Por Michel Zaidan Filho*
Em visita ao Cemitério de Santo
Amaro, para recolher os restos mortais do meu sogro - morto por negligência
hospitalar numa das unidades administradas pelo IMIP – me deparei com a imagem
de um morto, dependurada na sala da administração do cemitério. Era a única
fotografia que havia lá, sendo que ali não era capela ou igreja e a figura
obviamente não era o retrato de nenhuma autoridade pública viva. A imagem –
pasmem – era a do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Henrique Acioly Campos.
Já tinha presenciado isso antes numa das salas da delegacia da Polícia Civil de
Boa Viagem. Indaguei quem tinha posto e
por qual razão, o retrato de finado: ele não era santo, não fez nada pelo
cemitério e nem era autoridade pública viva: além de ser objeto de investigação
da Justiça Federal, por conta do desvio de recursos públicos da refinaria Abreu
e Lima. Naturalmente, ninguém forneceu nenhuma explicação.
Acredito que se fosse para
escolher uma obra (faraônica) para homenagear a figura do ex-governador, deviam
ter escolhido a Arena Pernambuco, que vai permanecer como símbolo da obra
administrativa do finado, inútil, dispendiosa e cercada de indícios criminosos.
Esta sim seria digna de ostentar o seu nome. Não o cemitério ou a delegacia da
polícia civil. Mas como vivemos tragicamente uma época de inversão completa de
valores, onde os ladrões, corruptos e bandidos tornaram-se juízes naturais para
condenar os outros, entende-se.
A propósito, voltemos ao
conceito de familismo amoral ou patrimonialismo. Quando vejo o nome de
avenidas, viadutos, hospitais, logradouros com o nome de novas autoridades já
mortas, fico imaginando que o ideal republicano de uma administração que se
paute pela legalidade, impessoalidade, moralidade e transparência, ainda está
muito longe de ser entendida, quanto mais seguida, em nossa província.
Esses retratos, essas
homenagens e decretos comemorativos ou laudatórios devem ter o sentido de
explicar a nós, humildes cidadãos contribuintes e votantes, que o estado tem
dono, amo e senhor. E que tudo, ou quase tudo pertence – pela força da tradição
familista – a esse dono ou a seus sucessores e prepostos. Direitos dinásticos
que passam de pai para filho, de esposo para a esposa, primos, sobrinhos,
cunhados, noras e genros etc.
Pernambuco seria uma imensa
capitania hereditária, governada pelos donos ou seus prepostos, mais sempre em
benefício da oligarquia dominante, cioso e gananciosa dos empregos, cargos de
confiança, obras e recursos públicos. Tudo em nome do povo, da terra, das
briosas tradições nativistas e republicanas desde a Insurreição contra o
domínio holandês, a guerra dos mascates, o mata-mata marinheiro, a praieira, a
confederação do equador etc. Uma tradição suficientemente equívoca para
legitimar o poder oligárquico e oferecer um sentimento de pertencimento à nação
pernambucana.
O último episódio dessa ópera
bufa foi a participação dessa fraude partidária que atende pelo nome do PSB. Um
partido que já teve João Mangabeira como líder e acabou participando da
conspiração contra um governo legalmente eleito, depois de ter feito parte e
recebido muitos benefícios desse mesmo governo. Nós, cidadãos e cidadãs
pernambucanos não merecemos isso. É preciso que urgentemente se restabeleça o
respeito e a moralidade, sob pena de lançarmos fora o legado de luta, de
resistência e conquista sociais, duramente alcançados pelos que nos precederam.
A sua memória não perdoará um regime tão nefasto de privilégios, de auto
interesses e de mau uso dos recursos públicos.
*Michel Zaidan Filho é garanhuense, professor da Universidade Federal de Pernambuco e cientista político.
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