ministério esquizofrênico, Bolsonaro atravessou este primeiro
período de governo entre fracassos e delírios, a cada dia mais perdido na
cadeira presidencial.
A chamada “lua de mel” de início de mandato foi um completo
desastre.
Frondosos pomares de laranjais, variadas denúncias de corrupção
de membros do governo, chantagens, barganhas, bateção de cabeças no Planalto,
atritos com importantes parceiros comerciais, não teve um dia sem crise com a
“nova política”.
Até os bolsominions que o elegeram já estão perdendo a paciência, como Carlucho
constatou na reação às suas mensagens em defesa do pacote de Paulo Guedes, o
Robin Wood ao contrário formado na escola de Chicago.
“Votei no 17 mas nem ferrando eu concordo com a Previdência”,
reagiu um internauta ao comentar o vídeo postado pelo Zero Dois com Bolsonaro
defendendo as mudanças, como relata Monica Bergamo em sua coluna na Folha.
“Seu pai podia fazer uma `live´explicando como se aposentar aos
33 anos de idade”, escreveu outro, lembrando o fato de Bolsonaro ter sido
reformado (aposentado) pelo Exército, ao final de um processo por indisciplina.
Fake news no twitter e no zap-zap podem servir para ganhar uma eleição
fraudada, mas não se mostram muito úteis para governar, tanto que os Bolsonaros
estão saindo fininho das redes sociais nos últimos dias.
Os deuses do mercado também parecem já não botar fé nos poderes
do capitão: o Índice de Confiança Empresarial caiu 0,7 ponto em fevereiro,
segundo a Fundação Getúlio Vargas.
E até o PSL do laranjeiro Luciano Bivar, o partido franqueado ao
presidente para disputar a eleição, já está dividido, com seus cacarecos
disputando o butim do poder indo com muita sede ao pote.
De prático, só tivemos até agora o envio dos pacotes de Guedes e
Moro à Câmara, onde estão empacados.
Até onde o desgoverno bolsonariano vai resistir?
E até onde o país aguenta tantos desvarios de ministros, elogios
a ditadores e torturadores, ameaças aos direitos humanos e às conquistas
sociais, agressões ao bom senso e à mínima civilidade nos modos?
Com o poder dividido entre os filhos do capitão e os generais de
pijama que o tutelam, tudo pode acontecer, inclusive nada.
Por enquanto, eles estão mais preocupados com o destino da Venezuela de Maduro
e o muro do Trump na fronteira do México do que com o dos 12,7 milhões de
desempregados brasileiros, segundo o último levantamento do IBGE.
Parece ficção, e é tudo real. Foram só dois meses, mas já parece
uma eternidade.
*Ricardo Kotscho é jornalista profissional, atua em São Paulo e assina o blog "Balaio do Kotscho".
Nenhum comentário:
Postar um comentário