1 PALAVRÕES — O problema não são os palavrões. Todo mundo usa palavrão. O
excesso deles e seu uso em ocasiões impróprias revelam pobreza vocabular,
indigência cultural e descontrole emocional. Do ponto de vista moral,
condená-los ou defendê-los depende de valores individuais ou preconceitos
sociais e centrar nesses é desviar o foco.
2 — SEGREDOS IMPLÍCITOS — O que
foi dito por Bolsonaro não explicita literalmente a intenção de interferir nas
investigações da Polícia Federal. Mas pode se somar a outras evidências (a
confissão que fez naquela mesma noite para seus apoiadores no Alvorada,
mensagens de celulares, a efetiva demissão do diretor da PF e a troca do
superintende no Rio etc.). Mafiosos, milicianos, antigos coronéis do interior
não dizem ao capanga: “Matem Fulano”. Dizem: “Fulano tá atrapalhando meus
negócios”. Dias depois, Fulano aparece morto. Corruptos não pedem (ou oferecem)
propina usando essa palavra. Não se fala: “Ei você aí, me dá uma propina aí”.
No famoso encontro à
meia-noite, fora da agenda, com entrada pelos fundos do Palácio, Wesley Batista
ouviu de Michel Temer: “Rodrigo (Rocha Loures) é de confiança”. Dias depois,
Rocha Loures foi preso em flagrante com uma mala com 500 mil reais, entregue
por um preposto de Wesley. Aécio Neves pediu “empréstimo” de dois milhões
(alguém pagaria?) ao mesmo Wesley. É tudo implícito, linguagem cifrada. Para o
bom entendedor, Bolsonaro queria (e fez) mudanças na PF para “não foderem os
filhos e amigos”.
Moro entendeu, todo mundo
entendeu. Ficar discutindo se a palavra “segurança” é da alçada do GSI ou da PF
é puro diversionismo. E a explicação oficial de que o presidente se referia a
“relatórios de inteligência” é desculpa pronta para a defesa (desde quando
relatórios de inteligência têm o poder de foder o 01, o 02, o 03 ou o Queiroz?
Podem até avisar sobre os malfeitos, mas problemas concretos estão nas
investigações e inquéritos). A Imprensa sabe disso tudo, Celso de Melo sabe
disso, o Dr. Augusto Aras não tem nada de burro. O PGR vai escolher entre ligar
os pontos ou se prender à letra do que está registrado, fazendo de conta que
não entendeu o espírito da coisa. Aposto um terreno em alto mar que ele vai
ficar com a alternativa B.
3 — PROGRAMA DE GOVERNO — A
reunião do ministério é um flagrante grotesco da cabeça da direita xucra que
assumiu o governo e quer empalmar o poder total. A suruba verbal esconde um
fraudulento programa de governo, não explicitado com clareza durante a campanha
(até pela ausência do candidato aos debates, devido à tal facada). As
intervenções de Paulo Guedes, como alguns já ressaltaram, são a alma do
encontro. Escancaram um ultraliberalismo fanático, preocupado em defender os bancos
e as grandes empresas industriais e o agronegócio. E o povão (a quem ele acenou
com R$ 200,00 aos jovens pós-pandemia) e as pequenas empresas (onde o governo
“perde dinheiro”) que se fodam. Por isso, a tragédia da pandemia mal foi falada
na reunião escatológica. E quando o foi, tratou-se como uma oportunidade para
dar dinheiro aos tubarões da economia e fazer “passar a boiada” da
desregulamentação: dos direitos humanos, do patrimônio histórico e da
preservação ambiental. Os generais estão lá (na reunião e no governo)
garantindo esse programa antipopular.
4 — ARRANJO. O que pode sair
dessa cartola? Difícil dizer. Bolsonaro conta com o Exército, as PMs, as
milícias, a grande maioria do empresariado (que o considera “um mal menor”
diante do PT), larga fatia da mídia (Globo e jornalões preferem Sérgio Moro), setores
da classe média e do rebanho evangélico e a extrema direita (que ele quer armar
até os dentes). Está comprando o apoio do Centrão para se garantir no
Congresso.
Impeachment? Se o apoio nas
pesquisas continuar em torno de 25–30%, nem sonhando. As elites arranjarão um
jeito de ir acomodando as coisas até 2022, quando escolherão continuar com
Bolso, marchar com Moro (que tem a mesma ideologia dele, só que mais articulado
e um pouco menos brega) ou apoiar João Dória. Um ou outro ministro talvez caia.
Se não for arquivado, o inquérito na PF se arrastará por uns bons anos. O que
deve fazer a oposição democrática? Aí já é outra história.
*Homero Fonseca é jornalista,
escritor e consultor literário. Foi editor da revista Continente. Autor do
romance "Roliúde", entre outros livros.
Quem está SEM foco; e SEM rumo é o presidente... Por extensão: os seus ministros, também!
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