A REAÇÃO DE ÉRICO VERÍSSIMO AO FASCISMO NOS ANOS 30


Érico Veríssimo, escritor gaúcho que viveu entre 1905 e 1975, do século XX, deixou uma obra marcante na literatura brasileira.

"O Tempo e o Vento", romance adaptado para o cinema e televisão é considerado sua obra prima.

O próprio Érico reconheceu que esse foi o seu melhor trabalho literário.

No entanto o romance de maior sucesso da carreira do escritor foi o livro "Olhai os Lírios dos Campos", publicado em 1938, quando Veríssimo tinha 33 anos.

Ele depois consideraria o romance inverossímil demais.  Passados quase 30 anos faria autocrítica sobre o livro.

Isabella Lubrano, que tem um canal no YouTube dedicado à literatura, acredita que a dureza com que o autor abordou "Olhai os Lírios dos Campos", quase 30 anos depois, teve influência da ditadura militar implantada em 1964.

É que Érico Veríssimo escreveu o romance de 38 como uma espécie de libelo contra a ditadura de Getúlio Vargas e a ascensão do fascismo e nazismo na Europa.

Mesmo sem o mundo saber ainda dos crimes de Stalin, o escritor gaúcho não via o comunismo soviético como solução.

A proposta de Érico, no seu romance mais popular, tem um tom cristão.

O próprio título do livro é baseado num trecho do Sermão da Montanha, de Jesus Cristo.

Há um trecho no romance de Veríssimo que de certa maneira lembra o discurso de Charlie Chaplin no filme "O Grande Ditador".

Importante ressaltar que o livro do brasileiro foi escrito antes do filme produzido e dirigido pelo cineasta britânico.

Eis um trecho de "Olhai os Lírios dos Campos" que sintetiza bem a proposta do autor, em seu libelo pacifista:

“Quero que abra os olhos, Eugênio, que acorde enquanto é tempo. Peço-te que pegues a minha Bíblia que está na estante de livros, perto do rádio, leias apenas o Sermão da Montanha. Não te será difícil achar, pois a página está marcada com uma tira de papel. Os homens deviam ler e meditar esse trecho, principalmente no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo que não trabalham nem fiam, e no entanto nem Salomão em toda sua glória jamais se vestiu como um deles.

Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à espera de que tudo nos caia do céu. É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza. Precisamos, entretanto, dar um sentido humano às nossas construções. E, quando o amor ao dinheiro, ao sucesso nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu.

Não penses que estou fazendo o elogio do puro espírito contemplativo e da renúncia, ou que ache que o povo devia viver narcotizado pela esperança da felicidade na “outra vida”. Há na terra um grande trabalho a realizar. É tarefa para seres fortes, para corações corajosos. Não podemos cruzar os braços enquanto os aproveitadores sem escrúpulos engendram os monopólios ambiciosos, as guerras e as intrigas cruéis. Temos de fazer-lhes frente. É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as do amor e da persuasão. Considera a vida de Jesus. Ele foi antes de tudo um homem de ação e não um puro contemplativo.

Quando falo em conquista, quero dizer a conquista duma situação decente para todas as criaturas humanas, a conquista da paz digna, através do espírito de cooperação. E quando falo em aceitar a vida não me refiro à aceitação resignada e passiva de todas as desigualdades, malvadezas, absurdos e misérias do mundo. Refiro-me, sim, à aceitação da luta necessária, do sofrimento que essa luta nos trará, das horas amargas a que ela forçosamente nos há de levar.”

Érico Veríssimo morreu antes da redemocratização do Brasil. Não viu um operário chegar ao poder no país, nem o fascismo ressurgir e tentar estabelecer uma nova ditadura.

Felizmente, ainda temos uma democracia. Mas é preciso estar sempre alerta contra os candidatos a tiranos. Nesse sentido, o romance de Érico, que muitos leram e não atentaram para o contexto em que foi escrito, continua atual.

A mensagem pacifista ainda vale. Pode parecer uma mera utopia, mas não podemos esquecer que Gandhi lutou contra o império inglês sem armas e,  sem ele, possivelmente, a libertação da Índia teria demorado muito mais.

*Ilustração: Livros e Outros

Nenhum comentário:

Postar um comentário