O Quatrilho é um filme marcante na chamada “retomada” do cinema brasileiro, possivelmente o melhor realizado no Brasil na década de 90 e um dos melhores nacionais de todos os tempos.
Fábio Barreto, diretor do longa, tem em seu currículo outros bons trabalhos, como Donas de Casa Desesperadas, Bela Donna, O Rei do Rio, Luzia Homem e ainda um curta metragem sobre o jogador Mané Garrincha. Nenhum deles certamente é tão bom quanto a produção de 1996.
Baseado no livro homônimo de José Clemente Pozenato, O Quatrilho traz um elenco impecável, imagens de encher a vista da região de Caxias, no Rio Grande do Sul, música belíssima de Caetano Veloso e conta uma história incrível de um troca involuntária de casais no início da segunda década do século XX, no interior do Brasil.
Barreto fez um filme sem invenções, o roteiro é linear, com começo, meio e fim dentro de um padrão completamente normal, comum. Tudo, no entanto, feito com competência e elegância, sem que o longa perca a graça, canse ou deixe de surpreender.
São belíssima as locações feitas no Rio Grande, um dos estados mais interessantes da federação, assim como o Paraná e Santa Catarina, também na região Sul. Só com a mostra do Quatrilho dá para perceber que são lugares singulares, muito diferentes do nosso Nordeste. Não é à toa que italianos, alemães, poloneses e outros povos europeus emigraram e vieram se fixar nos pampas gaúchos, nessa parte do país.
Os atores que vivem os quatro personagens principais – Bruno Campos, Alexandre Paternost, Glória Pires e Patrícia Pilar – foram bem dirigidos e interpretam seus papeis de maneira absolutamente convincentes. Patrícia, na sua fase mais linda como mulher, brilha intensamente a maior parte do filme. Seus olhos parecerem querer sair da tela e entrar na cabeça ou no coração da gente, de tão encantadora que ela está. Do meio para o fim é a vez de Glória mostrar todo seu talento.
Numa cena já próxima do final, Perina (Glória Pires) vai à igreja e faz um tremendo discurso contra o padre Gentile (Cecil Thiré), desmascarando a hipocrisia da igreja e o crime que estava se praticando – por conta dos dogmas e preconceitos – contra ela e seus filhos menores. É possivelmente o momento mais forte de O Quatrilho.
No começo temos o casamento de Tereza (Patrícia Pilar) e Ângelo Gardone (Alexandre Paternost), a luta pela sobrevivência do casal no interior do Rio Grande, a sociedade que se firma com Massimo (Bruno Campos) e Perina (Glória), o dia a dia dos casais, o trabalho, os progressos de Ângelo como agricultor e o surgimento da paixão entre o marido de uma e a mulher do outro.
Outra cena de um visual bonito é quando Tereza e Massimo se beijam pela primeira vez, a câmera mostrando eles meios escondidos, com as imagens escurecidas e por trás uma cascata de encher os olhos e pegar o cinéfilo pelos sentidos.
Tereza é fogo, é paixão, é desejo. Massimo tem jeito de conquistador, parece mesmo estar atrás de uma mulher bonita. Perina é prática, é dona de casa, está convencida de que o mundo é dos homens e são eles que decidem. Ângelo pensa mais no trabalho, é contido no amor, seu projeto é crescer na vida.
A paixão de Massimo e Tereza faz explodir o amor, eles se envolvem e resolvem fugir levando o filho dela. Deixam Ângelo e Perina para trás, atordoados, magoados, sem saber o que fazer, que rumo dá à vida.
Aí é que Perina vai revelar a força e a praticidade da mulher. Enfrenta o padre, enfrenta as mulheres da localidade, enfrenta possíveis rivais e percebe que a solução para o baque que sofreram é os dois continuarem juntos.
Como no jogo de baralho o quatrilho, há uma troca. Tereza se foi com Massimo e tiveram cinco filhos. Perina ficou com Ângelo, o capitalista da história, que termina indo para uma cidade, tem o principal armazém do lugar e até um banco. Diante de tudo esse poder econômico, todos perdoam seu pecado, seu segundo casamento inusitado. Até o padre dá o braço a torcer, afinal o homem tem dinheiro. E com sua Perina termina formando uma grande família, totalizando sete filhos.
Para os padrões nacionais poderemos considerar um filme quase que perfeito, inclusive tecnicamente. Foi o primeiro trabalho nacional indicado para o Oscar, tendo perdido a estatueta para o holandês a Excêntrica Família de Antônia, que não é tão superior assim.
Além dos atores principais citados, todos ainda jovens 15 anos atrás, não podemos de deixar de lembrar a participação no filme de José Lewgoy, que nos deixou em 2003, Cláudio Manberti (morreu em 2001) e Gianfrancesco Guarnieri, o último deles a partir, em 2006. Três ícones do teatro, da televisão e do cinema brasileiro.
Fábio Barreto dirigiu também “Lula, o Filho do Brasil”, que tem grandes qualidades, mas que foi prejudicado por contar de forma simpática a história do ex-presidente da República nos seus tempos de operário.
O Quatrilho é um marco do cinema nacional. É filme para se ver e rever, rendeu até teses nas universidades. Tem beleza, boa música, bons atores, retrata um capítulo da história do país, por isso cabe muito bem na galeria dos inesquecíveis.
Para quem quiser assistir pela primeira vez ou rever, guardar para sempre essa pequena obra prima, nas Lojas Americanas da cidade tem o DVD original por apenas 13 reais a cópia.
Vale a pena conferir.
Realmente é um belo filme.
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