Do jornalista Mino Carta, na Revista Carta Capital:
"A mídia nativa, por exemplo, não pode
deixar de ser porta voz da Casa Grande"
Silvio
Berlusconi dispensa apresentações e a respeito da lamentável figura direi
apenas que começa para ele a prestação de serviço a doentes de Alzheimer.
Trata-se de cumprir a pena cominada com sentença definitiva no processo por
fraude fiscal. Outras condenações virão inexoravelmente, e bem mais pesadas,
inclusive por compra de votos para derrubar o governo de Romano Prodi em 2008.
Pensei
em Fernando Henrique Cardoso, comprador de votos durante seu primeiro mandato
presidencial para conseguir a alteração constitucional destinada a permitir sua
reeleição. Foi operação conduzida praticamente às claras, a contar inclusive
com o testemunho de parlamentares envolvidos. A Justiça brasileira encarou os
fatos com aquela olímpica impassibilidade recomendada quando lhe cabe zelar
pelos interesses da casa-grande.
E
que dizer do clangoroso silêncio que cercou a maior roubalheira-bandalheira da
história do País, a fantasmagórica operação das privatizações da comunicação,
embora não faltassem provas abundantes da tramoia tecida entre o Ministério das
Comunicações, o BNDES e o banco Opportunity. Lá pelas tantas, surgiu a chance
do recurso ao príncipe do jogo, FHC, alcunhado “bomba atômica”, conforme os
grampos que tive o desprazer de ouvir à época. O interesse, no caso, era aquele
de um grupelho de graúdos moradores da casa-grande, e para eles o desfecho do
enredo não poderia ter sido melhor.
A
Justiça brasileira não é vendada porque não se importa com quem está à sua
frente e sim com o crime cometido. Ela desvenda-se a toda hora e faz triagem
prévia dos crimes, a fim de excluir quantos põem em risco o privilégio. Está
além do óbvio que esse gênero de atuação obedece a critérios e injunções
políticas. Presta-se à disputa do poder a favor da minoria. Quando o
ex-presidente Lula diz que o chamado “mensalão” foi um processo sobretudo
político, constata apenas e tão somente a verdade factual.
É do conhecimento até do mundo mineral que mensalão, com o sentido de propina
periódica, não houve. Nem mesmo formação de quadrilha o Supremo logrou provar.
Houve uso de caixa 2, executado talvez com inédita desfaçatez. Mas o recurso é
conforme a tradição da política à brasileira. E por que este delito não foi
punido inúmeras vezes antes que respeitasse ao PT? E por que o mensalão tucano,
bastante anterior ao petista, somente agora vem à baila, de sorte a
encaminhar-se alegremente para uma tertúlia final na pizzaria?
A
Justiça brasileira age politicamente desde o momento em que poupa o rico da
cadeia. Já escrevi neste espaço, e me agrada repetir: este é o país onde José
Genoino está preso e Daniel Dantas solto. Em Nova York e em Londres o banqueiro
do Opportunity foi condenado, no Brasil não. Quem haverá de ligar para isso?
Não será certamente uma minoria que imagina viver em Dubai, e seus aspirantes,
ainda e sempre esperançosos de compartilhar visão tão peculiar.
Volto
à fala de Lula, a suscitar o repúdio irado de Joaquim Barbosa, que o próprio
ex-presidente elevou à glória do STF. De Barbosa não se espera que retribua com
eterna gratidão, não foi esta, porém, a única oportunidade em que ele
desrespeitou a lógica e o ordenamento democrático. Nem se fale do empenho
midiático na tentativa de precipitar a derrota petista em outubro próximo. Que
cada qual defina sua preferência por este ou aquele candidato, por este ou
aquele partido, é digno, justo e salutar. No entanto, o que acontece por aqui
no desempenho do jornalismo nativo é algo único na face da Terra.
A
mídia, salvo raríssimas exceções, mira no mesmo alvo, é o que clamam as
manchetes sobre a fala de Lula a respeito do “mensalão” e sobre o “repúdio” de
Joaquim Barbosa, ou desfraldadas em nome de uma pretensa campanha à sombra do
“volta Lula”. Não se exclua que vários políticos e empresários prefiram o
ex-presidente em lugar de Dilma, mas uma campanha em marcha ao rufar dos
tambores é a da própria mídia. A qual, ao apostar no besteirol reinante,
preocupa-se até com o tamanho da cela ocupada por José Dirceu na Papuda, e a
propósito veicula uma informação inexata. Exata é a seguinte: uma delegação de
cinco parlamentares visitou a prisão, dois acharam a cela maior do que a
reservada aos demais condenados do “mensalão”, três a viram igualzinha. E se
fosse maior?

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