Este é o
ano do centenário da escritora Clarice Lispector, natural da Ucrânia, mas que
morou no Recife na infância e juventude, até se radicar no Rio de Janeiro.
Autora de
“Água Viva” nasceu em dezembro, mas a comemoração pelos seus 100 anos já
começou.
No Rio,
uma peça de teatro, “Missa para Clarice”, traz as reflexões da escritora sobre
Deus.
Além dos
romances, livros de contos e ensaios, Clarice Lispector se destaca por frases
geniais. Não é à toa que é um (a) dos autores (as) mais citados (as) nas redes
sociais.
Escritora
morreu em 1977, mas está bem viva através de sua obra intimista, estudada em
diversos países do mundo.
Sobre
Deus, escreveu um dia Clarice: "Um dia uma folha me bateu nos cílios.
Achei Deus de uma grande delicadeza."
Abaixo um
perfil da “pernambucana da Ucrânia”, escrito nos primeiros anos do blog:
Clarice
Lispector é uma escritora única no Brasil. O estilo intimista, filosófico,
musical, surpreende e atrai leitores nacionais e da maioria dos países do mundo
ocidental. Quando lançou seu primeiro romance, “Perto do Coração Selvagem”,
críticos viram influência de dois grandes nomes da literatura mundial: Virgínia
Wolf e James Joyce. Acontece que a ucraniana-brasileira nunca os havia lido.
Esse
personagem singular na história das letras nacionais nasceu na Ucrânia, em
1920. Tinha apenas dois anos quando seus pais – Pinkouss e Mania Lispector –
vieram morar no Brasil. Se instalaram inicialmente em Maceió e em 1925 mudaram
para Recife.
Na capital
pernambucana, Clarice morou numa casa da Rua da Imperatriz e estudou em dois
colégios localizados no centro da cidade: O João Barbalho e o Ginásio
Pernambucano. Certamente muitos estudantes dessas escolas freqüentam as salas
de aula sem saber que por lá passou um dia uma das maiores escritoras do mundo.
Ainda em
Pernambuco, a menina Clarice tentou publicar alguns textos no velho Diário da
Praça da Independência. Seus contos foram recusados, pois eram histórias sem
enredo.
Em 1934 o
pai, que no Brasil adotou o nome de Pedro, muda para o Rio de Janeiro. Sua mãe,
Marieta (Mania na Ucrânia) já havia morrido.
Na então
capital do país Clarice Lispector começa a escrever para jornais e revistas e
tem o conto O Triunfo publicado no semanário “Pam”. A garota continua seus
estudos, iniciados em Pernambuco e ingressa na Faculdade de Direito. Demoraria,
mas conseguiria concluir o curso.
Exercendo
a carreira de jornalista, a escritora faria grandes amizades no mundo
literário. O casal Érico Veríssimo e Mafalda ficaria muito próximo de Clarice.
Esta também manteria uma relação muito boa com Fernando Sabino, autor do
elogiado romance O Encontro Marcado. Os dois manteriam durante anos uma
correspondência que no futuro seria transformada em livro.
No Rio de
Janeiro ela também se tornou amiga de escritores como Vinícius de Moraes,
Otávio de Faria, Raquel de Queiroz e Lúcio Cardoso. Este último é um dos
poucos, no país, que tem um estilo de escrever assemelhado ao de Clarice
Lispector. Há quem aponte influências de Lúcio na autora de Perto do Coração
Selvagem.
Clarice
casou com um colega do curso de Direito, Maury Gurgel Valente, com quem teve
dois filhos: Pedro e Paulo.
Maury se
tornou diplomata e por conta da profissão morou em diferentes lugares. Assim,
após o casamento a escritora residiu em Belém do Pará, Nápoles, Paris, Londres,
Torquay e cidades americanas.
Quando se
separou do marido, em 1959, retornou definitivamente ao Brasil. Fez então uma
visita para matar as saudades do Recife, onde reviu parentes. Posteriormente
escreveria um livro relembrando a sua infância em Pernambuco.
As
resistências iniciais ao texto intimista – para alguns herméticos -, aos
romances sem enredo, à prosa única de Clarice Lispector foram quebradas com o
lançamento de livros de contos e obras como “A Aprendizagem – O Livro dos
Prazeres”, “Maçã no Escuro”, “A Paixão Segundo G.H.”, “O Lustre”, “Água Viva” e
“A Hora da Estrela”, este último adaptado para o cinema.
Alberto
Dines, um dos maiores jornalistas brasileiros, que dirigiu o Jornal do Brasil
(RJ) em sua fase áurea, definiria da seguinte maneira o romance “Água Viva”, em
carta enviada à autora: “É menos um livro-carta e, muito mais, um livro música.
Acho que você escreveu uma sinfonia”.
Lispector
causaria impacto até com suas história curtas. Num conto da década de 70 criou
um personagem, uma velhinha, completamente apaixonada por Roberto Carlos, então
considerado “o rei da música brasileira”. Outro texto marcante é “O Ovo e a
Galinha”, belo, criativo, filosófico, capaz de deixar o leitor embevecido,
obrigá-lo a fazer releituras e se apaixonar pela reflexão profunda nascida do
talento da escritora.
Clarice é
considerada pela crítica como pós-modernista. Na verdade ela não se enquadra
muito em nenhuma escola literária. Uma vez lhe perguntaram por que escrevia e a
resposta foi outra pergunta: por que você bebe água? “Porque tenho sede, para
não morrer”, disse o jornalista. “É isso. Eu escrevo para não morrer”,
esclareceu a escritora.
Abaixo
três parágrafos do conto “O Ovo e a Galinha” para você ter uma ideia do estilo
Clarice Lispector:
O ovo é
uma coisa suspensa. Nunca pousou. Quando pousa, não foi ele quem pousou. Foi
uma coisa que ficou embaixo do ovo. – Olho o ovo na cozinha com atenção
superficial para não quebrá-lo. Tomo o maior cuidado de não entendê-lo. Sendo
impossível entendê-lo, sei que se eu o entender é porque estou errando.
Entender é a prova do erro. Entendê-lo não é o modo de vê-lo. – Jamais pensar
no ovo é um modo de tê-lo visto. – Será que sei do ovo? É quase certo que sei.
Assim: existo, logo sei. – O que eu não sei do ovo é o que realmente importa. O
que eu não sei do ovo me dá o ovo propriamente dito. – A Lua é habitada por
ovos.
O ovo é
uma exteriorização. Ter uma casca é dar-se.- O ovo desnuda a cozinha. Faz da
mesa um plano inclinado. O ovo expõe. – Quem se aprofunda num ovo, quem vê mais
do que a superfície do ovo, está querendo outra coisa: está com fome.
O ovo é a
alma da galinha. A galinha desajeitada. O ovo certo. A galinha assustada. O ovo
certo. Como um projétil parado. Pois ovo é ovo no espaço. Ovo sobre azul. – Eu
te amo, ovo. Eu te amo como uma coisa nem sequer sabe que ama outra coisa. –
Não toco nele. A aura de meus dedos é que vê o ovo. Não toco nele – Mas
dedicar-me à visão do ovo seria morrer para a vida mundana, e eu preciso da
gema e da clara. – O ovo me vê. O ovo me idealiza? O ovo me medita? Não, o ovo
apenas me vê. É isento da compreensão que fere. – O ovo nunca lutou. Ele é um
dom. – O ovo é invisível a olho nu. De ovo a ovo chega-se a Deus, que é
invisível a olho nu. – O ovo terá sido talvez um triângulo que tanto rolou no
espaço que foi se ovalando. – O ovo é basicamente um jarro? Terá sido o
primeiro jarro moldado pelos etruscos ? Não. O ovo é originário da Macedônia.
Lá foi calculado, fruto da mais penosa espontaneidade. Nas areias da Macedônia
um homem com uma vara na mão desenhou-o. E depois apagou-o com o pé nu.
Ao meu modo de ver, a maior escritora/poetisa brasileira, Clarice Lispector, apesar de ter morrido relativamente nova, não se sabe lá por qual razão adorava a cor negra, preta, triste e sua imagem nos deixa uma impressão de ter sido viúva... Eis uma estrofe de uma de sua vasta obra poética que constata tal afirmação ou sentimento de tristeza que ela carregava em sua crua personalidade: “Minhas alegrias são intensas; minhas tristezas, absolutas. Me entupo de ausências, me esvazio de excessos. Eu não caibo no estreito, eu só vivo nos extremos”...
ResponderExcluir