![]() |
UMA DAS EDIÇÕES DO LIVRO |
Em 1971, em pleno Governo
Médici, o mais brutal da ditadura militar brasileira, instalada em 1964, Érico
Veríssimo escreveu o seu livro mais político e corajoso. Um grito pela liberdade de expressão, uma
crítica ao regime de exceção instalado no país, um protesto contra a perseguição
aos intelectuais, quase que um manifesto contra a tortura e toda forma de
violência praticada pelos detentores do poder.
É também uma crítica ácida à
hipocrisia, à mentira e ao artificialismo da burguesia nacional, já retratada
com ironia em outros romances do escritor gaúcho.
Se a grande obra de Érico
Veríssimo é a trilogia O Tempo e o Vento, “Incidente em Antares” é
possivelmente seu livro mais original e inventivo.
Érico, que em “O Tempo e o
Vento” usa pela primeira vez o realismo mágico, no livro de 1971 explora ao
máximo as tendências dessa escola literária, da qual fez parte também o nosso
Jorge Amado e o colombiano Gabriel Garcia Márquez, autor de “Cem Anos de
Solidão”, uma das obras primas da literatura latino-americana.
Na primeira vez li “Incidente
em Antares” eu era apenas um adolescente e naturalmente não compreendi tão bem
o romance quanto na releitura, feita neste dezembro de 2017.
Ao pegar o volume nas mãos
para uma leitura atenta, lembrei do jornalista e escritor Jodeval Duarte, que
uma vez, numa conversa informal, revelou ter sido “Incidente em Antares” o melhor
livro que já leu na vida.
Fiquei, na ocasião, um tanto
surpreso. Não imaginava que o colega de profissão gostasse do autor gaúcho e
ainda mais que tivesse um dos romances de Veríssimo em tão alta conta.
Agora, com a conclusão desta
segunda leitura, percebendo tudo (ou quase tudo) que o escritor quis passar
para o leitor, a revelação de Jodeval já não me espanta.
“Incidente em Antares”
realmente é um romance com muitas qualidades, superando quase todos de Érico
Veríssimo, à exceção, talvez do primeiro volume de “O Tempo e o Vento”, com a
riqueza dos seus personagens, caso de Ana Terra, o Capitão Rodrigues, Bibiana,
Pedro Missioneiro e outros tipos inesquecíveis, que parecem ter existido de
verdade e não sido criados por um “contador de histórias”.
Incidente em Antares se
divide em duas partes distintas: na primeira temos quase que um relato
jornalístico de um período da História do Brasil, em que os personagens
fictícios parecem mero coadjuvantes das figuras reais presentes no romance,
como Getúlio Vargas, Carlos Lacerda, Juscelino Kubistchek, Jânio Quadros, João
Goulart, Leonel Brizola e outros políticos influentes na vida nacional, nos anos
50 e 60 do século passado.
Na segunda parte, mais
empolgante, é quando ocorre o incidente. Este consiste numa espécie de protesto
de sete mortos da cidade da Antares (uma localidade criada pela imaginação do
autor, na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina), impedidos de serem
sepultados por conta de uma greve dos coveiros, que por sua vez tinham aderido
a uma greve geral decretada pelos trabalhadores do comércio e indústria do município.
Os mortos vão para o coreto
no centro da cidade, atraindo uma pequena multidão para vê-los, apesar dos
corpos em decomposição, malcheirosos. Dois dos mortos, um advogado corrupto e
um anarquista grevista, aproveitam a oportunidade para denunciar todos os
podres dos figurões de Antares.
Da boca dos defuntos (na verdade da pena de Érico Veríssimo) não escapa nenhum
representante da alta burguesia da cidade: Um dos padres é pintado como
omisso, o outro é chamado de esquerdista, o prefeito é ladrão, o patriarca da
cidade é um verdadeiro bandido, o médico, o promotor e o juiz são coniventes
com a corrupção e a bandalheira em prática no pequeno burgo.
Segundo os defuntos, a
hipocrisia e a mentira são tantas que são numerosos os casos de mulheres adúlteras e homens
com amásias, entre os moralistas de Antares.
A cidade gaúcha criada por
Veríssimo é um microcosmo do Brasil do início dos anos 70, com a perseguição
aos estudantes e trabalhadores, a tortura nos porões, os assassinatos e a
corrupção sendo jogadas para debaixo do tapete, até porque a censura não
permitia que se noticiasse o que realmente estava acontecendo no Brasil.
Lendo o livro, hoje, quando
vivemos esse arremedo de democracia, somos levados a nos perguntar: Como a
censura de Garrastazu Médici permitiu a publicação desse livro, extremamente
duro em relação às ditaduras em geral, ao mesmo tempo em que celebra as artes e
a liberdade, esta considerada como um bem maior?
A explicação, talvez, esteja
ligada ao respeito que Érico Veríssimo tinha na época, como escritor consagrado
no Brasil e no exterior, com boas relações inclusive nos Estados Unidos, país
em que esteve mais de uma vez para dar aulas e conferências.
Os militares devem ter
imaginado também que muitos não iam ter paciência de ler um romance de 500
páginas, outros não iriam entender a “fábula” e a proibição poderia somente chamar mais atenção para a forte denúncia social e política contida
no livro.
Não tem como você não ler “Incidente
em Antares”, com sua carga de ironia e de denúncia dos poderosos, para não
fazer comparações com a situação do Brasil atual, tão cínico, hipócrita e
corrompido quanto a cidade fictícia do interior do Rio Grande do Sul.
Além de ser um bom livro,
Incidente em Antares foi muito bem adaptado pela TV Globo, em 1994.
A minissérie recebeu direção
de Paulo José e o elenco era de estrelas (por sinal Antares, que dá nome à
cidade, é uma estrela do nosso firmamento): Fernanda Montenegro interpretou a
matriarca do lugar, Paulo Goulart viveu o coronel Tibério Vacariano, Cláudio
Correia e Castro representou o prefeito Vivaldino Brasão, Paulo Betti foi o
advogado Cícero Branco, Diogo Vilela vestiu a pele de João Paz, vítima de torturas
na delegacia, Mauro Mendonça é o líder grevista Geminiano Ramos, Carlos Eduardo
Dolabella interpreta o juiz Quintiliano, Gianfrancesco Guarnieri vive o alcoólatra
Pudim de Cachaça, Flávio Migliaccio é o padre Gerôncio, Eva Tudor é Venusta
(uma cafetina), Marília Pera faz o papel da prostituta Erotildes, Betty Faria é Rosinha e Regina Duarte atua como a telefonista Shirley Terezinha.
O leitor (a) atento (a) deve
ter percebido na relação acima que praticamente metade deles já não está mais
entre nós.
Enfim, “Incidente em Antares”
é bom do ponto de vista literário, ajuda a compreender momentos importantes da
história tupiniquim e ainda pode jogar um pouco de luz sobre os tempos
temerosos que estamos atravessando.
O livro você pode encontrar numa boa livraria ou pela internet. A minissérie está disponível completa no YouTube.
O livro você pode encontrar numa boa livraria ou pela internet. A minissérie está disponível completa no YouTube.
Os personagens na minissérie da televisão
Grande escritor Érico Veríssimo. Por possuí-la, já li 90% de sua obra. A mesma coisa não se pode dizer do tabacudo do filho, que além de jornalista e escritor é um músico retardado e por que não dizer um tocador de jazz frustrado.
ResponderExcluirP.S. : - No governo Sarney, Collor e FêHáCê ganhou muito dinheiro satirizando-os com um personagem que criou: A VELHINHA DE TAUBATÉ... Com as cagadas do PT apressou-se em aposentar precocemente a velhinha para não se constranger e envergonhar-se de fazer comentários sarcásticos e irônicos a respeito da ladroagem do Jararaca e as asneiras praticadas pela Anta tonta.