Excelente reportagem
publicada no blog do jornalista Magno Martins:
Ao apagar as 116 velinhas do
seu aniversário em 5 de março deste ano, com uma lucidez invejável, dona Rita
Maria da Conceição, a mulher mais idosa do Brasil e a segunda do mundo, abriu
um paradigma contrariando dogmas da Medicina para bater todos os recordes da
longevidade: nunca se alimentou bem, não foi adepta de caminhadas, passou fome
e, emocionalmente, rangeu muito os dentes, com o coração abalado.
Rangeu os dentes,
inicialmente, quando perdeu o seu primeiro filho com apenas seis dias de vida.
Rangeu, novamente, ao parir o segundo herdeiro e ser abandonada pelo marido.
Sozinha no mundo, na criação de Pedro, seu único filho, que até hoje cuida dela
numa casinha de taipa no sítio Bandeira, a 45 km do centro de Brejo da Madre de
Deus, no Agreste Setentrional, passou fome para não deixar o filho morrer de
fome.
Branca, de olhos azuis, dona
Rita tem sangue herdado de DNA holandês. Sua família aportou no Agreste na
mesma sina da perseguição portuguesa aos judeus no século passado em
Pernambuco. Não é filha única. Seus pais tiveram 14 filhos. Passados 116 anos,
o que impressiona nela é a lucidez. A audição praticamente já deu adeus, mas
quando consegue compreender uma pergunta responde tudo com um raciocínio lógico
e rápido.
Lembra-se dos nomes das
irmãs. “Tenho duas irmãs de nome Maria e duas de nome Severina. Viajei muito
para Monteiro (PB) para rever meus parentes, espalhados ainda no Recife e em
São Paulo”, diz ela. Auxiliada pelo filho Pedro, dona Rita consegue tirar da
sua memória muitas pérolas. Lembra dos dias terríveis que viveu cortando cana
no canavial para arranjar o dinheiro do leite do filho.
Fala, também, do tempo em que
esteve mais ocupada na labuta do dia a dia, como lavandeira. “Lavei muita
roupa, meu filho. Limpei mato, lavei banheiro, comi o pão que o diabo amassou”,
consegue se expressar. A zona rural de Brejo da Madre de Deus ainda tem casas
de taipa, sinal da pobreza extrema manifestada na própria rotina da senhora
mais idosa do País.
Há mais de dez anos, passa o
dia em cima da cama. Numa queda, quebrou o fêmur há 13 anos, mas mesmo assim
diz ser feliz. Segundo o filho, dona Rita come de tudo, não sente sequer uma
dor de cabeça. Dias atrás, foi internada num hospital em Santa Cruz do
Capibaribe com fortes dores de ouvido. “Mas fez uma lavagem e logo ficou boa.
Minha mãe é muito saudável”, diz Pedro, que pegou uma briga com servidores do
cartório de Santa Cruz quando foi até ali requisitar uma segunda via da
certidão de nascimento da mãe.
“A mulher teimou comigo, disse que minha mãe já tinha morrido e não queria tirar a segunda via”, contou Pedro. Vivendo a velhice na extrema pobreza, Dona Rita ganhou, há pouco, uma corrente de solidariedade que já deu resultado. Uma cama usada apareceu em sua casa. Antes, ela dormia no chão. A ONG Conscientizando Vidas Marly Neves Jordão, administrada pela moradora Carmem Diniz, está tentando construir uma casa digna para ela e o filho, salvando-os da ameaça de contrair a doença de Chagas provocada pelo barbeiro presente em casas de taipa.
Dona Rita também não enxerga
por um dos olhos. Recentemente, teve a saúde debilitada após ter contraído
Chikungunya. Desde então, Pedro toma conta da mãe e disse que ela "já
sofreu muito na vida".
“A gente comia farinha com água para matar a fome. Vi minha mãe dormir com fome para deixar a comida somente para mim, ainda pequeno”, conta Pedro. "Nunca abandonei nem jamais vou abandonar minha mãe, ela é tudo para mim. Passou por muita coisa nessa vida para eu estar aqui, vivo hoje”, acrescenta.
Dona Rita e Pedro vivem
apenas com uma pequena aposentadoria e têm uma vida muito sofrida.
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