João Guimarães Rosa nasceu em Cosdisburgo, interior de Minas
Gerais, em 1908. Foi o primeiro dos seis filhos de dona Francisca Guimarães e
de Florduardo Pinto Rosa. O pai do futuro escritor era comerciante,
juiz-de-paz, caçador de onças e contador de histórias.
Joãozito, como era chamado quando criança, começou seus estudos na
cidade natal, mas concluiu o antigo
curso primário no Grupo Escolar Afonso Pena em Belo Horizonte. Teve ainda uma
passagem, quando estudante, por São João Del Rei.
Desde menino tinha uma queda por estudar línguas. Aos sete anos,
sozinho, começou a aprender francês. Tempos depois, ainda moço, confessaria a
uma prima, estudante:
Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol,
italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego
(mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a
gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do
tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês;
bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o
espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais
profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por
divertimento, gosto e distração.
Em 1925, matriculou-se na então denominada Faculdade de
Medicina da Universidade de Minas Gerais, com apenas 16 anos. Segundo um colega
de turma, Dr. Ismael de Faria, no velório de um estudante vitimado pela febre
amarela, em 1926, teria Guimarães
Rosa dito a famosa frase:
"As pessoas não morrem, ficam encantadas", que seria repetida
41 anos depois por ocasião de sua posse na Academia Brasileira de Letras.
Sua estréia nas letras se deu em 1929, quando era estudante.
Escreveu quatro contos: Caçador
de camurças, Chronos Kai Anagke (título
grego, significando Tempo e
Destino), O mistério de
Highmore Hall e Makiné para um concurso promovido pela
revista O Cruzeiro. Todos
os contos foram premiados e publicados com ilustrações em 1929-1930, alcançando
o autor seu objetivo, que era o de ganhar a recompensa nada desprezível de cem
contos de réis.
Em 27 de junho de 1930, ao completar 22 anos, casou-se com Lígia
Cabral Penna, então com apenas 16 anos, que lhe dá duas filhas: Vilma e Agnes.
Dura pouco seu primeiro casamento, desfazendo-se uns poucos anos depois.
Ainda em 1930, forma-se em Medicina, tendo sido o orador da turma, escolhido
por aclamação pelos 35 colegas.
Guimarães Rosa exerceu a profissão em Itaguara, pequena
cidade que pertencia ao município de Itaúna (MG), onde permanece cerca de dois
anos. Relaciona-se com a comunidade, até mesmo com raizeiros e
receitadores, reconhecendo sua importância no atendimento aos pobres e marginalizados,
a ponto de se tornar grande amigo de um deles, de nome Manoel Rodrigues de
Carvalho, mais conhecido por "seu Nequinha", que morava num grotão
enfurnado entre morros, num lugar conhecido por Sarandi.
Espírita, "Seu Nequinha" parece ter sido o
inspirador da figura do Compadre meu Quelemém, espécie de oráculo sertanejo,
personagem de Grande Sertão:
Veredas.
Antes que os anos 30 terminem, ele participa de outros dois
concursos literários. Em 1936,
a coletânea de poemas Magma recebe o prêmio de poesia da Academia
Brasileira de Letras.
Um ano depois, sob o pseudônimo de "Viator",
concorre ao prêmio HUMBERTO DE CAMPOS, com o volume intitulado Contos, que em
46, após uma revisão do autor, se transformaria em Sagarana, obra que lhe rendeu
vários prêmios e o reconhecimento como um dos mais importantes livros surgidos
no Brasil contemporâneo.
Os contos de Sagarana
apresentam a paisagem mineira em toda a sua beleza selvagem, a vida das
fazendas, dos vaqueiros e criadores de gado, mundo que Rosa habitara em sua
infância e adolescência. Neste livro, o autor já transpõe a linguagem rica e
pitoresca do povo, registra regionalismos, muitos deles jamais escritos na
literatura brasileira.
Em 1938, Guimarães
Rosa é nomeado Cônsul Adjunto
em Hamburgo, e segue para a Europa; lá fica conhecendo Aracy Moebius de
Carvalho (Ara), que viria a ser sua segunda mulher. Durante a guerra, por
várias vezes escapou da morte; ao voltar para casa, uma noite, só encontrou
escombros. A superstição e o misticismo acompanhariam o escritor por toda
a vida. Ele acreditava na força da lua, respeitava curandeiros, feiticeiros, a
umbanda, a quimbanda e o kardecismo. Dizia que pessoas, casas e cidades
possuíam fluidos positivos e negativos, que influíam nas emoções, nos
sentimentos e na saúde de seres humanos e animais. Aconselhava os filhos a
terem cautela e a fugirem de qualquer pessoa ou lugar que lhes causasse algum
tipo de mal estar.
Embora consciente dos perigos que enfrentava, protegeu e facilitou
a fuga de judeus perseguidos pelo Nazismo; nessa empresa, contou com a ajuda da
mulher, D. Aracy. Em reconhecimento a essa atitude, o diplomata e sua mulher
foram homenageados em Israel com a mais alta distinção que os judeus prestam a
estrangeiros: o nome do casal foi dado a um bosque que fica ao longo das
encostas que dão acesso a Jerusalém.
Em 1952 Guimarães Rosa faz uma excursão ao Mato Grosso. O
resultado é uma reportagem poética: Com
o vaqueiro Mariano. Segundo depoimento do próprio Manuel Narde, vulgo
Manuelzão, falecido em 5 de maio de 1997, protagonista da novela Uma estória de amor, incluída
no volume Manuelzão e Miguilim,
durante os dias que passou no sertão, o escritor pedia notícia de tudo e tudo anotava
"ele perguntava mais que padre" –, tendo consumido "mais
de 50 cadernos de espiral, daqueles grandes", com anotações sobre a
flora, a fauna e a gente sertaneja usos, costumes, crenças, linguagem,
superstições, versos, anedotas, canções, casos, estórias...
Em 1956, no mês de janeiro, reaparece no mercado editorial com as
novelas Corpo de Baile, onde continua a experiência iniciada em Sagarana. A partir de o Corpo de Baile, a obra de Rosa - autor
reconhecido como o criador de uma das vertentes da moderna linha de ficção do
regionalismo brasileiro - adquire dimensões universalistas, cuja cristalização
artística é atingida em Grande
Sertão: Veredas, lançado em maio de 56.
O terceiro livro de Guimarães Rosa, uma narrativa épica que se
estende por 600 páginas, focaliza numa nova dimensão, o ambiente e a gente rude
do sertão mineiro. Grande Sertão:
Veredas reflete um autor de
extraordinária capacidade de transmissão do seu mundo, e foi resultado de um
período de dois anos de gestação e parto. A história do amor proibido de Riobaldo, o narrador, por Diadorim é o centro da narrativa. Para Renard
Perez, autor de um ensaio sobre Guimarães
Rosa, emGrande Sertão: Veredas, além da técnica e da linguagem
surpreendentes, deve-se destacar o poder de criação do romancista, e sua aguda
análise dos conflitos psicológicos presentes na história.
O lançamento de Grande
Sertão: Veredas causa grande
impacto no cenário literário brasileiro. O livro é traduzido para diversas
línguas e seu sucesso deve-se, sobretudo, às inovações formais. Crítica e
público dividem-se entre louvores apaixonados e ataques ferozes. Torna-se um
sucesso comercial, além de receber três prêmios nacionais: o Machado de Assis,
do Instituto Nacional do Livro; o Carmen Dolores Barbosa, de São Paulo; e o
Paula Brito, do Rio de Janeiro. A publicação faz com que Guimarães Rosa seja considerado uma figura singular
no panorama da literatura moderna, tornando-se um "caso" nacional.
A partir de 1958, o autor começa a apresentar problemas de saúde e
estes seriam, na verdade, o prenúncio do fim próximo, tanto mais quanto, além
da hipertensão arterial, o paciente reunia outros fatores de risco
cardiovascular como excesso de peso, vida sedentária e, particularmente, o
tabagismo. Era um tabagista contumaz e embora afirme ter abandonado o hábito,
em carta dirigida ao amigo Paulo Dantas em dezembro de 1957, na foto tirada em
1966, quando recebia do governador Israel Pinheiro a Medalha da Inconfidência,
aparece com um cigarro na mão esquerda.
Em 1962, é lançado Primeiras
Estórias, livro que reúne 21 contos pequenos. Nos textos, as pesquisas
formais características do autor, uma extrema delicadeza e o que a crítica
considera "atordoante poesia".
Em maio de 1963, Guimarães
Rosa candidata-se pela
segunda vez à Academia Brasileira de Letras (a primeira fora em 1957, quando
obtivera apenas 10 votos), na vaga deixada por João Neves da Fontoura. A
eleição dá-se a 8 de agosto e desta vez é eleito por unanimidade. Mas não é
marcada a data da posse, adiada sine
die, somente acontecendo quatro anos depois, no dia 16 de novembro de 1967.
No meio do ano, publica seu último livro, também uma coletânea de
contos,Tutaméia.
Guimarães Rosa, no seu discurso de posse na Academia Brasileira de
Letras, disse uma frase que parecia um pressentimento: “A gente morre para
provar que viveu”. Três dias depois, aos 59 anos, teve um infarto no apartamento
em que morava, em Copacabana, e o Brasil perdeu um dos seus grandes escritores.
Em 1967, João
Guimarães Rosa seria indicado
para o prêmio Nobel de Literatura. A indicação, iniciativa dos seus editores
alemães, franceses e italianos, foi barrada pela morte do escritor.
(Fonte: Projeto Releituras/Releituras.com)
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