Outro dia estive em um escritório aqui em Garanhuns e em determinado momento observei que das seis pessoas na sala o único que não estava usando o celular era eu.
Todos conectados. Uns enviando mensagens pelo zap, outros atentos ao Facebook, quem sabe a professora checava os e-mails, um, estranhamente, falava ao aparelho. Até uma criança, uma menina de seis ou oito anos, usava o celular.
Útil, o aparelho celular se tornou indispensável. É o melhor remédio para a solidão, serve para se comunicar com o mundo, dispensa sua ida à agência bancária, facilita a cobrança de uma dívida, une os namorados, deixa você por dentro das notícias, mas infelizmente na muitas vezes afasta as pessoas do mundo real.
Escritor Rubem Alves, muito antes da febre ao WhatsApp, já se preocupava com os efeitos colaterais causados pelo aparelho e escreveu uma crônica intitulada "O Telefone Celular".
Confira o texto do autor mineiro:
Em Minas,
antigamente, eram comum nas portas, à frente das casas, um buraquinho por onde
passava um barbante. O barbante estava amarrado ao trinco. Bastava puxar o
barbante do lado de fora para que a porta se abrisse. Assim, qualquer pessoa, a
qualquer hora, podia entrar, sem precisar bater, e se não houvesse ninguém na
casa, ir até a cozinha e tomar um cafezinho quente no fogão de lenha. Não
conheço caso de que esse gesto de cortesia e confiança, o barbante pendente,
tivesse sido desrespeitado. Imaginemos entretanto, em puro devaneio literário
que, num dia qualquer, voltando para casa, o morador a encontrasse ocupada por
todo tipo de pessoas ( haviam entrado puxando o barbante), umas amigas, sempre
bem-vindas, mas a maioria desconhecidas, que enchiam as salas, os quartos, os
corredores, os banheiros, a cozinha... Algumas, simpáticas, sorridentes, outras
meio vadias, tinham entrado porque era fácil puxar o barbante...Pois foi
precisamente essa a imagem que me veio ao ler o artigo justamente irado do Frei
Beto, a propósito de uma invasão sofrida. Antigamente, quando era preciso
escrever no papel, sobrescritar envelope, ir ao correio e colar selo, a
trabalheira era muito grande. Por isso as cartas eram sempre sobre coisas
importantes. Hoje quem não tem o que fazer faz uso da facilidade para ficar
mandando e-mails. O frei Beto encontrou 137 e-mails à sua espera. Aí ele ficou
muito bravo e fez uso da tecla delete para dar expressão ao seu
sadismo...
Pois eu vou me juntar
ao frei Beto para falar mal do telefone celular. Faz tempo, comprei um,
daqueles pesadões, hoje elefantes se comparados aos mais modernos, pequenos
beija-flores que se seguram delicadamente com o indicador e o polegar. Me sinto
humilhado, pela comparação. Pensei em comprar um beija-flor, para exibir minha
modernidade. Mas não adianta. O meu, nesse momento em que escrevo, não sei onde
está. Também não adianta. Está sempre desligado. Acho que não quero ser
encontrado.
Psicanalista, tenho o
costume de ficar interpretando os objetos. O telefone sendo um deles. Descobri,
num museu da cidade de Lavras, uma "folhinha" colorida da loja da
minha avó, Sophia Alves do Espírito Santo, próspera e progressista. Data: 1917.
Está lá, o número do telefone: 23. Pensei: para que? Quantos telefones devia
haver em Boa Esperança, naquele ano? Dois? Três? E mesmo se houvesse, as
pessoas não faziam compras por telefone. O tempo era muito comprido, e as
pessoas queriam mesmo era ir ao lugar, para matar o tempo que não passava e
prosear. Negócios com a capital? Impossível. Não se faziam negócios por
telefone. Mesmo porque não se conseguia ouvir o que se dizia. Minha avó tinha
telefone não por razões práticas mas, como sugeriram Veblen e Freud, por razões
simbólicas. Para esnobar riqueza. Quem tinha telefone era rico.
Telefonema era coisa
grave. As casas não tinham telefone. Havia um "posto telefônico". A
chamada chegava no posto, que enviava um mensageiro à casa da pessoa chamada.
Chegava o mensageiro, todo mundo estremecia. Tinha de ser coisa muito grave.
Quem será que morreu? - se perguntava. Acho que é essa gravidade ancestral de
uma chamada telefônica que explica o fato de que quando o telefone toca todo
mundo corre. Interrompe-se tudo. Não conheço ninguém que, tocando o telefone,
deixe o telefone tocar. Preciso resolver um assunto num escritório. Paro minhas
coisas para ir lá. No balcão, ou numa mesa, converso com o funcionário. No meio
da conversa, toca o telefone. Quem telefonou não foi lá, como eu, ficou em
casa, não quis perder tempo. Pois quem estava me atendendo, sistematicamente,
interrompe nossa conversa, me deixa esperando, e fica atendendo aquele que não
foi. Por que? Porque se pressupõe que o telefonema é sempre mais importante.
Telefonema é coisa grave.
Nos aeroportos fico
contemplando o espetáculo, todo mundo falando no celular. Penso: Quantas coisas
importantes estão acontecendo, inadiáveis! Ah! Como se sentem felizes as
pessoas quando seu telefone celular toca. O toque de um celular anuncia para
todos o quão importante ela é. Eu, com frequência, faço palestras. E já é norma
esperada que, no meio da minha fala, um telefone celular toque. A princípio eu
ficava indignado mas não dizia nada. Mudei de idéia quando, certa vez, o
telefone de um cavalheiro que se assentava na primeira fila tocou e ele, ao
invés de desligar o telefone, conversou tranquilamente com a pessoa do outro
lado da linha (??). E ali fiquei eu perplexo, com cara de bobo, falando,
enquanto o tal cavalheiro, do centro de sua bolha narcísica, anunciava para as
600 pessoas o quão importante ele era. A pessoa que faz isso tem uma visão
grandiosa e poderosa de si mesma. Ela se imagina encontrar no centro de coisas
gravíssimas que exigem sua ação imediata. Caso contrário, se ela não atender o
telefone e não agir, é possível que o mundo caia em pedaços. De alguma forma, é
como se fôssemos um dos super-heróis, Batman ou Super-homem, de cuja ação
imediata depende a normalidade do mundo. Agora quando o celular toca eu faço
gozação. Faço interpretação psicanalítica. O telefone celular que toca é um
falus que se exibe.
Quando eu era menino
a diversão da gente era ir à matinée aos domingos, para o faroeste. O mocinho,
com aqueles revolvões pendurados na cintura! Que inveja! Bem que eu gostaria de
ter cinturão de mocinho com revólver no coldre. Assim, quando eu fosse andando
pela rua todo mundo me olharia com medo e respeito. É essa fantasia infantil
que me vem à cabeça quando vejo os homens andando por aí, com seus telefones
celulares pendurados no coldre que está preso ao cinto. É menino realizando o
sonho. Nos restaurantes cada um põe a sua arma sobre a mesa. É preciso estar
atento. É preciso estar pronto. Jamais deixar o celular no carro! A qualquer
momento pode surgir uma emergência. É preciso agir com rapidez.
Acho um telefone
celular uma coisa útil. É possível que, no futuro, eu compre um dos pequenos (
pequeno mas potente!), que eu possa carregar na pochete. No coldre, jamais!
Morreria de vergonha! Mas fico assombrado com a forma como as pessoas abrem mão
da sua privacidade. Talvez porque a sua privacidade seja vazia, não tenha nada
lá dentro. Sendo vazia, elas se sentem diluir no nada. Penso, assim, que o
telefone celular é um artifício que se usa para lidar com a solidão. Que
horror, quando o celular não toca! Ninguém está se lembrando de mim! Ninguém
precisa de mim! Vou sugerir aos fabricantes de celulares que os aparelhos
tenham um marcador de chamadas. Assim, ao final do mês, as pessoas poderão
avaliar o quão importantes elas são. "Ah! Como sou importante! Fui chamado
280 vezes!" Assim ficarão felizes. Os celulares podem ser, assim,
aparelhos para se medir, quantitativamente o grau de importância de alguém. O
que importa não é a mensagem, aquilo que é comunicado. É o meio - o fato de o
celular estar sendo usado. Como dizia Marshal MacLuhan: " O meio é a
mensagem". Essa é a razão por que as pessoas aumentam o seu prazer falando
no celular de forma a serem vistas e ouvidas. É preciso que todos saibam! Nos
aeroportos elas falam andando (para aumentar o público) e falando alto para que
os que não estão vendo ouçam. É divertido.
Tenho saudades do
tempo, lá em Minas, do barbante pelo buraco na porta. Os visitantes eram sempre
amigos e poucos. Hoje é perigoso deixar o barbante de fora. A gente termina por
perder a casa. Tenho medo do e-mail. Tenho medo do celular.
Em 2007 quando eu estava dando as minhas aulas de ciências com a química pura cheguei a tomar alguns celulares das minhas e meus ex-alunos(as).Todos ficaram brabos e zangados.A direção do Colégio Municipal Jandira Pedrosa tentava tomar os celulares em sala de aula.Até o governador Eduardo Campos aprovou um projeto de lei para tirar os celulares das salas de aula.Tudo em vão.
ResponderExcluirEu não sabia que existia um dispositivo chamado no próprio celular de SILENCIOSO. Esta semana ao entrar numa sala de aula cheguei a comentar com os alunos que é muito fácil que todos os alunos ponham seus celulares no silencioso e assim todos possam assistir suas aulas sem perturbar a vida dos professores e sem haver brigas e caras feias.