Por Anita Leocadia Prestes
Transcorrido um ano de governo de
Michel Temer, não há mais dúvida de que sua posse resultou de um golpe parlamentar-jurídico, cujo objetivo central foi
liquidar as conquistas dos trabalhadores brasileiros consagradas na legislação
do país. Nesse sentido, são emblemáticas as propostas encaminhadas ao Congresso
Nacional das reformas trabalhista e da previdência, assim como os esforços
voltados para invalidar os direitos democráticos consagrados na Constituição de
1988, não obstante suas limitações, apontadas por Luiz Carlos Prestes, no que
diz respeito ao artigo 142 dessa Carta, ou seja, à manutenção da tutela militar acima dos três poderes da
República[1]. Artigo este usado pela primeira vez pelo atual governo para
reprimir manifestação popular realizada recentemente em Brasília.
Da mesma maneira, assistimos ao desmonte da Petrobras, que está sendo
entregue despudoramente ao capital internacional, e à privatização de grande
parte da economia nacional. O Brasil é, assim, oferecido à rapina dos grupos
monopolistas internacionais e se agrava acentuadamente sua dependência do
imperialismo estadunidense e de outras potências imperialistas.
As políticas neoliberais de Fernando Henrique Cardoso não só não foram
interrompidas, mas puderam prosseguir durante os governos do PT. E as próprias
reformas trabalhista e da previdência tiveram curso nesses governos, assim como
a desnacionalização da Petrobras e da economia nacional, embora encontrassem
resistências significativas de parte de setores democráticos e populares.
Quebrar tais resistências – eis a razão por que se tornou necessário para o
imperialismo e os setores burgueses a ele associados perpetrar o golpe
parlamentar-jurídico de 2016.
Em 2002, os compromissos assumidos pelo PT com a “Carta aos brasileiros”
deram garantias ao grande capital internacionalizado de que seus interesses não
seriam prejudicados, o que permitiu a eleição de Lula após três derrotas
consecutivas nas tentativas anteriores para eleger-se presidente da República.
Entretanto, as concessões postas em prática, mesmo as mais graves perpetradas
no início do governo Dilma, ao renegar as promessas feitas durante a campanha
eleitoral, não foram suficientes para, num cenário de agravamento da crise
econômica mundial, atender aos propósitos dos setores burgueses identificados
com os interesses do grande capital internacionalizado.
O retrocesso produzido pelos golpistas na vida nacional não deve
obscurecer a responsabilidade dos governos do PT pela situação hoje presente no
Brasil. Contrariando o que haviam imaginado e proposto pensadores marxistas
como Florestan Fernandes, nos primeiros anos de existência do PT, o “partido
dos trabalhadores” transformou-se numa versão brasileira da social-democracia
europeia, com a diferença de que os conflitos sociais no Brasil, resultado de
desigualdades extremas, não têm solução, mesmo que temporária, nos marcos do capitalismo,
como aconteceu com o “estado do bem-estar social”, criação dos partidos
social-democratas na Europa. Experiência esta hoje falida, como é do
conhecimento geral.
Uma vez no governo, os dirigentes do PT incluíram em sua base aliada
partidos e agrupamentos políticos comprometidos com a continuidade das
políticas neoliberais que haviam constituído a essência dos compromissos
assumidos com a “Carta aos brasileiros”. Estava fora de cogitação qualquer
possibilidade de os novos governantes desenvolverem esforços voltados para a
organização e a mobilização populares, tendo em vista a implantação de
políticas favoráveis aos interesses dos trabalhadores e das grandes massas
vitimadas pela exclusão social.
Pelo contrário, tanto o PT e seus aliados mais próximos, como é o caso
do PCdoB, quanto os governos Lula e Dilma contribuíram para transformar a CUT e
os sindicatos operários, assim como a UNE e grande parte das entidades
populares, em meros instrumentos a serviço dos propósitos governistas, em meras
correntes transmissoras dos desígnios petistas e governistas. Através da
manipulação da opinião pública não se contribuiu para o avanço da organização
dos diferentes setores populares, que foram mantidos como massa de manobra à
disposição de lideranças “salvadoras” do PT, submetidos à influência
carismática dessas lideranças, interessadas em impedir o protagonismo dos
trabalhadores e das massas populares, empenhadas em mantê-las desorganizadas e
desmobilizadas para melhor exercer seu controle.
De acordo com a cartilha neoliberal, formulada pelas agências ligadas
aos grupos monopolistas internacionais, aos setores populares seria destinada
uma parte dos recursos provenientes dos lucros fabulosos desses grupos, através
de políticas assistencialistas – as chamadas “políticas compensatórias”-,
promovidas pelo Estado brasileiro, cujo objetivo principal jamais deixou de ser
a garantia da paz social. Dessa forma, tentou-se evitar as convulsões sociais e
garantir o apoio popular aos governos do PT e de seus aliados, assegurando a
sucessão tranquila desses governantes a cada eleição. Foram distribuídas
migalhas ao povo, enquanto as multinacionais obtinham lucros fabulosos e os
dirigentes do PT e seus aliados garantiam a reeleição para os principais cargos
dos governos da República.
Diante da atual situação política do Brasil, a direção do PT continua
recusando-se a analisar autocriticamente o comportamento dos governos Lula e
Dilma. Contando com o apoio de Lula, a recém-eleita presidente do partido,
afirma que “não fará autocrítica porque não quer fortalecer o discurso de seus
adversários políticos”.[2] Lembremos que V.I. Lenin, o grande artífice da
Revolução Russa de outubro de 1917, afirmava que os dirigentes políticos
comprometidos com os interesses populares não deveriam jamais ocultar das
massas seus próprios erros, recusando-se a assumir posições críticas em relação
aos mesmos, pois isso abriria espaço para sua repetição. Postura que sempre foi
seguida por Luiz Carlos Prestes durante sua longa trajetória política.[3]
A desmobilização popular e, principalmente, a ausência de organizações e
partidos representativos dos legítimos interesses dos trabalhadores – para os
quais a política do PT e dos seus aliados contribuiu de maneira decisiva -, têm
como consequência a carência de lideranças populares autênticas e a tendência
generalizada a buscar um “salvador” que pudesse enfrentar os desafios
resultantes da situação criada no país com o golpe parlamentar-jurídico de
2016. A proposta que está sendo amplamente divulgada pelas “esquerdas” de
eleições diretas com a candidatura de Lula à presidência representa a
concretização de tal tendência. Lula seria novamente o “salvador” da pátria.
Semelhante solução pode ser considerada compatível com os interesses dos
trabalhadores e das massas populares? A atual correlação de forças políticas,
extremamente desfavorável para os setores populares, parece indicar que, mais
uma vez, na história Brasil as classes dominantes ensaiam uma solução de
conciliação, cuja característica principal seja a preservação dos interesses
espúrios do grande capital em detrimento dos anseios dos trabalhadores e das
grandes massas do nosso povo. Devido à desorganização dos setores populares,
seus representantes carecem de força política para influir decisivamente nos acontecimentos.
Dessa forma, semeia-se a ilusão de que Lula possa ser a solução. Na
realidade, as “elites” representativas das classes dominantes poderão admitir
eleições diretas e até mesmo a eleição do ex-presidente Lula desde que uma nova
“carta aos brasileiros”, recheada de concessões maiores das que foram feitas
pelo PT em 2002, seja assumida como compromisso eleitoral. É ilustrativa a
proposta do “tucano” Fernando Henrique Cardoso, disposto a buscar entendimento
com Lula para “salvar o Brasil”.[4]
Na verdade, no curto prazo não existe
uma solução que realmente contemple os anseios populares e dê resultados
positivos. As “esquerdas” precisam reconhecer isso e contribuir para o
esclarecimento das massas, mostrando-lhes que a disputa eleitoral e a “democracia
representativa” não constituem a solução. No máximo, podem ser coadjuvantes na
atividade fundamental de organização dos trabalhadores,
de organização popular, e na luta cotidiana que deve ser desenvolvida em cada
lugar de trabalho, de estudo e de moradia em torno das reivindicações mais
sentidas dos setores populares.
Luiz Carlos Prestes enfatizava que a emancipação econômica, social e
política dos trabalhadores brasileiros deveria ser obra deles próprios. Para
que isso se tornasse possível, considerava necessário contribuir para a
mobilização, organização e conscientização dos diferentes setores populares,
assim como para o surgimento de novas lideranças e novas organizações
partidárias efetivamente comprometidas com a solução radical dos graves problemas
nacionais.[5]
É necessário trabalho e empenho para construir as forças sociais e
políticas capazes de garantir o avanço rumo ao socialismo – o único regime
social capaz de assegurar justiça social e democracia para todos. Trata-se de
um projeto a ser realizado a médio e longo prazo – o único capaz de garantir
soluções verdadeiras para os anseios da grande maioria do povo brasileiro.
Reformar o capitalismo deixou de ser
a solução. Karl Marx escrevia que, se não se avança para o socialismo, chega-se
à barbárie, algo que já estamos vivenciando nos dias atuais e que urge ser
revertido através do único caminho viável – a organização popular.
APOIO:
PCB (Partido Comunista Brasileiro) de Garanhuns/PE
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