Por Michel Zaidan Filho*
Desde a
emergência dos regimes nazifascistas que aprendemos - a duras penas - que não
existe uma afinidade eletiva entre capitalismo e democracia (seja
ela o que for), mais ainda na época do chamado capitalismo tardio,
caracterizado pelos monopólios e oligopólios.
Os
objetivos do mercado são a maximização de seus lucros, seja pela democracia
liberal seja através de uma ditadura sanguinária. Neste ponto, é
ocioso perguntar pelos princípios, os escrúpulos ou os compromissos da
burguesia ou de seus representantes com a manutenção do regime
democrático.
Quando
isto ameaça reduzir ou colocar em risco as imensas margens de lucro dos grandes
grupos econômicos (industriais ou financeiros ou agroindustriais),
é indiferente para esses grupos se o Presidente, o Chefe do
Executivo ou simplesmente o ditador se apresente com um
traje civil, jurando obedecer à Constituição ou um ex-capitão do Exército
que promete caçar homossexuais, mulheres, comunistas e outras minorias.
O
caso do Brasil é um triste exemplo dessa marcha para um regime político funcional
à reprodução dos interesses do mercado. País identificado como
de capitalismo tardio, ou hiper tardio, que
teria passado por uma variante de "revolução passiva"
(Gramsci), conciliando o atraso com a modernidade capitalista às expensas da
participação popular, o nosso país, conforme dizia o historiador Sergio Buarque
de Holanda, nunca entendeu de fato o que é uma democracia.
Sempre gozamos
de um arremedo, mal engembrado, do regime democrático, em
interregnos entre ditaduras. Copiamos os ritos e procedimentos dos países
democráticos, sem ter apreendido os princípios, os valores, a visão de
mundo da democracia.
Resultado:
o que temos são democratas de ocasião, por conveniência. Quando convém
somos democráticos, quando não corremos para o braço forte de um ditador que
ofereça segurança e prosperidade. A fragilidade das instituições
políticas brasileiras não decorre só do mimetismo da engenharia
constitucional da Constituição americana, de onde provém o
modelo original da nossa primeira Constituição,
adaptada ao meio saturado de autoritarismo e liberalismo oligárquico,
como foi a República. Advém também da falta de uma cultura
política republicana e democrática, subsumida pelo messianismo e o gosto
de soluções "pelo alto" patrocinadas pela espada ou o fuzil.
Dizia-se
que a nossa população herdou o senso hierárquico e
violento do regime da escravidão, hoje alimentado pela
pregação das igrejas neopentecostais e pentecostais, na banalização
a"la brasileira" desses cultos americanos pelo magistério de pastores
semianalfabetos que fazem uma leitura fundamentalista do evangelho
cristão.
O
preconceito racial, homofóbico, misogínico ou antissocialista ou
republicano vem junto com a leitura das escrituras
religiosas. Não é de se admirar que a população pobre seja facilmente seduzida
por esse discurso conservador, que promete o céu na terra
("presente de Deus"). Se é próspero é porque Deus abençoou
os frutos do trabalho do cristão. Se é pobre é porque
não trabalha, não poupa, não faz abstinência.
Mas
grave nesse dilema democrático é a omissão
ou a irresponsabilidade das elites políticas, do chamado centro
político em relação à manutenção do regime
democrático (liberais e socialdemocratas). É imperdoável que o
preconceito ou o ressentimento político levem essas elites a
"lavarem as mãos" diante do perigo que nos ameaça, nesta
hora, de se eleger um candidato que faz do golpe e do menosprezo
pelas leis e a Constituição sua plataforma de campanha,
embora se esquive de enfrentar o debate
democrático das ideias.
Some-se a
essa criminosa omissão a tibieza ou a pusilanimidade do Poder Judiciário, como
que antevendo o golpe e se preparando para ele. Como é possível a
sobrevivência das liberdades civis e políticas num
ambiente como esse, saturado de autoritarismo e cinismo social?
*Michel Zaidan Filho é professor da UFPE e cientista político.
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