Por Michel Zaidan Filho*
A historiografia brasileira é pródiga em descobrir revoluções. Talvez,
pelo fato de que nós nunca tivemos um evento digno de ser chamado de
"Revolução", os autores falem tanto de revolução. Existe até mesmo um livro com o título:
"Revoluções do Brasil contemporâneo".
Revoluções, no plural. Outros mais modestos falam de revoltas, sedições,
insurreições etc. E até os golpistas preferem chamar os golpes de revoluções.
Embora seja sempre possível descobrir grandes mudanças e transformações
encobertas pela fachada de "pardieiros políticos". São as conhecidas
"revoluções pelo alto", ou as revoluções sem revolução", como
diz Gramsci, ao tratar do caso da Itália no século XIX.
País de capitalismo tardio - como a Itália - nossas
"revoluções" são de fachada, de superestruturas jurídicas e
políticas, não são "revoluções" propriamente ditas, enquanto
processos sociais de longa duração, como queria Sérgio Buarque de Holanda.
Ou são "revoluções" das classes dominantes, que atendem
aos seus interesses.
Quando se trata de movimentos políticos do povo, da arraia miúda,
são indisciplinas, sublevações da ordem e dos bons costumes. A isso é
preciso acrescentar a "mitologia pernambucana" do estado-nação":
o Brasil nasceu aqui, no marco zero, em Olinda ou nos Montes Guararapes etc.
A produção de uma memória histórica a serviço da ordem, da identidade
nacional, do espírito de coesão e unidade. Nisso nossos historiadores do
"Instituto Histórico e Geográfico" são bons. Fabricadores de mitos, epopeias e
legendas que, glorificando os feitos do passado, legitimam o presente, a
dominação social do presente, abolindo as diferenças, as desigualdades.
Esse preâmbulo foi escrito para que pudesse falar do
aniversário da chamada "Revolução de 1817" em Pernambuco, efeméride
que já ganhou até cartazes do obscuro e incompetente governador do estado.
Neste ponto, temos de convir que a "revolução" tornou-se, há muito tempo, um
campo semântico que pode ser resinificado de acordo com os interesses do
historiador ou de seus patrocinadores.
Como mais um campo semântico, o evento que se quer revolucionário se
presta as mais variadas formas de utilização, inclusive a da oligarquia
pernambucana ora representada pela família Campos. Afinal, que
"Revolução" foi essa, que já ganhou até um dia durante o ano para ser
come morada?
Vamos situar a "Revolução de 1817" no marco histórico
das rebeliões do período colonial contra a dominação portuguesa no Brasil e do
moderno constitucionalismo liberal anglo-saxão.
A importância desse evento, para além das festividades cívicas, está
relacionada com a proto-história tanto da busca da autonomia política,
por parte de uma província colonial, como pela instauração de um regime
político contratualista entre Estado e Sociedade.
Sem entrar na consideração do gesto desassombrado e corajoso
dos que pagaram com a vida por terem participado da insurreição, mais importa
chamar a atenção para o cadinho das inúmeras revoltas e revoltas que
tomaram conta da nossa história colonial, ora só com a participação das
elites ora com a participação de escravos e a população em geral.
Movimentos guiados pela ideia de autonomia e emancipação do jugo
colonial lusitano e sua opressiva política fiscalista e arrecadadora, numa fase
de empobrecimento da economia portuguesa, causada pelas emigração do campo para
as cidades e a aventura ultramarina portuguesa. É quando a metrópole vai se
tornando um mero entreposto entre as colônias do além-mar e a Inglaterra.
A ação predatória da Coroa vai se intensificando sobre as possessões
coloniais e vai suscitando mais revoltas e descontentamentos. O século XIX será
palco de inúmeras sublevações no Brasil, beneficiando-se dos influxos externos,
como a revolução americana, a revolução francesa, a revolução de quarenta e
oito etc. Como já foi sobejamente demonstrado, havia uma influência do
pensamento liberal e constitucionalista nas Igrejas, mosteiros e
outras corporações aqui na colônia portuguesa. A presença de autores e
de obras políticas e jurídicas que anunciavam a nova era contratualista e
liberal influenciou muito a mentalidade daqueles que animaram os movimentos de
ruptura da pacto colonial, antevendo a instalação de um país livre
e constitucional. Leia-se, por exemplo, o livro "O diabo na
livraria do Cônego" , onde se encontra a lista de livros e autores
europeus lidos pelos mineiros da "inconfidência" .
Era de se esperar que a infusão desse pensamento liberal produzisse seus
frutos na abafada colonia de Portugal. E produziram.
A conhecida "Revolução de 187", estudada por Amaro Quintas, Isabel Marson, Carlos Guilherme Mota e outros, foi um desses episódios da produtividade das ideias liberais e autonomistas em nosso passado colonial.
A conhecida "Revolução de 187", estudada por Amaro Quintas, Isabel Marson, Carlos Guilherme Mota e outros, foi um desses episódios da produtividade das ideias liberais e autonomistas em nosso passado colonial.
Num momento crítico de constituição ou não da Monarquia portuguesa
no Brasil. Caso tivesse vingado aquele movimento, o futuro de nosso país seria
dominado por um conjunto de pequenas repúblicas, inviabilizando o
projeto lusitano de construir um grande reinado na América do Sul.
Frise-se que a dura repressão que se abateu sobre o movimento teve
caráter preventivo e exemplar, com o objetivo de dissuadir outras
tentativas provinciais de autonomia e constitucionalização. Vem dai,
certamente, a característica unionista e monárquica - autoritária - que
ganhou o império brasileiro, soba dinastia dos Orleans e Bragança.
Caso tivesse triunfado a experiência pernambucana, dificilmente o projeto
unionista e monárquico da casa de Bragança teria vencido. A
excelência dos argumentos liberais e constitucionais de um Frei
Caneca, imortalizada nas páginas do "Tifis pernambucano"
ficaram para a História das Idéias Políticas, enquanto prosperou uma modalidade
de Monarquia Constitucional" avessa a qualquer tentativa de
federalismo e descentralização.
O empréstimo da fantasia de um "Poder Moderador", tomado de
Benjamin Constant na França, mal disfarçou o sempre presente poder
interveniente do Imperador, fazendo e desfazendo os gabinetes, sob o
pretexto de crise institucional.
É possível que os eventos ocorridos em Pernambuco tenham alertado
do João Sexto e seus descendentes sobre a necessidade de uma intervenção
militar rápida e eficiente, como foi feita em Minas Gerais, para preparar o
caminho até a Monarquia Brasileira. Como se recorda, as rebeliões,
insurreições e revoltas continuaram século dezenove a dentro, em várias
províncias do reino português além-mar.
Mas o tratamento impiedoso dado aos revoltosos da capitania de Pernambuco foi o sinal de que os colonizadores não tolerariam a difusão do
pensamento liberal e constitucionalista entre nós, até um príncipe
lusitano resolver "fazer" a independência da colônia e
instaurar a sua modalidade de monarquia constitucional, autoritária,
centralizadora e escravagista. Por tudo isso, as ideias dos inconfidentes de
1817 em Pernambuco merecem ser lembradas, estudadas e
compreendidas no seu devido contexto histórico. A historiografia brasileira é pródiga em descobrir revoluções. Talvez,
pelo fato de que nós nunca tivemos um evento digno de ser chamado de
"Revolução", os autores falem tanto de revolução. Existe até mesmo um livro com o título:
"Revoluções do Brasil contemporâneo".
Revoluções, no plural. Outros mais modestos falam de revoltas, sedições,
insurreições etc. E até os golpistas preferem chamar os golpes de revoluções.
Embora seja sempre possível descobrir grandes mudanças e transformações
encobertas pela fachada de "pardieiros políticos". São as conhecidas
"revoluções pelo alto", ou as revoluções sem revolução", como
diz Gramsci, ao tratar do caso da Itália no século XIX.
País de capitalismo tardio - como a Itália - nossas
"revoluções" são de fachada, de superestruturas jurídicas e
políticas, não são "revoluções" propriamente ditas, enquanto
processos sociais de longa duração, como queria Sérgio Buarque de Holanda.
Ou são "revoluções" das classes dominantes, que atendem
aos seus interesses.
Quando se trata de movimentos políticos do povo, da arraia miúda,
são indisciplinas, sublevações da ordem e dos bons costumes. A isso é
preciso acrescentar a "mitologia pernambucana" do estado-nação":
o Brasil nasceu aqui, no marco zero, em Olinda ou nos Montes Guararapes etc.
A produção de uma memória histórica a serviço da ordem, da identidade
nacional, do espírito de coesão e unidade. Nisso nossos historiadores do
"Instituto Histórico e Geográfico" são bons. Fabricadores de mitos, epopeias e
legendas que, glorificando os feitos do passado, legitimam o presente, a
dominação social do presente, abolindo as diferenças, as desigualdades.
Esse preâmbulo foi escrito para que pudesse falar do
aniversário da chamada "Revolução de 1817" em Pernambuco, efeméride
que já ganhou até cartazes do obscuro e incompetente governador do estado.
Neste ponto, temos de convir que a "revolução" tornou-se, há muito tempo, um
campo semântico que pode ser resinificado de acordo com os interesses do
historiador ou de seus patrocinadores.
Como mais um campo semântico, o evento que se quer revolucionário se
presta as mais variadas formas de utilização, inclusive a da oligarquia
pernambucana ora representada pela família Campos. Afinal, que
"Revolução" foi essa, que já ganhou até um dia durante o ano para ser
come morada?
Vamos situar a "Revolução de 1817" no marco histórico
das rebeliões do período colonial contra a dominação portuguesa no Brasil e do
moderno constitucionalismo liberal anglo-saxão.
A importância desse evento, para além das festividades cívicas, está
relacionada com a proto-história tanto da busca da autonomia política,
por parte de uma província colonial, como pela instauração de um regime
político contratualista entre Estado e Sociedade.
Sem entrar na consideração do gesto desassombrado e corajoso
dos que pagaram com a vida por terem participado da insurreição, mais importa
chamar a atenção para o cadinho das inúmeras revoltas e revoltas que
tomaram conta da nossa história colonial, ora só com a participação das
elites ora com a participação de escravos e a população em geral.
Movimentos guiados pela ideia de autonomia e emancipação do jugo
colonial lusitano e sua opressiva política fiscalista e arrecadadora, numa fase
de empobrecimento da economia portuguesa, causada pelas emigração do campo para
as cidades e a aventura ultramarina portuguesa. É quando a metrópole vai se
tornando um mero entreposto entre as colônias do além-mar e a Inglaterra.
A ação predatória da Coroa vai se intensificando sobre as possessões
coloniais e vai suscitando mais revoltas e descontentamentos. O século XIX será
palco de inúmeras sublevações no Brasil, beneficiando-se dos influxos externos,
como a revolução americana, a revolução francesa, a revolução de quarenta e
oito etc. Como já foi sobejamente demonstrado, havia uma influência do
pensamento liberal e constitucionalista nas Igrejas, mosteiros e
outras corporações aqui na colônia portuguesa. A presença de autores e
de obras políticas e jurídicas que anunciavam a nova era contratualista e
liberal influenciou muito a mentalidade daqueles que animaram os movimentos de
ruptura da pacto colonial, antevendo a instalação de um país livre
e constitucional. Leia-se, por exemplo, o livro "O diabo na
livraria do Cônego" , onde se encontra a lista de livros e autores
europeus lidos pelos mineiros da "inconfidência" .
Era de se esperar que a infusão desse pensamento liberal produzisse seus
frutos na abafada colonia de Portugal. E produziram.
A conhecida "Revolução de 187", estudada por Amaro Quintas, Isabel Marson, Carlos Guilherme Mota e outros, foi um desses episódios da produtividade das ideias liberais e autonomistas em nosso passado colonial.
A conhecida "Revolução de 187", estudada por Amaro Quintas, Isabel Marson, Carlos Guilherme Mota e outros, foi um desses episódios da produtividade das ideias liberais e autonomistas em nosso passado colonial.
Num momento crítico de constituição ou não da Monarquia portuguesa
no Brasil. Caso tivesse vingado aquele movimento, o futuro de nosso país seria
dominado por um conjunto de pequenas repúblicas, inviabilizando o
projeto lusitano de construir um grande reinado na América do Sul.
Frise-se que a dura repressão que se abateu sobre o movimento teve
caráter preventivo e exemplar, com o objetivo de dissuadir outras
tentativas provinciais de autonomia e constitucionalização. Vem dai,
certamente, a característica unionista e monárquica - autoritária - que
ganhou o império brasileiro, soba dinastia dos Orleans e Bragança.
Caso tivesse triunfado a experiência pernambucana, dificilmente o projeto
unionista e monárquico da casa de Bragança teria vencido. A
excelência dos argumentos liberais e constitucionais de um Frei
Caneca, imortalizada nas páginas do "Tifis pernambucano"
ficaram para a História das Idéias Políticas, enquanto prosperou uma modalidade
de Monarquia Constitucional" avessa a qualquer tentativa de
federalismo e descentralização.
O empréstimo da fantasia de um "Poder Moderador", tomado de
Benjamin Constant na França, mal disfarçou o sempre presente poder
interveniente do Imperador, fazendo e desfazendo os gabinetes, sob o
pretexto de crise institucional.
É possível que os eventos ocorridos em Pernambuco tenham alertado
do João Sexto e seus descendentes sobre a necessidade de uma intervenção
militar rápida e eficiente, como foi feita em Minas Gerais, para preparar o
caminho até a Monarquia Brasileira. Como se recorda, as rebeliões,
insurreições e revoltas continuaram século dezenove a dentro, em várias
províncias do reino português além-mar.
Mas o tratamento impiedoso dado aos revoltosos da capitania de Pernambuco foi o sinal de que os colonizadores não tolerariam a difusão do
pensamento liberal e constitucionalista entre nós, até um príncipe
lusitano resolver "fazer" a independência da colônia e
instaurar a sua modalidade de monarquia constitucional, autoritária,
centralizadora e escravagista. Por tudo isso, as ideias dos inconfidentes de
1817 em Pernambuco merecem ser lembradas, estudadas e
compreendidas no seu devido contexto histórico.
*Michel Zaidan Filho é cientista político e professor de humanas na Universidade Federal de Pernambuco, no Recife. Nasceu em Garanhuns e seu pai foi comerciante durante muitos anos na Rua Dom José.
*Ilustração: Wikipédia.
Muito bem meu caro primo Michel. Cada vez que leio você, mais aumenta meu aprendizado. Talvez, para muitos, vejam o artigo como ideologia. A mim não interessa. Interessa como história e, aí leio coisas que eu desconhecia sobre a Revolução de 1817, onde até um capixaba, Domingos Martins, esteve na "luta." Uma leitura um tanto difícil para os que não estão tão preparados. Mas o dicionário ajuda. Grande abraço.
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