A pesquisa nos diz:
entre a fome e a morte, os pobres preferem que seus filhos trabalhem, mesmo com
o risco de trazerem o contágio para casa. Buscam se equilibrar entre o
noticiário da imprensa (martelando a necessidade da quarentena) e as falas e
atos do presidente (pregando e agindo no sentido contrário). Nesse choque
cognitivo cruel, tentam sobreviver. E seja o que Deus quiser.
Essa
circunstância revela o Estado de Necessidade em sua brutalidade, manipulado com
habilidade pelo presidente Jair Bolsonaro.
No
Brasil, só as classes médias podem se dar ao luxo da quarentena. Para cada
privilegiado que, como eu, posso ficar em isolamento, há um batalhão de pobres
viabilizando nossa logística: entregadores, atendentes, caixas, vendedores,
balconistas, embaladores, transportadores etc., sem falar nas empregadas
domésticas.
O
presidente pode defender abertamente o interesse dos empresários, a pretexto de
manter o emprego. Finge priorizar os pobres, enquanto libera com agilidade
bilhões de ajuda aos bancos e empresas. Aos pobres, joga a migalha de 600 reais
(queria dar 200,00, o Congresso foi quem aumentou), sob exigências burocráticas
que retardam o alívio irrisório e levam milhões de pobres a se aglomerarem
diante das agências da Caixa Econômica.
Imagine,
caro leitor, você que está em sua casa, ter que ir à rua, enfrentar filas
enormes, expor-se ao coronavírus, para no final levar aquela dinheirama.
E
assim, o chefe do governo, pela manipulação discursiva reiterada, mantém
inabalável sua popularidade entre os mais necessitados, os quais ele parece
defender.
Infelizmente,
talvez só a catástrofe anunciada (se as medidas dos governadores não
prevalecerem contra a pregação contrária do capitão) destrua a imagem de
Bolsonaro, às custas de milhares de vítimas.
A
pandemia escancarou nosso abismo social.
*Homero Fonseca é jornalista, escritor e consultor
literário. Foi editor da revista Continente. Autor do romance
"Roliúde", entre outros livros.

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