A trágica história do brasileiro Jean Charles impressionou o Brasil. Assassinado covardemente pela polícia britânica, em 2005, ao ser confundido com um terrorista muçulmano, o eletricista mineiro durante um bom tempo ocupou o noticiário nacional e internacional. Natural de Gonzaga, pequena cidade no interior de Minas, Jean foi morar na Inglaterra em 2002, confiando nas suas habilidades com os serviços elétricos e mecânicos. Viveu lá com os primos e outros emigrantes, era um sujeito bem humorado e criativo, conseguia levantar uma boa grana e ajudar a família. Dois dias antes de morrer, atentados a bomba foram praticados nos metrôs de Londres, deixando as autoridades e polícia britânicas atordoadas. Nesse "estresse" do pessoal da segurança londrina, sobrou para um pobre brasileiro que não tinha nada a ver com a história.
Em 2009, o cineasta Henrique Goldman, que há 30 anos vive em Londres, concluiu um filme contando a vida do seu compatriota. O longa, bem dirigido e com atores de qualidade, como Shelton Melo e Vanessa Giácomo, chegou aos cinemas do país no segundo semestre do ano passado, mas na Inglaterra foi boicotado inclusive pela BBC, por apresentar uma visão crítica em relação à polícia britânica.
Na verdade, se você pesquisar nos jornais e internet o Caso Jean Charles e assistir o filme, vai verificar que os dois se confundem e se completam. Goldman, o diretor brasileiro que vive há tanto tempo na Europa, sempre trabalhou mais com documentários e no filme a respeito do eletricista acaba imprimindo a "ficção" doses extremamente realistas do que aconteceu em Londres. Além de homenagear a vítima da eficiente/incompetente polícia inglesa, o cineasta dá uma boa ideia de como vivem os emigrantes brasileiros em outros países, seja na Europa ou Estados Unidos. Numa entrevista à revista Época, o diretor chamou a atenção para esse fato: "Nós éramos um país de imigrantes. Agora somos um país de emigrantes. E muita gente aqui não sabe como é a vida dos milhares ou milhões de pessoas que estão fora. Eu quis mostrar isso", explicou Henrique Goldman.
Pelo que se vê no filme e nos arquivos dos jornais e da internet, no começo as autoridades da Inglaterra deram a versão de que a polícia tinha matado um terrorista, depois reconheceram que Jean Charles foi confundido com um mulçumano, até ficar claro o erro brutal cometido. Três anos depois, o Governo britânico mandou ao Brasil representantes que vieram a Gonzaga pedir desculpas aos pais do rapaz pela falha da polícia do seu país. Posteriormente, a família recebeu uma indenização no valor de cem mil libras. Na própria Inglaterra jornalistas questionaram o valor, comparando a casos de assédio sexual julgados pelos tribunais ingleses em que a indenização tinha sido oito vezes maior. E, pior que tudo, apesar de reconhecer o erro coletivo, individualmente até hoje nenhum policial foi punido pelo crime.
Muitos brasileiros e latinoamericanos, como Jean Carlos, vivem uma vida de segunda classe na Inglaterra, na França, em Portugal, na Alemanha, nos Estados Unidos e outros países. Qualquer um corre o risco de ser discriminado, humilhado e até morto por engano ou não.
Charles continua vivo, nos milhares ou milhões que saíram do país em busca de uma vida melhor.
(Nas fotos acima temos primeiro Shelton Melo e Vanessa Giácomo no filme de Goldman, depois o próprio Jean Carlos, vítima da polícia inglesa que o matou "por engano").
Gostar de boa literatura ou de bons filmes – a música nem tanto – é um sentimento que numa cidade como a nossa quase não temos com quem compartilhar. Sofremos uma espécie de mal que é comum na província. Padecemos de uma atroz mediocridade. Parece que as limitadas dimensões geográficas do lugar (da província) de algum modo influenciam nossa visão de mundo e nossos gostos, mesmo nesses tempos de internet e outras possibilidades de se ir além da linha do bojador. Não se vê ninguém discutindo um bom livro ou um bom filme. Na maioria dos casos, o comentário feito por algum “luminar” recai sempre sobre obras de auto-ajuda ou o novo filme de Hollywood. É por isso que ler um bom comentário de filme no blog de alguém da província nos deixa menos pessimistas e mais esperançosos. Valeu mesmo!
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