Por Roberto Numeriano*
A poucos dias da data limite das
convenções partidárias das eleições de 2018, o PT nacional vive um aparente
dilema tático, relativamente às alianças com os demais partidos. Trata-se da
antiga ponderação quanto ao custo-benefício das eventuais coligações no plano
estadual, sempre com um olho estratégico na esfera da disputa presidencial. Golpeado
desde 2016, nas pessoas dos seus líderes e no casuístico afastamento do
exercício da Presidência da República, o partido calcula seus lances não apenas
para sair fortalecido na resistência ao golpe de Estado e seus efeitos, mas
sobretudo para (re) alinhar seu projeto de poder político e social.
Até aqui, nada de novo no front. No entanto, quem lançar os olhos
sobre alguns dos conflitos que permeiam as indefinições petistas em vários
estados brasileiros, poderá perceber um fenômeno político-ideológico que é
menos tático do que de compreensão sobre a natureza da luta travada e o quanto
ela tem a ver com um tipo de prática e pensamento político os quais, creio, o
país pós-golpe progressivamente vai enterrar. Se é possível derivar o todo pela
parte, vamos aqui tentar uma análise desse fenômeno a partir do caso de
Pernambuco, que me parece paradigmático sobre a dimensão dissociativa entre o
real e o aparente, na qual algumas lideranças petistas perdem-se como se
percorressem um labirinto mitológico.
A primeira premissa da nossa
análise afirma que estas eleições deverão marcar uma ruptura do antigo padrão
de fazer política, estruturado pelo compadrio local e nos termos redutores exclusivos
dos interesses de grupos e/ou lideranças na busca do voto popular. A segunda
assertiva dispõe que as agendas políticas (sejam de esquerda ou de direita)
serão avaliadas numa perspectiva ideológica mais radical pelos eleitores de
maior grau de escolaridade e renda. E a terceira premissa defende que as
coligações ideologicamente mais convergentes por meio dos seus candidatos
majoritários (aos governos estaduais e ao Senado da República) obterão mais
votos, em termos proporcionais ou absolutos.
Em relação à premissa 01, uma
parcela do PT pernambucano parece não enxergar os sinais (largamente
disseminados nas redes sociais) de um processo de rompimento da velha práxis
política alicerçada na articulação de interesses restritos, cuja perspectiva de
poder é a manutenção do seu status quo
ou a ampliação de sua presença na máquina pública da esfera municipal, estadual
ou federal. Ainda que os grupos formuladores dessa visão se arvorem como
intérpretes iluminados da tática eleitoral (sob o batuque das tendências e seus
casacudos líderes), o que se observa é que os seus cálculos, pelo jeito, não
consideram a dimensão propriamente política do processo da disputa como uma
esfera social de novo tipo.
Ora, a ruptura a que me
refiro deriva justamente de uma mutação nessa esfera. Uma ascendente massa
eleitoral já se impõe ao processo político como sujeito ativo dessa nova espécie
de Ágora grega na qual convergem / divergem em torno de suas agendas menos
difusas do que aparentam. As lideranças que não enxergam o novo papel proativo
desse eleitorado na conformação de redes virtuais e materiais (como militantes
partidárias e/ou ativistas sociais), e imaginam decidir tudo sem dialogar “para
fora” do espaço estrito do partido, serão atropelados inapelavelmente.
O caso da pré-candidatura de
Marília Arraes ao governo estadual pode confirmar a premissa, sobretudo porque
sua postulação se fortalece extramuros petistas, à medida que uma parcela maior
do eleitorado começa a conhecer e discutir a querela. Somente a mais rematada
teimosia poderia explicar a aparente incapacidade de algumas lideranças em não
perceber que o caso Marília não é um fenômeno, e que a sua postulação não é
mais uma decisão exclusiva do PT (nem como instituição em si, nem como problema
de tática de cúpulas). A resistência ao golpe de Estado pariu um nome forte no
PT, assim como tem gestado, no espaço dessa Ágora massivamente ativista,
sujeitos políticos que não querem ser apenas meros votos na urna, nem os
típicos carregadores de piano.
A nossa premissa 02 é contingente,
dado que diz respeito ao provável caráter plebiscitário destas eleições. De
todo modo, as pesquisas de opinião quanto às preferências eleitorais pelos
candidatos majoritários começam a exibir dados que tendem a se consolidarem à
medida que se conformam os palanques e fica mais nítido quais interesses e
agendas se agrupam naqueles candidatos. Em momento mais oportuno, vamos
analisar os dados gerais dessas pesquisas em Pernambuco (para o governo
estadual), e no Brasil (para a presidência).
No caso de Pernambuco (e em
especial do PT, PSB, PTB, PSDB, DEM e MDB), um indicador forte como critério de
avaliação da tendência de voto plebiscitário será a posição de cada partido no
processo do golpe parlamentar e midiático, mas ainda em curso na sua vertente jurídica
(o parcial Moro e o pequeno supremo estão aí, sempre alertas para manter Lula
na cafua). Mais do que nunca, a radicalização à esquerda e à direita em torno
dos efeitos da derrubada da presidente Dilma e da assunção ao poder de tipos
políticos toscos e venais, terá, nas urnas, uma espécie de “acerto de contas”
ideológico. A velha direita tentará se legitimar pelo voto popular para construir
o discurso de que “estava certa” em bancar a mais regressiva agenda social e
política da história brasileira (nem o golpe civil-militar de 1964 foi tão
entreguista e corrupto). A esquerda, obviamente, pretende uma vitória ampla e
geral para demonstrar o acerto de sua resistência.
Essa radicalização em
Pernambuco poderá dar margem a uma disputa na qual, não creio ser exagero
cogitar, o próprio Paulo Câmara não tenha fôlego político para alcançar um
eventual segundo turno. De fato, Câmara e o PSB (partido que encarna a
quintessência do golpismo como o grande vendilhão da pátria aos interesses mais
escusos da baixa política) correm sério risco de naufragarem ainda no primeiro
turno, acaso um dos palanques de oposição seja liderado por Marília Arraes. Nem
carne, nem peixe, o PSB e o governo Câmara parecem reunir tudo para se
desmancharem sob a saraivada de críticas radicais: inoperantes, anódinos,
arrivistas, oportunistas e medíocres; serão estas as mais suaves acusações
oposicionistas.
Se, como presumo, a
gigantesca maré montante dos votos radicalizados ocorrer (as pesquisas apontam
o crescente apoio a Lula e a permanência de Bolsonaro, como segundo), Câmara e
o PSB poderão ser varridos da disputa no primeiro turno. E, a depender da
possibilidade de Lula ser candidato (ou, se não o for, pelo menos apoiar nos
palanques Marília Arraes), não será surpresa se essa maré afogar também a
coligação de Armando Monteiro, também no primeiro turno. Assim conjecturamos
porque será impossível a Monteiro apresentar uma agenda de governo como
“mudança” quando o “novo” do trio PSDB-DEM-PPS é justamente a agenda econômica
e social desses partidos, a qual afundou, no plano nacional, a economia
brasileira, brutalizou a classe trabalhadora e o pequeno empresário, além de
cortar direitos e avanços sociais da população mais carente.
A premissa 03 deriva da
anterior. No entanto, a homogeneidade ideológica num palanque não implica em
voto automático. No máximo, ela potencializa a reunião de uma audiência maior
em torno do discurso que envolve a agenda de governo/poder da coligação. Sem
dúvida, o eleitor de perfil ideológico conservador tenderá a votar numa agenda
de feição mais conservadora. Mas aqui temos justamente a interferência do
quadro político radicalizado, onde serão avaliados os discursos e os seus
atores políticos num plano mais aberto ou limpo, também pelo voto ideologicamente
mediano (daquele agrupamento populacional essencialmente pragmático nas
escolhas), em paralelo ao voto dito de “opinião”, à esquerda e à direita.
E é aqui que podemos
vislumbrar quem vai compor a massa d’água da maré de votos que parece já se
formar no horizonte eleitoral: aquele eleitor de perfil político-ideológico
mediano, comum nas camadas assalariadas e classe média. Este eleitor será ou
seria o fiel da balança. Seu voto provavelmente vai tender para as coligações
com certo grau de convergência e coerência político-ideológica, mas também
robustas para resistirem ao critério da escolha pragmática, calcada no exame do
papel recente dos postulantes na era pós-golpe. Ou seja, não adiantará reunir a
fina flor dos medalhões de sempre se os seus discursos não se sustentarem
diante dos fatos sociais e econômicos. Pois ninguém se alimenta de ideologia,
seja na esquerda ou na direita.
*Roberto
Numeriano é jornalista, professor e pós-doutor em Ciência Política.
**Na foto de Pernambuco Cultural, Roberto Numeriano quando do lançamento do livro "O Céu de Santo Amaro".
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