Em Recife, neste início de semana, disse:
“Vou visitar Marcos, lá, na Avenida Boa Viagem. Ele esteve doente, e ainda
convalesce da intervenção a que fora submetido”. “Mas logo, hoje, Givaldo, por
que não amanhã? Hoje é domingo, dia de repouso. Não se deve incomodar ninguém”,
disse-me, Emília. “Tudo bem! Mas vou, agora. Já acertei com Pedrosa, que já me
espera, lá, na Recepção”, cravei.
E fomos. Eu e Pedrosa.
Disse-lhe na saída: “Você lembra, não, Pedrosa? Marcos, nosso amigo dileto, que
conosco convive há tantos anos, desde os idos tempos da ‘Casa de Tobias’, a
nossa velha Faculdade de Direito do Recife”. Pedrosa passou um olhar enigmático
pra mim e falou: “Não, Givaldo. De muito antes. Na verdade, desde 1966. Do Ginásio Pernambucano. Do Curso Torres. Portanto, já há 52 anos.
Mais de meio século”. Surpreso, balbuciei: “Ora! Que exagero, Pedrosa! Você,
hoje, está de não se reconhecer. Com esse seu olhar subliminar e reações
exageradas. Que história é essa de 52 anos. Isso é mais de meio século,
Pedrosa. Que coisa!”
Na casa de Marcos encontramos
um amigo que nem parecia ter passado por uma cirurgia. Estava disposto, com boa
aparência, e caminhando, normalmente, embora com muito cuidado. Foi logo
indagando: “Vocês vieram pra caminhada?” Eu: “Que caminhada, amigo? Viemos,
aqui, Marcos, para vê-lo. Para saber de você, e, confesso, que estou feliz por
vê-lo bem e forte. Eu e, tenho certeza, Pedrosa”.
De repente, uma barulheira
danada, vinda da Avenida. Barulheira de carro de som. Na verdade, de trio
elétrico. Entoando músicas de louvação ao machismo e à misoginia, já que
exaltando verdadeiras aversões patológicas às mulheres, máxime àquelas que não
comungam com suas razões. Enfim, um verdadeiro horror!
“Dou pra CUT pão com
mortadela.
E pras feministas, ração na
tigela.
As meninas da direita, ‘top’
mais bela.
Enquanto
as de esquerda têm mais pêlo que cadela”.
Corremos pra varanda. Todos!
Eu, Pedrosa, Marcos e sua esposa, Marly. Ela, que se horrorizava com o que via
e ouvia. “Meu Deus. Não é possível. Que decepção!”, repetia Marly, desesperada,
horrorizada, além, como ela própria repetia: tomada de grande “decepção”.
Quis, incontinenti, saber do porquê de seu estado. Contive-me, contudo.
Até porque, à minha mente, vinham-se as imagens do trabalho de Eustache La
Sueur, “O Estupro de Tamar”, que representa a passagem da Bíblia em que Tamar é
estuprada por Amnon, seu meio-irmão.
Perguntei a mim mesmo: “Mas o
quê ‘O Estupro de Tamar’ tem a ver com o que estamos a assistir, neste domingo,
aqui?” A resposta veio-me logo: É porque as mulheres, para eles, de esquerda, pensam no próximo, e, por
isso, são tratadas por cadelas (Enquanto as de esquerda têm mais pêlo que
cadela). Que horror!”
E de lá de cima era o que se
ouvia. Cadela! Cadela! Com todo entusiasmo e, repetidamente.
Criei coragem e perguntei à
amiga Marly do porquê de sua decepção diante da barulheira. Sua resposta veio
na hora: “Givaldo, amigo, eu ia votar nesse candidato. Eu e Marcos. E tudo por
acreditar que teríamos, com ele, um país diferente, já que mandaríamos pra casa
esses políticos que traíram nossa confiança, deixando-nos nessa situação.
Seria, vamos dizer, votos de protesto pela indignação que nos ocorre. Agora,
diante do que vejo, Deus me livre desse homem, porque vejo diante de mim a
encarnação do preconceito, da intolerância, do autoritarismo e, pelo que ouvi,
ontem, de um amigo nosso, tudo levando a acreditar na ameaça que ele representa
à nossa democracia, e, muito grave, também, no caminhar ao atraso e ao
retrocesso por ele defendido. Atraso de séculos. Muitos! Retrocesso rejeitado
pela nação. Atraso de séculos de antes de Cristo. Retrocesso à inimaginável
‘Lei de Talião’, que pregava você sabe, ‘Olho
por Olho, Dente por Dente’, como inserto nos escritos de seu velho ‘Código
Babilônico de Hamurabi’, no muito distante ano de 1.770 antes de Cristo”.
Confesso que fiquei tocado
com as palavras da amiga Marly. E fiquei a pensar: “Quantas Marlys, neste
Brasil, não estão a precisar de uma palavra amiga?”
Voltar àqueles tempos? Nem
pensar!
Essa nuvem que se abate sobre
nós, vai passar. E já! Para o bem da nação brasileira. Mas vai passar com o
exercício da prudência, do equilíbrio e da razão. Nunca com radicalismo, seja
ele de um lado ou de outro. Mas com humanismo, democracia e liberdade.
E, dentre todos, só vejo um
nome capaz no cenário de hoje - H A D D A D.
*Givaldo Calado de Freitas é Acadêmico e Figura Pública.
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