PREFEITURA MUNICIPAL DE GARANHUNS

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CONTEXTO

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Pesquisas Eleitorais

A COMEMORAÇÃO DOS 80 ANOS - Conto Inédito de Roberto Almeida


Estavam reunidos no velho casarão da Rua do Comércio. A mulher, os filhos, os netos,  um bisneto e uma bisneta.

O almoço tinha sido feito por muitas mãos, caprichado, como em outras datas especiais.

Feijão tropeiro, galinha, arroz branco, macarrão à bolonhesa, bode assado, salada, salpicão...

Todos iriam se fartar, depois ainda tomar suco de maracujá ou Coca Cola, com direito à sobremesa.

Ele tinha as marcas do tempo no rosto, os olhos não escondiam velhas preocupações. Estava feliz, porém e apesar de sisudo, contido, não procurou disfarçar.

Afinal de contas a esposa estava ao seu lado, sempre - e já faziam mais de 50 anos que tinham casado.

Os filhos, graças a Deus bem criados, tinham tomado o rumo certo na vida, cada um já vivia do suor do seu rosto, com formaturas em boas universidades,  o que lhes ajudara a conseguir bons empregos.

Não seriam escravos do comércio, tendo de trabalhar de domingo a domingo, sem férias, décimo terceiro, esses direitos conquistados pelos mais moços.

Seu tempo foi outro, foi a época da bodega, depois venda, mercearia, mercadinho; pegou até na enxada, roçou mato.

Quem chega aos 80 anos teve muitas vidas, cortou muitos caminhos, conheceu um pouco de tudo.

Antes de decidir casar com a menina - na época ela nem tinha 18 anos - namorou sem compromisso, carregou mulheres assanhadas encobertas pelo capote, deu amasso nos becos escuros, às escondidas.

Antigamente era assim. Nada de beijos no meio da rua, no salão de baile, esfregamentos em público. Safadeza já havia sim, nem tudo era feito no cabaré. Algumas mocinhas, consideradas de família,  eram afoitas e faziam de tudo, desde que protegidas pela discrição, mantendo a aparência de donzelas.

Teve uma, casada, a quem dedicou mais meses do que as outras. É que o chamego era bom, até um filho fez nela. Criado pelo marido, se descobriu ou desconfiou dos chifres relevou.

Uma outra morava perto da favela, os encontros eram no horário da tarde,  às vezes os corpos se tocavam no chão da sala, dada à urgência provocada pelo tesão, o calor dominando o ambiente apertado.

E a moça tímida da Rua da Farmácia, com quem comeu pizza e foi ao mercado público?

Ensinou ela a gostar, pois antes de conhecê-lo praticava o ato por obrigação, sem entender porque as amigas tinham tanto prazer com os homens.

Foi como se tivesse tido pré-casamentos, experiências passageiras,  até o dia de encontrar a mulher ideal.

Com uma fez amor no mato, carros passando ao longe, pela estrada, causando medo e aumentando a vontade.

Uma prima encostou na parede da cozinha, o tio dela dormindo no quarto ao lado, os dois malucos de paixão; braços, mãos, bocas, pernas, os corpos se procurando em ritmo frenético até ficar saciados.

Tudo isso era passado. Não importava mais. Nem só de sexo vive o homem. Estava quieto. Como presente de aniversário o mais velho trouxera o mais moderno aparelho de TV, tela grande, poderia assistir a Copa do Mundo em alta definição.

Sim, gostava de futebol, de acompanhar o noticiário. Saber o que ia pelo mundo.

A mulher gostava mais das novelas. E das rezas. Tanto que ia à igreja aos domingos e ainda acompanhava as missas celebradas por padres famosos,  transmitidas pela televisão.

Não gostava de política. Nunca se envolvera em campanhas e as preferências, que naturalmente tinha, não eram reveladas.

Amigo de um, dos outros, por que ficar de mal devido a disputas eleitorais?

Bom que os filhos conquistaram o mercado de trabalho graças aos seus diplomas, concursos, sem depender de favores de prefeitos ou deputados.

Os meninos e a menina tinham coisas dele e da mãe também.

Um gostava de jogar futebol, outro abria livros todos os dias, e iam ao cinema, teatro, ouviam música, luxos que ele nunca se deu.

Dedicou-se sempre ao seu comércio, à venda de açúcar, sabão, bolachas, vinho jurubeba, pitú, cerveja, papel higiênico, sabonete, pilhas de rádio e pasta de dente.

Fora isso, os amassos, antes de casar, na fase namoradeira, sem compromissos.

Tornou-se homem de família, pessoa séria, honesta, de bons amigos e nenhum inimigo.

Nunca se meteu em desavenças, confusões. No mundo é preciso saber viver, cultivar a arte da paciência,  pra aguentar bebo e desaforo de cabra safado.

Tinha muito o que comemorar. Uma vida inteira junto de uma mulher direita, tão honesta quanto ele, capaz de ajudar na lida, criar bem os filhos, ajudá-lo na tarefa de fazer deles pessoas íntegras, felizes.

Apesar de não ser religioso, como a mulher, acreditava no Grande Arquiteto do Universo, e dava graças por ter tudo dado certo. Chegava a oito décadas de bem viver,  com os filhos todos encaminhados, já cuidando adequadamente dos seus rebentos, alegria dos pais e dos avós.

O mundo mudara muito, desde quando era menino aos dias de hoje.

Novidades que só os filhos dos seus filhos e os netos podiam acompanhar. Agora havia mais pressa. E se conversava mais pelo telefone que pessoalmente.

Lembrava de quando a informação vinha pelo rádio, muitas vezes faltava energia e as conversas se davam na calçada, sem medo de assaltos; os rapazes obedeciam e não se metiam com drogas, como acontece hoje.

Já foi melhor?

Sentia saudades de muita coisa, achava que todo mundo se apega um pouco ao passado. Reconhecia, no entanto, as facilidades do século XXI. Cores, luxos, telas, sons, carros mais equipados, até viagens de avião estavam acessíveis.

Pelo menos um dos filhos já visitara mais de 10 países. Ele nunca saíra nem do seu estado, conhecera poucas cidades. E não sentia falta, se contentava com o balcão, as vendas, a comida no ponto feita pela mulher, os meninos enchendo sua vida bem planejada de orgulho.

Passaram tantos fatos pela cabeça, naquele rodear de gente – imagina ter lembrado até das aventuras de quando era moço -, que foi como um despertar,  quando começaram a cantar parabéns pra você.

A vista ficou enevoada, os olhos marejaram, abraçou a mulher, mirou cada filho, a filha, os netos, as netas, os bisnetos.

Sentiu que tinha caminhado certo, feito o serviço corretamente. Cumprira sua missão.

Não estava pensando no fim, nada disso. Ainda havia o que aprender, a descobrir, a ensinar.

Gostaria que a jornada fosse pelo menos até os 100. Junto da esposa, perto dos filhos e de todos os descendentes.

Até que conseguia entender agora porque eles gostavam de cinema, desses artistas que cantam no rádio e na TV.

A vida às vezes é como um filme.

E todo filme, como a vida, precisa de uma trilha sonora, de um pouco de música.

*A foto que ilustra o conto é de Charlie Chaplin e sua esposa,  Oona. Reproduzida do site Cinema Clássico.

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