Por Michel
Zaidan Filho*
Tive a oportunidade de travar uma excelente debate sobre a
segurança pública, com o deputado Marcelo freixo (PSOL-RJ), o Dr. Marcelo
Barros (delegado da Polícia Civil-PE) e o diretor do SINPOL-PE, na sede do
Sindicato dos Policiais Civis, de Pernambuco.
Primeira tese levantada é que o Brasil é uma sociedade carcerária
(tem 600.000 apenas e é a população carcerária que mais cresce no planeta), sem
ser uma sociedade disciplinarizada -
como dizia Michel Foulcault.
Há no nosso país uma cultura de encarceramento, sem
ressocialização. Não se apela para a mediação ou qualquer arremedo de justiça
restaurativa. Aqui se parte imediatamente para a criminalização das condutas,
abarrotando as varas do crime e aumentando a população carcerária. Nem as
audiências de custódia ajudaram a resolvero grave problema da superlotação carcerária no Brasil.
A violência, ao contrário do que pensam alguns policiais, é
um fenômeno multidimensional e não se reduz a uma única causa ou explicação,
como por exemplo quesitos relacionados à cor, orientação sexual, condição
social etc. Há muitos crimes urbanos praticados por indivíduos da classe média
branca, cristã e escolarizada, em fins de semana, que não têm nada a ver com
aqueles requisitos. Na verdade, a fronteira entre o crime e a legalidade é
tênue. Qualquer um pode cometer uma violência, dependendo das circunstâncias.
Outra questão séria é a falência relativa das tradicionais
agências de controle social: a família, a escola, a igreja e o trabalho.
Instâncias de socialização ou ressocialização, que canalizam a violência para
atividades produtivas, socialmente úteis e permitidas. Essas agencias vêm
deixando muito a desejar no que diz respeito ao controle de condutas tidas e
havidas como antissociais. Há uma crise generalizada de legitimidade e
aceitação desses controles. Alguns acham que é uma crise civilizatória. É necessário mudar
o modelo de civilização.
Este ponto se relaciona diretamente à tese do caráter criminógeno da sociedade em que vivemos.
A inversão de valores, amplamente divulgada pelos meios de comunicação de massa
que diz: o crime compensa (o crime de colarinho branco, frise-se).
A expressão foi empregada por uma delegado da polícia civil, num
debate radiofônico. Dizia o agente da lei, o modelo de sociedade que nós temos
produz o criminoso e incita ao cometimento de práticas criminosas. Daí a famosa
frase da escritora Marilene Filinto: "O crime é uma metáfora social".
Não pode ser analisado apenas sob a ótica do Direito Penal.
Isso nos leva diretamente para a busca desenfreada da nossa
sociedade pela multiplicação dos tipos penais, como se isso fosse acabar com a
violência. O medo e o ódio fazem as pessoas pedirem mais cadeia, mais
processos, mais tipos penais, mais castigos etc. É o fenômeno do chamado
"terrorismo penal" que vai na contracorrente de todo o movimento garantista, herdeiro dos reformadores
iluministas do Direito e da Criminologia. É como se a política criminal de
Cesare Lombroso tivesse voltado à cena, com toda força.
Outra tese muito controvertida é a da militarização da polícia, da
necessidade da unificação das milícias, e o ciclo completo da operação
policial. Aqui, nadamos na corrente contrária a desmilitarização da polícia,
com o Exército sendo chamado a patrulhar os bairros e as ruas. Não bastassem os
excessos e o desgaste da imagem dos soldados, durante a Ditadura Militar, a
força federal é convidada à militarização da segurança, como numa operação de
guerra. Isto só pode desacreditar ainda mais a imagem dos militares no Brasil.
Mas há quem tire proveitos eleitorais dessa perigosa operação. Sobretudo
quem quer ser candidato a alguma coisa no Rio de janeiro.
Não se pode esquecer naturalmente a imensa
concentração de rendas e a desigualdade social no Brasil, aprofundada pelo fim
das políticas sociais e o aumento dos privilégios das classes e categorias
abastadas. Quando se diz que a clientela preferencial do Direito penal são os
pobres, pretos, homossexuais e outras minorias, não se diz outra coisa, senão
que o braço pesado do juiz e do promotor cai sobre os excluídos da sociedade de
consumo: não compram, não vendem, não se empregam ou solicitam cartas de
crédito.
É o chamado "rebotalho social", os que não têm mais
lugar na sociedade, são elimináveis, como diz o Professor Luciano Oliveira.
Neo-miséria neo-fascismo.
Poderia ainda acrescentar algumas observações do malfadado "Pacto pela
propaganda", do governo socialista de Pernambuco. Mas o diagnóstico fica
para outra oportunidade. O nosso estado tornou-se o campeão nas estatísticas de
homicídio e mortes violentas nos fins de semana. E alguns coronéis da PM
citados em operações duvidosas. E ainda vêm se dizer que tudo vai bem,
maravilhoso. Só se for na casa de noca.
*Natural de Garanhuns, o professor Michel Zaidan é cientista político e tem vários livros publicados nas áreas de política, sociologia e filosofia.
*Ilustração: Blog doProfessor Atiliano