Por Marianna
Araújo, do site The Intercept
Bolsonaro sentiu.
Só o tempo permitirá avaliar a dimensão dos acontecimentos da última semana,
mas a corrida da vacina foi um dos mais duros golpes dados contra seu governo
em pouco mais de dois anos.
O silêncio
presidencial contrasta com o furor das redes sociais e do mundo paralelo do
WhatsApp: só se fala na vacina e na “vitória” do governador de São Paulo, João
Doria. Em um meme espalhado ontem, Bolsonaro aparecia em uma cadeira de
barbeiro como se fosse um senhor que se perdeu na rua. Não há retrato melhor.
Monitoro alguns
grupos nas principais redes e a sensação é a mesma em todas: o esgoto
bolsonarista não sabe o que fazer. Hoje cedo, ao entrar em uma aba onde reúno
"Brazil Right-Wing Influencers" no Facebook achei que as páginas
tinham sido hackeadas: a imensa maioria falava bem da vacina e criticava
Bolsonaro por sua inércia e ignorância.
Os memes sobre as
habilidades logísticas do ministro-general que ocupa a Saúde tomaram conta das
redes dos apoiadores do presidente junto com outros tantos que retratam Doria
como vencedor. Eduardo Pazuello parece apenas um homem de atitudes panacas. A
pesquisa do índice XP/Ipespe, divulgada na segunda — feita, portanto, antes da
aprovação da CoronaVac no domingo — já acusa a maior taxa de rejeição ao
governo desde agosto de 2020.
Esse caldo está em fervura há algumas semanas e o fim do auxílio emergencial vai aumentar ainda mais a temperatura. De 35% em dezembro, a taxa de entrevistados que consideram o governo ruim ou péssimo saltou para 40% – e o índice dos que avaliam o governo como bom ou ótimo caiu de 38% para 32%. Entre evangélicos, um dos grupos mais importantes de sustentação do governo, a aprovação caiu de 53%, em dezembro, para 40%. A reprovação subiu de 26 para 36%.
Sentindo os
sintomas da rejeição, depois de quase um ano de campanha desbragada contra a
vacina e contra todas as medidas que poderiam reduzir as mortes, restou ao
ex-capitão deixar de lado a falácia do “tratamento precoce” e agarrar-se a duas
estratégias.
A primeira delas
é usar o general Pazuello como escudo. Nas primeiras horas depois da aprovação
da vacina, Bolsonaro sumiu. O general botou a cara em coletivas, eventos e
entrevistas. Sempre subserviente, fazendo promessas que são desmentidas horas
depois e sem nenhum constrangimento ao contar mentiras novíssimas e mostrar seu
enorme despreparo para lidar com a maior crise sanitária em um século. A
resiliência de Pazuello é chocante: ele está disposto a entregar tudo que
sobrou de sua dignidade pra defender o governo.
Quando sair do
ministério, não restará a ele nenhuma credibilidade, nada de que possa se
orgulhar. Será sempre reconhecido na rua como o homem que sabia que faltava
oxigênio em Manaus, mas não fez nada. Passará para a história como o ministro
que é incapaz de organizar a entrega de pouco mais de 4 milhões de vacinas para
os estados em um país de mais de 200 milhões de habitantes ou, o mais básico,
incapaz de negociar compra de insumos com indianos e chineses. Sua melhor desculpa
é que “o fuso horário da Índia é complicado”. Um adolescente mentindo para a
mãe faria melhor.
A outra
estratégia de Bolsonaro é risível. Depois de meses arrotando bobagens como
"vaChina", "calça apertada", "não vou tomar, e ponto
final", "virar jacaré", não há mais o que fazer. O jeito é
tentar dizer que o governo federal apoiou a produção da vacina. É mentira.
Tarde demais para colar. O Mito não só desacreditou a vacina como operou nos
bastidores para atrapalhar o processo. Quer pagar de pai do filho alheio. É
basicamente uma tentativa de sequestro.
É cedo para dizer
que Jair Bolsonaro está nas últimas, mas é fato que seu governo está
enfraquecido como nunca. Há algo de concreto acontecendo e as próximas semanas
são muito importantes. Além do fim do auxílio e dos próximos passos da
vacinação, temos a eleição da presidência da Câmara, fundamental para a
sobrevivência do governo.
Há uma crescente
demanda por impeachment. Vivemos um excelente momento pra ir pra cima do
“mito”: é hora de expor para os brasileiros a verdade sobre o seu governo,
denunciar sua relação com o centrão, bater sem dó nas narrativas alucinadas de
Carluxo e nas mentiras elaboradas pelos militares.
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