CHORINHOS E BOLEROS - Por Flávio Lyra


Flávio Lyra nasceu em Garanhuns, viveu na cidade até o começo da adolescência e depois ganhou o mundo: Recife, Rio de Janeiro, Brasília.

Apesar de tanto tempo distante da terra natal, da visão crítica com relação às elites locais e de críticas ao conservadorismo da província, o ex-secretário de Finanças de Pernambuco, num dos governos de Miguel Arraes, costuma escrever sobre seus tempos de Suíça Pernambucana. Tem até um livro de memórias em que a primeira parte é uma narrativa de sua vida na terrinha.

Em sua página do Facebook, Flávio Lyra nos brinda, regularmente,  com artigos ou crônicas deliciosas da Garanhuns do passado. Como essa, que vamos transcrever, relembrando os chorinhos e boleros da época de sua juventude.

Vale muito à pena a leitura do texto, até porque o conterrâneo escreve com muita elegância de estilo:

Os contemporâneos dos anos 50 do século passado na querida Garanhuns, sempre vão ter em suas memórias os sons musicais e as letras dos chorinhos e dos boleros que enchiam de sentimento nossas almas juvenis.

Desde muito cedo, quando vivi numa das áreas pobres da cidade, a antiga Rua da Matança, hoje Pascoal Lopes, os chorinhos começaram a fazer parte de minha vida. Nos domingos e feriados eu ficava, muitas vezes, nas proximidades dos botecos onde trabalhadores se reuniam para tomar uma cachacinha e ouvir os chorinhos da época, executados por eles mesmos, músicos amadores. Um bandolim, ou cavaquinho, um violão, um bombo e um pandeiro eram suficientes para montar o espetáculo.

Foi nesse tempo, que comecei a ouvir “Tico, Tico no Fubá”, de Zequinha de Abreu. O triste e penetrante “Lamento”, de Pixinguinha, também apareceu na mesma época. Quando se incorporavam uma flauta, ou um clarinete, ou um saxofone, novas dimensões sonoras enriqueciam a mensagem que penetrava nossas almas.

Um pouco mais tarde, nas matinês do cinema popular, ao lado do mercado de carnes, antes do início da sessão, éramos brindados regularmente com os acordes de “André de Sapato Novo”, de autor que não recordo o nome. E neste caso, pontificava um saxofone, cujo som se interpunha entre as partes da melodia, num som surdo e linear.

Só muitos anos depois vim ter acesso às contribuições de Ernesto Nazaré e Patápio, no piano de Moreira Lima. Foi nessa época que também passei a admirar o grande compositor e instrumentista pernambucano, Luperce Miranda. E então já era a época do grandes Valdir de Azevedo, com seu famoso “Brasileirinho”, que depois de letrado era cantado por Ademilde Fonseca. Era, também, a época do notável compositor, Jacó do Bandolim, que nos deixou precocemente, aos 51 anos de idade, com os sons agudos e penetrantes inimitáveis que conseguia tirar de seu bandolim, especialmente no choro de sua autoria: “Noites Cariocas”. Certa vez, em uma de minhas idas ao Rio de Janeiro fui assistir uma apresentação da inesquecível cantora Elisete Cardoso com o acompanhamento musical do conjunto de Jacó do Bandolim. Depois de horas de terminado o espetáculo, ainda ressoavam em meus ouvidos a voz de Elisete e os sons do bandolim mágico de Jacó, na interpretação de “ Chão de Estrelas”.

Ora, mas na fase da juventude o que mais nos marcou foram os boleros apaixonados que nos chegavam de Cuba e do México. Aprender a dançar bolero era uma obrigação quase religiosa. Entrar no compasso do “dois pra lá dois pra cá”, requeria treino e disciplina. Várias vezes, achei que havia aprendido e, quando chegava na AGA para pôr em prática, não conseguia coordenar os passos com a parceira, nem ficar dentro do ritmo.

Em meados dos anos 50 do século passado esteve no Brasil, o cantor cubano Bienvenido Granda. Os boleros que ele interpretava, com sua aguda e estridente, como “ En la Orilla del Mar”, “ Perfume de Gardênia” e vários outros de seu grande repertório, nos tomavam preciosas horas ao estudo e desviavam nossos pensamentos para sentimentos que não sabíamos muito bem o que eram, mas que envolviam nossos jovens e inexperiente corações.

Quem não se recorda de “Perfídia”, “Besa-me Mucho” e “Quizás, Quizás, Quizas”, este que o conterrâneo Fernando Castelão, que era locutor e apresentador na Rádio Jornal do Comércio, cantava tão bem. Uma vez ele o cantou na festa de aniversário do Colégio Diocesano.

Nas noites de Natal, no inesquecível passeio da Avenida Santo Antônio, os autofalantes da Empresa de Propaganda “A ANTENA”, de Humberto Granja, sempre estavam dirigindo aos seres amados e admirados um bolero, que nos invadia as almas e nos transportava para outras dimensões que nossa imaginação criava para nos deixar a sós com nossas musas.

(*) Editado a partir de um texto escrito em 25 de fevereiro de 2015.

*Foto: Clube do Choro

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