Por Júnior Almeida - ESPECIAL
Há exatos 28 anos, Luiz Gonzaga do
Nascimento, o Rei do Baião, então com 76 anos, fazia a sua “triste partida”.
Morria no Hospital Santa Joana, em Recife, vítima de uma parada
cardiorrespiratória, deixando órfãos milhares de admiradores mundo afora, especialmente
no Nordeste brasileiro, tão cantado em sua obra.
O titular deste blog, Roberto Almeida, naquele
início de agosto era o diretor da TV Pernambuco, e como ainda não existia a
maravilhosa ferramenta chamada internet, junto com sua equipe teve que se
desdobrar ao extremo para levar aos telespectadores o maior número de
informações possíveis sobre a vida, obra e morte de Luiz Gonzaga, pois Recife
“parou” para acompanhar as notícias sobre o pernambucano do século XX. Era
tanta busca por informações que funcionários da TV do Estado usaram capas de
discos, fotos e outros objetos pessoais para ilustrar as matérias que foram ao
ar.
Ana Krepp, da Revista da Cultura,
escreveu na época que "o Rei do
Baião podia ser também considerado o primeiro rei do pop no Brasil. Pop, aqui,
empregado em seu sentido original, de popular. De 1946 a 1955 foi o artista que
mais vendeu discos no Brasil, somando quase 200 gravados e mais de 80 milhões de cópias vendidas”.
"Comparo
Gonzagão a Michael Jackson. Ele desenhava as próprias roupas e inventava os
passos que fazia no palco com os músicos", acrescentou a jornalista.
Na mesma linha de raciocínio da repórter, lembramos que foi Luiz Gonzaga quem criou os famosos trios pés de serra e introduziu, praticamente a pulso, o triângulo no forró. Quando Gonzagão disse na gravadora que iria colocar dois ferros tilintando na gravação do seu disco, para melhorar os agudos, seu produtor foi contra, dizendo que aquilo era instrumento de vender cavaquinho, que é uma guloseima semelhante a casquinha de sorvete, e vendida em Recife por uma pessoa que carrega uma espécie de balde metálico tocando triângulo.
Luiz Gonzaga provou que estava certo, e
hoje não existe forró sem triângulo. Gonzaga foi um visionário. Foi ele que
declarou que o jovem Dominguinhos seria o seu sucessor. A sensibilidade musical
de Gonzaga, fez ele perceber que aquele menino oriundo de Garanhuns tinha tudo
para se tornar um brilhante músico, fato
que aconteceu realmente. Seu Luiz ria, ao contar ter assombrado muita gente ao
se vestir de cangaceiro em elegantes programas de televisão do Sudeste. Foi
Gonzaga que chamou a atenção do resto do país, denunciando as mazelas de sua
terra, mas exaltando como ninguém as coisas boas do seu querido Nordeste.
Pesquisadores do Cariri Cangaço na igreja da Fazenda Araripe |
Quase três décadas depois da morte de
Luiz Gonzaga, seu nome e o seu “reinado” continuam mais vivos do que nunca, e
mesmo com toda massificação promovida pela grande mídia comercial impondo outros
gêneros musicais, muita porcaria e até mesmo o dito “forró de plástico”, o
velho Lua continua encantando milhares de pessoas, sendo inclusive influência
para novos artistas e tema de estudos para vários pesquisadores.
Cantores renomados como Alcymar
Monteiro, Santana, Elba Ramalho, Flávio Leandro, Petrúcio Amorim, Maciel Melo,
Joquinha Gonzaga, dentre outros, são intransigentes defensores do legado do Rei
do Baião, e lutam como verdadeiros Davids
contra os Golias que fazem e fomentam
músicas descartáveis, muitas delas que fazem apologia à bebida, prostituição e
que degradam a mulher, tratadas muitas vezes em
sua letras como simples prostitutas.
Em Exu, terra natal do Rei do baião, podemos
perceber como aquela região é dependente do turismo gonzagueano. Na Fazenda Araripe, por exemplo, milhares de turistas
vão todos os anos visitar a imponente casa do Barão do Exu e a bela igreja de
São João Batista, tantas vezes cantadas por Gonzaga em suas canções, mas,
sabendo-se que essas construções não são as principais atrações do lugar.
Turistas chegam em vans, ônibus de
excursões e também em carros próprios todos os dias, para conhecer, entrar e
tirar fotos de uma simples residência de aproximadamente 50M2 de um
antigo morador da fazenda, o “velho Januário”. Foi nessa casa cheia de história
que em março de 1926 estourou a notícia que Lampião estava na região do Exu,
que estava indo pro Juazeiro ver o Padre Cícero, e dele receber a patente de
capitão dos batalhões patrióticos, para lutar contra a Coluna Prestes.
Foi um corre-corre dos diabos para aquelas bandas, todo mundo aperreado e a vizinhança de Januário e Santana dizia que o
cangaceiro já tinha saído de Granito, que ia subir a serra pela Ladeira do Bucu
e passaria na Caiçara. A aflita Santana apressava Luiz, que parecia viajar em
pensamentos, dando maçada em todos. O menino Lula queria mesmo era ver Lampião,
quem sabe tocar pra ele e seus cabras.
Imaginava que poderia até ganhar uma sanfona nova do Rei do Cangaço. A lerdeza
momentânea de Gonzaga foi curada com um grito no seu pé do ouvido:
-Te avia, coisa! - Esbravejou Santana.
Nesta mesma casa, já em 1946, Luiz
Gonzaga, já famoso, voltando do Rio de Janeiro, chegando à Fazenda Araripe
tarde da noite, bateu na janela da casinha e disse a famosa frase, ou como
disse Luiz Gonzaga na música “Respeita Januário”, o prefixo do Sertão:
-Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo, ouvindo como resposta a contra senha:
-Para
sempre seja Deus louvado!
Já na cidade de Exu, o principal destino
dos visitantes é a antiga casa do Rei do Baião, hoje denominado Parque Asa
Branca, inaugurado por Gonzaguinha na data do aniversário de Luiz Gonzaga, 13
de dezembro de 1989, quatro meses depois de sua morte. Atualmente ao lado do
parque/museu está em fase de acabamento uma estátua de aproximadamente dez
metros, que quando ficar pronta será mais uma atração para a cidade.
Dentro do Parque Asa Branca os turistas
podem também ver o mausoléu onde repousam os restos mortais de Luiz Gonzaga, o
museu com objetos que pertenceram ao Rei do Baião, sua casa com móveis e muitos
retratos ainda dos tempos que seu
Luiz vivia por lá. O visitante pode ainda apreciar de vez em quando um forrozinho,
em apresentações nos dois palcos existentes no parque. Um maior, geralmente
usado em agosto e dezembro, nas datas de morte e de nascimento de Luiz, e o
palco menor, utilizado para apresentações menores e palestras, como as que
aconteceram no último 22 de julho.
O
CARIRI CANGAÇO NO PARQUE ASA BRANCA
Pesquisadora Juliana Pereira, Joquinha Gonzaga e Piloto. |
Dentro da programação do evento em Exu,
além dos visitantes conhecerem as instalações do parque, puderam assistir algumas
palestras sobre Gonzagão, promovidas pela organização do Cariri e a uma canja musical dada pelo sanfoneiro
Joquinha Gonzaga. A pesquisadora cearense Juliana
Pereira, conselheira do Cariri
Cangaço, foi quem iniciou a tarde de palestras. Ao lado dos sobrinhos e
músicos de Luiz Gonzaga, Joquinha e Piloto, a estudiosa contemplou os presentes
com algumas curiosidades e até fatos da intimidade do célebre exuense.
Pesquisadores Kydelmir Dantas, Zé Nobre e Múcio Procópio |
Outro que discorreu sobre Gonzaga foi José Nobre de Medeiros, paraibano de
Campina Grande e dono de um dos maiores acervos do país sobre Luiz Gonzaga.
Nobre possui aproximadamente 1500 discos gravados pelo Rei do Baião e outros 7
mil discos de outros artistas que cantam forró, além de inúmeros quadros e
objetos pessoais que lembram a vida e a carreira do filho mais famoso de Exu.
Zé Nobre compartilhou seus
conhecimentos gonzagueanos com uma
atenta platéia de outros entusiastas, dentre eles o garoto cearense de Dom
Quintino, próximo ao Crato, Pedro Lucas,
que ao pesquisar para um trabalho escolar, se encantou tanto com a obra de
Gonzaga, que resolveu por conta própria abrir um museu em sua casa. O paulista
de Bauru, Pedro Popoff, menino de 11
anos, descendente de russos, foi outro que se apaixonou pelas coisas do
Nordeste, e esteve em Exu para aprender mais sobre Luiz Gonzaga.
O jovem que tem o nome artístico de
“Menino Pedro, do Cordel e do Baião”, divulga ao seu modo a cultura nordestina
em escolas, feiras e eventos do Sudeste, e é freqüentador de programas de
televisão como os dos globais Rodrigo Faro e Fátima Bernardes. Pedro Popoff,
tudo leva a crer, que se não desviar seu caminho tem tudo para se tornar um
grande divulgador das coisas de seu
Luiz e tudo que ele cantou.
Pesquisadores Kydelmir Dantas e Paulo Vanderley. |
Outro palestrante foi o norte rio-grandense
Múcio Procópio, que bastante
emocionando falou da vida no campo, das coisas da terra, e claro, de Luiz
Gonzaga. Depois dele falou o paraibano de Piancó, mas que atualmente mora em
Fortaleza, Ceará, foi Paulo Vanderley,
que disse que começou a gostar de Luiz Gonzaga, quando o seu pai, gerente do
Banco do Brasil, foi transferido para Exu, e fez grande amizade com o filho
mais famoso daquela cidade. Paulo em sua explanação no Parque Asa Branca, para
deleite dos presentes, apresentou fotos raras de Luiz Gonzaga, e até um filme
inédito, gravado por uma rede de televisão americana. O filme é da década de
cinqüenta e é colorido, quando aqui no Brasil ainda engatinhava a TV em branco
e preto.
Paulo Vanderley revelou que ainda
espera a licença dos detentores dos direitos do filme, para disponibilizá-lo na
internet através do seu site, (luizluagonzaga.com.br). O pesquisador gonzagueano também mostrou com orgulho,
através de um slide, o documento de
um carro que seu pai comprou ao Rei do Baião, e disse ainda que possuía outro
automóvel, esse adquirido com outro mestre da sanfona, Dominguinhos.
O professor e locutor da Rádio Cultura
de Caruaru, Urbano Silva, que
trabalhou por 10 anos na Fundação de Cultura daquela cidade e conseguiu
algumas peças de Luiz Gonzaga para o acervo do Museu do Barro, é outra
autoridade em Luiz Gonzaga. Ele subiu ao palco do Parque Asa branca, onde contou
fatos bem interessantes sobre a carreira do Rei do Baião.
Urbano Silva e esposa, José Tavares e Celsinho Rodrigues |
Urbano acrescentou fatos
interessantes à história da música “Feira de Caruaru”, que foi ouvida por Luiz
Gonzaga na voz do seu compositor Onildo Almeida, nos estúdios da antiga Rádio
Difusora de Caruaru, em 1957, foi gravada por Gonzaga naquele mesmo ano.
O professor revelou também curiosidades
de outro clássico do cancioneiro de Luiz, a música “Hora do Adeus”. Disse Urbano
Silva:
Em 1966, Luiz Gonzaga estava desencantado com o
espaço do Baião na MPB, que vinha em queda na venda de discos e shows. Atribuía à concorrência da jovem guarda, o rock
e novos ritmos naquele momento. Para
protestar, gravou o “Xote dos Cabeludos”, e num encontro em Caruaru com o
compositor Onildo Almeida, encomendou a música que terminaria a sua carreira. O cararuense recusou.
Parar de cantar? Esqueça isso, você não vai parar
nunca! Disse o compositor de Caruaru.
Luiz Gonzaga seguiu viagem e essa conversa chegou
aos ouvidos de Luiz Queiroga, redator e compositor. Num encontro algumas semanas após, no Rio de
Janeiro, Queiroga mostra a letra a Onildo, que acrescenta mais dois versos à
música. Estava pronta a canção A Hora do
Adeus.
Gonzagão gravou num compacto simples, que foi
lançado em 1967. E o sucesso foi..?
Nenhum! Simplesmente não aconteceu.
Mesmo assim Gonzaga não deixou de cantá-lo.
Quatro décadas depois, exatos 41 anos, o grupo Falamansa regravou a música, que foi
uma das mais executadas nas rádios brasileiras no ano de 2008. Os compositores receberam mais direitos
autorais do que em quatro décadas. Eis o
exemplo da grandeza da obra Gonzagueana.
E seu Luiz, mesmo na eternidade, nunca parou de cantar. Para a nossa
sorte. Viva o Rei do Baião!
O professor Urbano encerrou suas
palavras em Exu com o poema de sua autoria de nome “Um Centenário de Baião” que fez em 2012 em homenagem aos cem anos de nascimento de Luiz Gonzaga, ícone maior da música nordestina. Dizem os versos:
Luiz Gonzaga é a fonte
Da mais pura inspiração
É o cantor que enalteceu
As veredas
do sertão
Acendeu em nosso povo
A fogueira da emoção
Foi no dia 3 de março
Do ano quarenta e sete
Asa Branca ganhou vida
Nas entranhas do nordeste
Entrou na alma do meu povo
Valor que
ninguém conteste
Cantou o seu Pé de Serra
E o Jumento Nosso Irmão
A Feira de Caruaru
A saga de Lampião
O Sabiá e o Juazeiro
A vida de Frei Damião
Decantou Légua Tirana
Na Estrada de Canindé
A Vida do Viajante
Padim Ciço e sua fé
Louvou a Seu Januário
E o forró de seu Mané
Passou em Serrote Agudo
Na rota da Triste Partida
Com respeito e alegria
Ensinou o Baião
E foi ao Rio de Janeiro
Louvar São Sebastião
Mostrou que Danado de Bom
É a Volta da Asa Branca
Sob o Luar do Sertão
Quando o amor e a confiança
Brindam-nos com a poesia
Enchem-nos de esperança
Inspirado em Acauã,
Gonzaga cantou o sertão
Com a Sanfona do Povo
Deu uma viva a São João
E a Sanfoninha Choradeira
Espantava a solidão
Cantou com muito prazer
Um forró em Araripina
Decantou menina moça
Que tem a Cintura Fina
E no Forró de Mané Vito
Ele encontrou Karolina
O Forró de Cabo a Rabo
Ele fez do melhor
Deu aulas de alegria
No ABC do sertão
Cantou Sanfoneiro Macho
No Ceará Não tem disso não
O Xote das Meninas
Todo mundo aprovou
Nas Noites Brasileiras
Fogueira, bandeira e balão
Era São João na Roça
E o povo cantando Algodão
Dançou um Pagode Russo
E o Brasil a cantar
Com um Xote Ecológico
Veio conscientizar
E com as Vozes da Seca
Foi seu jeito de protestar
Tomou o Chá Cutuba
E a receita guardou
Com o Ovo de Codorna
A libido reforçou
Para animar os coroas
Capim Novo receitou
A saudade é tão danada
Amarga Que nem jiló
Se Derramaro o gás
Vira e Mexe me vejo só
Soluçando nas lembranças
Na emoção do forró
Eu Vou Te Matar de Cheiro
Na Lagoa do Amor
Sou um Pobre Sanfoneiro
Foi Deus quem me abençoou
E o Resto a Gente Ajeita
É assim que fiz e que sou
No regresso do Rei
Nem se despediu de mim
Não morreu se eternizou
Quem é Rei nunca tem fim
Aplaudo e homenageio
Com honras e gratidão
São saudades e lembranças
de Luiz, Rei
do Baião!
*Colaboração no texto, professor Urbano Silva.
**Clicando aqui você pode assistir o vídeo de "Samarica Parteira" no Youtube.
**Clicando aqui você pode assistir o vídeo de "Samarica Parteira" no Youtube.
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