Por Homero Fonseca
Digo com Chico Buarque:
a festa foi bonita, pá. Estive no Derby (bairro do Recife) na sexta-feira (28/4/17) e vi
a manifestação gigantesca, colorida, vibrante contra os retrocessos das
reformas trabalhista e previdenciária. Já era hora. Antes de fazer algumas
considerações objetivas sobre a greve e o momento que vivemos, permitam-me uns
toque subjetivos. Fazia muitos anos que eu não sentia essa vibração das massas,
esse sopro de vida cívica varrendo as ruas e encontrei muitos camaradas, homens
e mulheres, de lutas passadas.
Com o mesmo brilho no olho e a disposição de não
ficar parado diante da injustiça e da iniquidade. Somos todos uns dinossauros?
Estávamos ali porque não aprendemos a criar juízo? Construímos um estilo de
vida e dele não conseguimos mais nos desvencilhar? Ou simplesmente estávamos nas
ruas porque o que conseguimos até agora foi muito pouco, e mesmo assim sob
ameaça, e ainda há muito que conquistar? Escolham a opção. A luta dos
humilhados e ofendidos é antiga, desigual e árdua — muito sangue, suor e
lágrima ainda haverão de rolar, infelizmente.
Senti falta de velhos
companheiros, alguns que na juventude foram mais generosos e mais corajosos do
que eu e se meteram de corpo (literalmente) e alma no bom combate. Muitos
mudaram de lado. Ou porque fizeram uma autocrítica tão feroz dos velhos erros
da esquerda que terminaram por justificar a opressão da direita. Ou porque,
pequenos burgueses apressados, ansiosos por fazer a revolução num passe de
mágica, desiludiram-se e voltaram ao leito da classe paterna. Ou o que mais? O
fato é que se tornaram neoliberais e aliaram-se aos velhos setores reacionários
que continuam onde sempre estiveram, embora vocalizando o discurso demagógico
da modernidade, da atualização, das transformações da sociedade. Não há nada de
novo debaixo da sol, mas o capitalismo tem exercido sua incrível capacidade de
adaptação e sobrevivência, cedendo os anéis e ficando com os dedos. E alguma
coisa que cedeu, meus amigos, não foi por bondade, racionalidade ou o que seja:
foi arrancado com porrada, sacrifício, distúrbios e mortes por doença ou
violência.
Agora, os eternos
arautos da ordem estabelecida, do golpe de 2016, da dominação dos pequenos
pelos mais espertos, fazem a sua narrativa, nos poderosos canais da grande
mídia, tentando minimizar o movimento, ridicularizar, desqualificar. É o jogo
deles.
Aspectos importantes
dos eventos da sexta, dia 28:
COBERTURA — Desde
cedo, a TV Globo procurou mostrar que “a situação está normal” e focava
pequenos grupos obstruindo vias. Com a evolução da greve, centrou o foco em
“pessoas desejosas de ir trabalhar”, mas impedidas pela paralisação dos
transportes coletivos. Para cada manifestante ouvido, dava voz a sete ou oito
“prejudicados”. (Detalhe sociológico: a maioria comerciários, categoria que é o
elo fraco da estrutura sindical pelo enorme exército de mão-de-obra disponível
a rondar seus empregos e pela pressão direta dos patrões). Ao longo do dia,
passou a mostrar ações dos “vândalos” e choques com a Polícia, especialmente no
Rio e SP. (Vale salientar o papel desempenhado nos últimos tempos pela PM de
Alckmin que, se nas passeatas perfumadas pelo impeachment se deixava fotografar
em “selfies” pelos manifestantes, age com extrema truculência contra a esquerda
em geral.) A Globo procurou a todo momento minimizar o alcance da greve,
atribuindo-a única e exclusivamente à paralisação do transporte público,
omitindo professores públicos e privados, bancários e outras categorias. Sem
falar que parar ônibus e trens em todas as capitais brasileiras (exceto o Rio)
e em algumas grandes cidades é uma façanha e tanto. Vi pessoalmente o Recife
totalmente parado e uma grande passeata à tarde. A TV mostrou poucos segundos
dessa realidade. Imagino por aí afora.
À noite, o JN fez uma
matéria esquisita, na defensiva, demonstrando que desde cedo o canal dos
Marinhos vinha cobrindo o movimento. O problema era: como cobriu, tentando
sempre esvaziá-lo. Seguindo a estrela-guia, as outras TVs não fizeram por
menos. A Band apelou para o terrorismo, enfatizando e amplificando os
incidentes mais violentos e a tal “ação dos vândalos”.
Um dado mais
abrangente a observar é que, durante todo o tempo de tramitação das reformas
conservadoras a Globo, congêneres e a mídia impressa fecharam amplamente em
favor das propostas do Governo, apresentando supostos aspectos positivos e
suprimindo radicalmente o contraditório. Também receberam um derrame de verba
publicitária governamental.Manipulação pura da opinião pública, escondendo os
fatos e anestesiando reações mais enfáticas dos futuros esbulhados.
Os conservadores, nas
redes sociais, vocalizaram os argumentos da mídia e travaram uma guerra de
narrativas em que tentaram fazer prevalecer a tese de que a greve havia
fracassado. Intoxicados pela propaganda ideológica, não argumentam muito,
limitando-se a repetir xingamentos e destilar a ódio (petralhas, vagabundos,
ladrões etc.).
GREVE E VANDALISMO
A classe média
histérica, manipulada pela mídia, costuma demonizar os movimentos populares. No
fundo, teme a perda de alguns privilégios recebidos da elite pela ascensão do
povo. E cobra “ordem” e “direito de ir e vir”. Infelizmente, cidadãs e cidadãos
de bem, a história mostra que sem desordem e violência não se conquista nada
das classes dominantes. Todo pequeno avanço conseguido pelos oprimidos passou
por uma longa, dura, por vezes sangrenta luta, de Spartacus aos movimentos dos
sem-terra. Se a classe trabalhadora fosse bem comportada como quer a turma da
tradição-família-e-propriedade, ainda estaríamos na 1ª Revolução Industrial e a
jornada de trabalho continuaria de 16 horas.
A atuação violenta dos
mascarados, conhecidos por black blocs, durante as mobilizações populares é
assunto bastante explorado pela mídia, repercutido intensamente pelos
conservadores e já razoavelmente estudado por pesquisadores. É um fenômeno
complexo e que geralmente ocorre à margem das entidades organizadoras dos
protestos. São jovens de baixa renda, sem futuro algum na sociedade competitiva
e excludente que os oprime e asfixia. De certa maneira, eles atacam alvos
seletivos: equipamentos públicos menores (lixeiras e orelhões), simbolizando o
poder estatal que os abandona (já que é difícil demolir palácios governamentais
e monumentos de granito); ônibus que não lhes oferecem transporte decente no
dia a dia; vitrines de lojas de luxo e agências bancárias — símbolos maiores de
sua exclusão do sistema. Existe sim, eventualmente, extravasamento de ódio cego
e violência sem direção: o que se pode esperar de quem não tem nada a perder? Os
bem nutridos, bem empregados, bem educados e bem estabelecidos que os condenam
têm uma vaga ideia do que é não ter nada a perder? Ao contrário, espumam ódio
pelo muito de privilégios de que temem ser privados…
Enfim, em minha
avaliação, o movimento foi bem sucedido, mas um pouco tardio. Espero que
influencie o parlamento, mas estamos a um passo do estupro dos direitos sociais
pretendido pelo governo ilegítimo do Brasil. A luta é longa e árdua, camaradas.
A reação pública foi basicamente obra do movimento sindical e popular. O povão
mesmo está olhando, desconfiado. Mas apressam-se os arautos do golpe, na
imprensa e fora dela, ao proclamarem que com isso o povo estaria passivo diante
do descalabro. As pesquisas indicando Lula à frente de toda simulação eleitoral
para 2018 não lhes dizem nada?
Homero
Fonseca é jornalista, blogueiro e escritor. Foi editor da revista Continente
(2000–2008). Autor do romance “Roliúde” (Record, 2007), entre outros livros.
A queima de pneus que eles chamam de greve se resumiu a parar o trânsito, exigindo na marra e na ameaça que a população aderisse mesmo que involuntariamente a um movimento sem pé nem cabeça. Sem adesão popular, só deu pelego!!! De resto, fica provado que não há futuro para Lula e seu partido. Até porque, Duque vem aí, Palocci também...
ResponderExcluirP.S.: - O INTERESSANTE É QUE, O LULA SEMPRE TRATOU A CLT COMO O “AI-5 DOS TRABALHADORES”...