Por que o Bispo precisa
transferir padres? Esta pergunta, olhando as reações a essa prática comum na
Igreja, poucos se fazem ou buscam respostas. Normalmente ficam em posturas mais
afetivas ou possessivas: “nosso padre”, “ele estava bem aqui”, “ele não pode
sair”, “o senhor não pode tirá-lo de nós”… Apesar de haver também os que querem
ver longe o padre que têm e apresentam até listas de “queremos estes”. Este
tempo é sempre de fadiga e de caras feias. Mas de aprendizado e de graça!
Vamos jogar alguma luz sobre
isso! O Bispo não transfere porque tem prazer em fazer isso, porque
simplesmente “faz parte” ou porque quer exercitar sua capacidade de reorganizar
a diocese a cada ano. Antes de reclamar ou reagir, pense nestas dez palavras:
1) A transferência não é um
ato arbitrário e autoritário que recai e pesa sobre a pessoa do bispo. As
decisões e transferências são pensadas e construídas num conselho de padres,
demandam longas conversas e, às vezes, várias reuniões. Não estamos brincando
com pessoas. Os padres são colaboradores indispensáveis e preciosos do bispo,
que não tem de cuidar desta ou daquela paróquia, mas de todas, ao mesmo tempo.
Todas as transferências foram conversadas, construídas com cada padre. Ninguém
foi transferido “a ferro e fogo”, acorrentado e arrastado. Até isso, é bom não
esquecermos, pois Jesus o previu a Pedro (Jo 21,15-19). Acerca dos
transferidos, houve uma ou mais propostas, uma justificativa, um convite, uma
decisão tomada a dois ou a três. Sei o quanto é difícil transmiti-la ao povo,
mas ela não foi impositiva e vertical.
2) Normalmente, e isso é
humano e bom, criam-se amizades fortes e importantes com o padre durante o
tempo, curto ou longo, de permanência, mas não se pode esquecer que o padre não
é “seu” ou “nosso”, mas é da Igreja, da Diocese e colaborador do bispo. Isso
não é arbitrário, é da natureza da nossa vocação sacerdotal e episcopal.
3) O Direito Canônico fala de
uma estabilidade ao pároco (seis anos e mais seis), mas isso não significa que
não possa sair antes disso, se há acordo entre o bispo e este padre para outro
lugar de missão. Os administradores paroquiais não gozam desta estabilidade
canônica. Por isso, a prática entre nós tem sido fazer os padres, por um ano,
administradores paroquiais e, se houve bom ajuste e empatia, faze-los párocos
ao final deste período.
4) Neste período, podem
aparecer outras necessidades, podem aparecer situações que obriguem a repensar
a presença dele ali, podem existir desarranjos e incompatibilidades, e isso
obriga a repensar a colocação. Isso não precisa ser trazido à baila. São
situações e motivos que ficam guardados no coração do Bispo, até que Deus o
faça esquecer. Não precisamos expor as pessoas. Nem apresentar motivos para
explicar o que não deu certo. Não é necessário dar os motivos. Basta tê-los.
Isso capacita a consciência para agir. Ninguém tem botão de “ajuste
automático”. Os ajustes se fazem a modo humano, com riscos, acertos e erros.
5) A justificativa de o padre
ser bom e querido, ter pouco tempo ali, ter feito bons trabalhos, tudo isso é
louvável, mas os critérios são mais abrangentes. A vida paroquial é um leque de
responsabilidades, competências e interlocuções. Ninguém é bom em tudo (ou
poucos são bons em tudo!). Daí a necessidade de se avaliar a permanência ou não
por critérios que ultrapassam o afetivo e o prático. A vida paroquial,
sobretudo para os que estão sozinhos numa paróquia, exige múltipla atenção e
variada atuação por parte do padre. Aprender isso é um caminho. Nem sempre
feito no lugar onde o padre se encontra no momento.
6) É mais fácil apresentar o
pedido de transferência quando a permanência já se esticou e até ultrapassou
tempos legais. A mudança fará bem a todos, ao padre e à comunidade. Isso obriga
a repensar relações, modos de servir e processos novos. Ninguém goza de
estabilidade indefinida, nem os bispos! Prazos ajudam a gente a rever muitas
posturas, manias e relações.
7) Os padres que são vigários
paroquiais, se têm e mostram vontade e capacidade, podem e devem assumir
tarefas e lugares mais exigentes. Não se pode deixa-los sempre nesta condição,
se estão aptos para “outras águas”.
Há também a postura fechada
que assegura que a paróquia “nunca será a mesma” se o padre sair. Nem a
paróquia nem ninguém é o mesmo nunca. Cada dia, cada pessoa, cada situação põem
acréscimos novos (bons ou maus). Como posso saber que o outro que vem é, por
antecipação, incapaz de continuar e fazer avançar um processo iniciado? Não é
precipitação e preconceito? Vidas e relações experimentamos não a partir de
fora, mas a partir de dentro.
9) Se um determinado
sacerdote é dotado de muitas qualidades e competências a ponto de trazer
grandes alegrias e avanços a uma comunidade, ele não pode ser possuído por esta
comunidade como um “bem inalienável”. Outros lugares precisam dele e dos seus
dons. Ele pode ser o pastor que a comunidade vizinha precisa em vista de suas
demandas pastorais, espirituais, administrativas, humanas…
10) A última coisa, mesmo
tendo ainda outras considerações, é que nós, padres diocesanos, não estamos
desobrigados da dimensão missionária da nossa vocação sacerdotal. Por mais que
eu tenha meus gostos e meu perfil, não posso me limitar ao universo de duas ou três
paróquias que “teriam meu estilo”. A missão se vive em tempos e modos
diferentes. Numa paróquia com a qual eu me identifico menos, talvez não fique
tanto tempo como numa outra mais conforme meu perfil, mas isso não me dispensa
de pequenas experiências. Elas têm uma força de testemunho diante do povo de
Deus, dos demais irmãos padres e dos seminaristas.
Quando chegar a minha vez de
ir, mesmo querendo ficar entre os meus, vou pensar eu também nestas palavras!
Abraço a todos! Tomara que isso circule, como circulam comentários de crítica e
inaceitação.
*Foto e texto: Facebook do
Padre Emerson
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