Por Ayrton Maciel
A hora do basta não pode ser
perdida. No estágio de civilização que a humanidade alcançou, é inconcebível
imaginar países comandados por ditadores, sejam de direita ou de esquerda.
O Brasil chegou a uma
encruzilhada: vive uma tensão entre a sociedade civil e a militar, que tem por
trás um presidente inconsequente e a parcela fanática, obscurantista,
negacionista e violenta dessa população. Um impasse que pode precipitar um
confronto e ruptura previsíveis, mas de custo humano e social imprevisível.
Inevitáveis se o presidente da República, Jair Bolsonaro, tentar um golpe
contra a democracia e o Estado de Direito, recorrendo às Polícias Militares e a
generais, almirantes e brigadeiros aliados, interditando o Congresso Nacional e
o STF, o que representaria a sua elevação à condição de ditador. Um cenário
improvável, mas não impossível, em razão do enredo ideológico extremista e
saudosista de 1964 que orienta o governo. Creem que o poder são eles, as armas
são a imposição da sua vontade e estão imunes a quaisquer punições.
O Congresso está perdendo a
hora de uma reação. O cavalo selado não pode passar sob a negligência de
deputados e senadores. Há mais de 120 pedidos de impeachment engavetados, porém
há outras soluções constitucionais para o país. O Congresso precisa aplicar o
seu poder constitucional, com os
parlamentares exercendo destemidamente as suas prerrogativas, as quais foram
consagradas pela vontade popular. O enquadramento das Forças Armadas – como em
qualquer país democrático – e das corporações policiais militares do Brasil
tornou-se um pré-requisito para a estabilidade da nossa democracia. É preciso
reformular os códigos e estatutos de atuação, formação e conduta, mas, é fundamental
inserir na Constituição cláusulas de proteção e punição contra golpes,
tentativas, subversão e ameaças aos Poderes constituídos.
É intolerável consentir as
ameaças sucessivas e frequentes ao STF, ao Congresso e à sociedade civil,
explicitamente sob o embuste da liberdade de expressão. As redes sociais dos
seguidores militares e civis de Bolsonaro não praticam a liberdade de imprensa,
mas sim a propagação de fake news e crimes contra a honra do Judiciário e do
Legislativo e contra a paz social. O objetivo é nitidamente buscar a agitação
social e o conflito nas ruas e armar uma falsa justificativa para um golpe em
nome da “ordem social”, intervindo e fechando o STF, o Congresso e os
legislativos estaduais, destituindo os governadores eleitos e os substituindo
por interventores, comumente militares. O Congresso e a sociedade civil
precisam dar um basta: é preciso respeitar os Poderes da República, a sua
independência e a sua harmonia constitucional. Democracia é conviver entre prós
e contras, aceitar perdas e ganhos, admitir concordância e discordância.
Nossos vizinhos argentinos,
chilenos, uruguaios e paraguaios têm, desde suas redemocratizações, Forças
Armadas compromissadas com a democracia e conscientes dos erros de uma passado
recente. As punições da Justiça foram exemplares. No Brasil, há generais,
coronéis e o injustificável Clube Militar que vivem a ameaçar a sociedade civil
e a exaltar a ditadura de 64, seja por simples questão de soldo e provento,
seja por discordarem do governo – o que se configura como perda de isenção -,
seja por vislumbrarem nas nuvens a ameaça comunista. Isto existe porque a
anistia de 1979 foi omissa. A Constituição de 1988 precisa ter clara as
punições para as ameaças à democracia, e mais precisamente as que resultarem em
violência física e perdas humanas. A perda da farda e a pena máxima de prisão
devem estar na Carta como contenção eventual e como custo para as aventuras
golpistas.
No Brasil democrático,
assistimos a quem integra corporação armada e a quem vive armado ameaçarem os
que vivem desarmados. Esse tem sido o exemplo de coragem e valentia de quem
prega golpe: intimidar os Poderes desarmados e a sociedade civil. O Congresso
não pode, também, passar da hora de dar um basta às Policias Militares, de
deixar claro que não fazem parte das Forças Armadas do país – e que o povo não
é um inimigo a ser eliminado, torturado ou perseguido, notadamente em favelas e
comunidades – e que são instituições submetidas aos governos estaduais. Uma
hierarquia inegociável. É preciso retirar o status de “forças auxiliares” das
FFAA, abolir as fardas militares dessas corporações e expressar a tarefa
exclusiva de polícias ostensivas, como são nos países desenvolvidos. Nossas PMs
invadem favelas, morros e barracos intempestiva e desautorizadamente, como que
ocupando um território inimigo. Essa conduta é, em parte, responsável pela
mortandade violenta nas comunidades pobres do Brasil.
A hora do basta não pode ser
perdida. No estágio de civilização que a humanidade alcançou, é inconcebível
imaginar países comandados por ditadores, sejam de direita ou de esquerda. O
Brasil é um Haiti social, mas nem por isso ou por inconsequência cabe um Papa
Doc.
*Ayrton Maciel é jornalista.
Trabalhou no Dario de Pernambuco, Jornal do Commercio e nas rádios Jornal, Olinda
e Tamandaré. Ganhador do Prêmio Esso Regional Nordeste de 1991.
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