Há mais de 80 anos o escritor gaúcho Érico Veríssimo, o mais popular do
país, junto com Jorge Amado, durante a maior parte do século XX, publicava seu
segundo romance: Caminhos Cruzados,
um livro que quase um século depois continua atual como registro da sociedade
burguesa, da hipocrisia e das desigualdades sociais do Brasil.
Érico tinha estreado em 1933, com “Clarissa”,
uma história leve, contando a vida de uma adolescente. Quase um “romance para
moças”, com algo de ingênuo.
No ano seguinte o autor do Rio Grande
do Sul teve a ideia de escrever “Caminhos Cruzados” e em 1935 o livro chegou às
livrarias do país.
Teve pouca vendagem, no início, mas
foi elogiado pela crítica e começou a consolidar o nome do escritor, que em
1938 ficou tão famoso quanto um cantor popular com a publicação de “Olhai Os
Lírios dos Campos”, um grande sucesso de público no final da década e que ainda
hoje comove pessoas do mundo inteiro pela força do texto e a grande história
criada pelo pai do também escritor Luís Fernando Veríssimo.
Apesar de ser um autor comportado,
contido até certo ponto, quando comparado a Jorge Amado e outros seus
contemporâneos, Érico Veríssimo provocou polêmica com seu romance de 1935.
Se ainda hoje o Brasil é atrasado
quando discute temas polêmicos como aborto, homossexualismo e as tremendas
desigualdades sociais, imagine abordar essas questões na década de 30 do século
passado, quando nem a televisão tinha chegado ainda entre nós.
“Caminhos Cruzados” é um romance
recheado de personagens que parecem de carne e osso, de tão bem caracterizados
pelo romancista.
Um dos melhores do livro é a Dona
Dodó, senhora rica, vaidosa, de falsa modéstia, que adorava fazer caridade para
aparecer nas colunas sociais dos jornais.
Faz no livro um bom par com o marido,
Teotônio Leitão Leiria, comerciante bem sucedido, tão hipócrita quanto a
mulher, assíduo à igreja, jeito bonachão, porém capaz de demitir funcionários sem
nenhum motivo, às vezes para atender conveniências políticas, jogando-os na
miséria sem nenhum remorso e com apoio da “bondosa” Dodó.
Érico Veríssimo se inspirou, para escrever Caminhos Cruzados, no livro “Contraponto”,
do inglês Aldous Huxley (autor também de Admirável Mundo Novo) - traduzido por
ele para o português - utilizando uma técnica de contar várias histórias ao
mesmo tempo, com vidas que se cruzam mesmo de que de modo tênue.
Não é um plágio, como se chegou a
dizer na época em que o livro foi lançado, mas apenas a utilização do mesmo método
para escrever um livro com outros personagens e retratar uma realidade bem
brasileira.
“Caminhos Cruzados” é um livro à
frente do seu tempo, por denunciar as desigualdades sociais do Brasil em plena
ditadura Vargas, apresentar uma personagem lésbica (Vera, a filha de um
ricaço), narrar o drama dos desempregados, em meio à ostentação dos que têm
dinheiro sobrando, além de cutucar com ironia os burgueses, posando de santos e
fazendo o mal, esbanjando com amantes e dando dinheiro aos padres para aliviar
a consciência.
Se o leitor prestar bem atenção vai
ver que muitas coisas ainda são do mesmo jeito, embora a mulher tenha
conquistado o direito de votar e os pobres tenham conseguido alguma ascensão em
oito décadas.
Como em toda sua obra, em “Caminhos
Cruzados” Érico Veríssimo é generoso com a mulher, quase sempre mais forte e
melhor do que os homens.
Neste romance que estamos analisando a personagem mais
íntegra, digna, ética e firme é Fernanda, formada para o magistério, mas que
não consegue realizar o sonho de ensinar, porque naquele tempo os professores
eram indicados para as escolas pelos políticos e Nanda não tinha relações com
nenhum poderoso que a pudesse indicar para uma vaga.
Hoje muitas questões abordadas no
romance são como "água de flor de laranja", comparado ao que vemos no cinema, nas
novelas ou na nova literatura.
Érico, contudo, apesar de ser um
homem sensato, moderado, foi acusado de simpatizar com o comunismo, por
demonstrar carinho com os pobres, em seu livro.
Também julgaram “Caminhos Cruzados”
como pornográfico, apesar da história não relatar explicitamente nenhuma relação
sexual ou cenas sensuais.
Apenas apresenta uma mulher que sente
desejo por outra pessoa do mesmo sexo, mostra que os homens na sua época –
mesmo os casados – recorriam aos cabarés para aliviar suas necessidades e tanto
homens quanto mulheres traem seus parceiros ou pelos menos têm fantasias de
cometer pecados que parecem prazerosos.
A atualidade de “Caminhos Cruzados”
espanta e evidencia como o Brasil permanece atrasado, preconceituoso e injusto.
De lá atrás pra cá surgiu a
televisão, o videocassete (depois DVD), o computador, a internet, o celular e tantas coisas mais que poderiam tornar a vida de todos um pouco melhor
Mas está quase do mesmo jeito: uns
poucos têm de tudo e se permitem a ostentar, esbanjar, jogar fora. A maioria
pena para viver e muitas vezes não têm como dar aos filhos uma vida digna,
tendo muitas vezes de se humilhar para ter em casa pelo menos o pão.
E quando se toca neste ponto – como fez
o arcebispo Dom Hélder Câmara quando comandava a Igreja em Olinda e Recife – é chamado de comunista.
O comunismo, tal como idealizado por Marx faliu no mundo inteiro, o capitalismo ainda dá as cartas, todavia os que compõem as classes mais altas e os alienados em geral ainda têm medo e por isso querem destruir de qualquer maneira os que pensam diferente e se arvoram – como Dom Quixotes – a lutar contra as injustiças, as desigualdades, ou contra moinhos, imaginários ou reais.
O comunismo, tal como idealizado por Marx faliu no mundo inteiro, o capitalismo ainda dá as cartas, todavia os que compõem as classes mais altas e os alienados em geral ainda têm medo e por isso querem destruir de qualquer maneira os que pensam diferente e se arvoram – como Dom Quixotes – a lutar contra as injustiças, as desigualdades, ou contra moinhos, imaginários ou reais.
Érico Veríssimo não era panfletário nem doutrinário e se definia, como escritor, como um simples "contador de histórias". Apesar de não ser um autor tão profundo como Machado de Assis, Graciliano Ramos ou Guimarães Rosa foi importante para a literatura brasileira com seus romances urbanos e a saga "O Tempo e o Vento", que influenciou até a obra de Gabriel Garcia Marquez, autor de "Cem Anos de Solidão".
*Fotos Google: 1) Edição de "Caminhos Cruzados de 1978; 2) O escritor Érico Veríssimo
Pense que leitura prazerosa e devem trazer outras para enriquecer o vocabulário de quem lê.Tinha muitas vontade de comprar vários livros,mas não pude.Tinha muita vontade de comprar jornais,revistas,livros de matemática,química,física,biologia,história,etc mas não tinha condições.
ResponderExcluirGraças ao advento da INTERNET hoje podemos ainda( alguns) ter acesso a esse mundo maravilhoso da leitura e da medição.
Belo texto e bela leitura.