Da excelente cronista Martha Medeiros:
Pais heróis e mães rainhas do lar. Passamos boa parte da nossa existência cultivando estes estereótipos. Até que um dia o pai herói começa a passar o tempo todo sentado, resmunga baixinho e puxa uns assuntos sem pé nem cabeça. A rainha do lar começa a ter dificuldade de concluir as frases e dá pra implicar com a empregada. O que papai e mamãe fizeram para caducar de uma hora para outra? Fizeram 80 anos.
Nossos pais envelhecem. Ninguém havia nos preparado pra isso. Um belo dia eles perdem o garbo, ficam mais vulneráveis e adquirem umas manias bobas. Estão cansados de cuidar dos outros e de servir de exemplo: agora chegou a vez de eles serem cuidados e mimados por nós, nem que pra isso recorram a uma chantagenzinha emocional. Têm muita quilometragem rodada e sabem tudo, e o que não sabem eles inventam. Não fazem mais planos a longo prazo, agora dedicam-se a pequenas aventuras, como comer escondido tudo o que o médico proibiu. Estão com manchas na pele. Ficam tristes de repente. Mas não estão caducos: caducos ficam os filhos, que relutam em aceitar o ciclo da vida.
É complicado aceitar que nossos heróis e rainhas já não estão no controle da situação. Estão frágeis e um pouco esquecidos, têm este direito, mas seguimos exigindo deles a energia de uma usina. Não admitimos suas fraquezas, seu desânimo. Ficamos irritados se eles se atrapalham com o celular e ainda temos a cara-de-pau de corrigi-los quando usam expressões em desuso: calça de brim? frege? auto de praça?
Em vez de aceitarmos com serenidade o fato de que
as pessoas adotam um ritmo mais lento com o passar dos anos, simplesmente
ficamos irritados por eles terem traído nossa confiança, a confiança de que
seriam indestrutíveis como os super-heróis. Provocamos discussões inúteis e os
enervamos com nossa insistência para que tudo siga como sempre foi.
Essa
nossa intolerância só pode ser medo. Medo de perdê-los, e medo de perdermos a
nós mesmos, medo de também deixarmos de ser lúcidos e joviais. É uma enrascada
essa tal de passagem do tempo. Nos ensinam a tirar proveito de cada etapa da
vida, mas é difícil aceitar as etapas dos outros, ainda mais quando os outros
são papai e mamãe, nossos alicerces, aqueles para quem sempre podíamos voltar,
e que agora estão dando sinais de que um dia irão partir sem nós.
*Fonte: Carta Capital
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