Aos 73 anos, Francisco
Buarque de Holanda não precisava fazer mais nada para provar seu talento de
compositor, cantor, intérprete, dramaturgo e escritor brasileiro.
Desde quando se tornou
conhecido nacionalmente com músicas como A Banda, Construção, Carolina, Pedro
Pedreiro, Cálice, Geni e o Zepelim, Vai Passar, Apesar de Você, Cotidiano, Com Açúcar e com Afeto, Olhos nos Olhos, O Meu Amor, Terezinha, Quem te
viu e quem te vê, e tantas outras, além de escrever peças de teatro e romances,
Chico se tornou dos maiores ícones da cultura brasileira.
Podia estar aposentado, ter mandado às favas esse negócio de música de qualidade, até porque o país está
uma bosta, para usar aqui a expressão
usada na canção "Geni e o Zepelim", uma das mais inteligentes críticas sociais
feitas através da música, no Brasil e no mundo.
Chico, porém, é um setentão
arretado e este ano, mesmo consciente de que o disco (seja em vinil ou CD) está
em decadência por conta das plataformas digitais, lançou um álbum precioso, tão
bom quanto seus melhores trabalhos das décadas de 60, 70, 80.
Embora nunca tenha sido o
cantor de lançar obrigatoriamente um disco todos os anos, como outros, Chico
nunca deixou de produzir.
Em 2011 mesmo lançou um disco
reconhecido pelo público e pela crítica, que traz uma de suas canções mais
singelas, a música “Sinhá”.
E no álbum deste ano, com
nove canções, temos o artista maduro, sofisticado, letrista muito acima da
média e capaz de se cercar dos melhores músicos, que produziram arranjos incríveis, belos, que enriqueceram muito o trabalho do cantor e
compositor.
“Caravanas”, o CD
lançado no final de agosto por Chico
Buarque não é um trabalho fácil, descartável, como tantos que infestam o
mercado fonográfico brasileiro.
As músicas dificilmente
tocarão no rádio, o cantor não será convidado pelo Faustão, nem mesmo pela
produção do Fantástico e muitos não entenderão nada do som e da letra
produzidos pelo artista, porque Chico Buarque não é para qualquer um.
Mas o Brasil que pensa e tem
sensibilidade será capaz de se enternecer e amar músicas como “A Moça e o Sonho”,
antiga parceria com Edu Lobo, que foi “reinventada” neste álbum de 2017.
Chico interpreta muito bem
esta velha-nova canção, com arranjos que dão à música um tom jazzístico e erudito,
mesmo em profunda comunhão com o popular.
“Tua Cantiga”, a música que
causou polêmica mesmo antes do lançamento do disco, é outra canção linda,
inspirada e os versos só incomodaram alguns conservadores porque há idiotas pra
tudo neste país.
Chamar Chico Buarque de machista porque uma estrofe ou outra de
uma música celebra a figura da amante só mesmo na cabeça de falsas feministas
ou hipócritas que falam na defesa da família e cometem todo tipo de
desonestidade.
Em “Caravanas” temos o mesmo
Chico inspirado que produziu tantas pérolas da MPB: ele fala de amor, faz crônica de
costumes, faz referências políticas e sociais de modo elegante e sutil, e está
com uma voz melhor do que quando começou, com pouco mais de 20 anos.
O disco traz até um simpático
blue (Blues pra Bia), uma música celebrando uma de suas paixões – o futebol – e
criativos duetos com os netos Clara e Chico, filhos de sua filha com o cantor
Carlinhos Brow.
“Dueto”, interpretada junto
com Clara, esta com uma voz ainda um tanto infantil e “Massarandupió”, em
parceria com o neto e xará, estão no mesmo nível das outras canções de “Caravanas”.
Outra música lindíssima é "Desaforos", que fala em boleros, mas vai noutra direção com arranjos de cordas e sopro, influenciados novamente pelo melhor do jazz.
A música título, "Caravanas) está no mesmo nível das demais faixas, com letra arrojada lembrando a
escravidão e registrando a situação atual, os guetos, os “negros de torsos nus que deixam em
polvorosa a gente ordeira que apela pra polícia e despacha de volta para favela
o populacho”.
Não tem Roberto, ou mesmo
Caetano ou Milton, apesar de suas vozes privilegiadas. Chico Buarque é o cara.
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