PREFEITURA MUNICIPAL DE GARANHUNS

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GOVERNO MUNICIPAL

DOM HÉLDER E O ASSASSINATO DE PADRE HENRIQUE



A notícia caiu no Recife como uma bomba! Na madrugada do dia 27 de maio de 1969 o padre Antônio Henrique Pereira Neto, jovem sacerdote de apenas 28 anos, assessor da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Olinda e Recife, foi encontrado morto num terreno da Cidade Universitária. Seu corpo, amarrado com grossas cordas, apresentava três ferimentos de bala, uma facada no pescoço, vários hematomas e escoriações. Um trucidamento!

Na noite anterior, estudantes testemunharam o padre Henrique embarcar num veículo, uma Rural vermelha e branca possivelmente do Dops, no bairro de Parnamirim. Um pouco antes, participou de um encontro de pais e jovens, na tentativa de aproximar gerações, numa residência próxima ao local de seu desaparecimento. O tempo era de terror. A casa de Dom Hélder Câmara fora pichada com dizeres ofensivos ao arcebispo, o Juvenato Dom Vital, onde funcionava a Cúria Metropolitana, fora metralhado.  Telefonemas anônimos ameaçavam padres e até o arcebispo. A primeira vítima, o estudante Cândido Pinto, presidente da União dos Estudantes de Pernambuco, sofrera um atentado a bala, que o deixou com a medula seccionada.

O desaparecimento do padre causou apreensão. Dom Hélder e Dom Lamartine começaram a procurar em hospitais, quartéis, IML. No final da tarde o corpo de padre Henrique foi reconhecido. Uma dor profunda para a Igreja de Olinda e Recife. Somente às 20 horas, com a ajuda do abade do Mosteiro de São Bento, Dom Basílio Penido, o corpo foi liberado e conduzido para a matriz do Espinheiro, onde houve uma concelebração com a presença de 40 sacerdotes.

O governo militar fez tudo para esconder a morte do padre. A imprensa recebeu ordens para não divulgar o fato. Nem mesmo o anúncio fúnebre pago pela Arquidiocese pôde ser publicado nos jornais do Recife. Silêncio total. Nenhuma nota. Nada! Mas a barreira do silêncio foi quebrada clandestinamente. Telefonemas, toques de sino, avisos pessoais. A história se espalhou rapidamente pela cidade e a notícia correu de boca em boca.

Sem que as emissoras de rádio, jornais e televisão publicassem qualquer informação, além da presença ostensiva de policiais na rua próximas à Igreja do Espinheiro, uma verdadeira multidão tomou conta de todos os espaços e, a cada ofício religioso, pessoas se revezavam junto ao corpo. o templo estava literalmente cheio, principalmente de jovens. A truculência da ditadura promoveu um efeito inverso. 

No dia seguinte, cerca de 20 mil pessoas acompanharam o enterro, a maioria jovens estudantes, numa monumental manifestação contra o clima de terror. A multidão venceu a pé, sem medo do forte e bem armado aparato policial a cada esquina, os seis quilômetros de distância que separam a Igreja do Espinheiro do Cemitério da Várzea, onde ocorreu o sepultamento.

As autoridades ficaram preocupadas com tamanha repercussão do assassinato do padre Henrique e tentaram de tudo para impedir a manifestação. Um delegado procurou os responsáveis pela Arquidiocese, ainda na saída da Igreja do Espinheiro, para dizer que o enterro não poderia sair, caso não fossem entregues as faixas de protesto que os estudantes mandaram confeccionar. Dom Lamartine recursou a intimidação energicamente.

- A polícia não é capaz de controlar os facínoras que cometem absurdos de clamar ao céu e quer que controlemos os estudantes na via pública.

A caminho do cemitério o cortejo foi barrado por soldados armados. Dom Hélder, Dom Lamartine e Dom Basílio Penido se puseram à frente do caixão, passando pelo meio da multidão, e foram ao encontro da tropa armada de cassetetes, protagonizando um ato de extrema coragem física. O comando da tropa exigia a entrega das faixas de protesto. Um breve diálogo entre o arcebispo e as lideranças estudantis fez com que as faixas fossem entregues. O canto do Hino Nacional impediu uma pancadaria geral. A cada passo pessoas eram presas. A marcha continuava sob o sol escaldante do Recife. A polícia acompanhando tudo! O clima tenso a todo momento.

Na porta do cemitério, onde esperava a chegada do cortejo, a senhora Maria de Lourdes Cavalcanti Batista, já cansada da caminhada, procurou apoio ao lado do carro da polícia. Ouviu, então, as orientações do comando da operação transmitidas pelo rádio. As ordens eram bastante claras. Não iriam permitir a entrada no cemitério nem discursos e, caso houvesse qualquer resistência, a determinação era "baixar o pau". Preocupada, verificou que dentro do cemitério já se encontravam centenas de policiais fortemente armados, escondidos atrás dos túmulos. Prontos para agir a qualquer momento.

Imediatamente enviou uma sobrinha ao encontro do arcebispo com a informação das ameaças militares. Consciente da situação que encontraria ao chegar ao cemitério, Dom Hélder agiu com serenidade e calma, apesar da enorme dor que estava sentindo. Sua estratégia foi apelar aos estudantes para que retornassem:

- Vamos deixar, agora, apenas a família entrar no cemitério!.

Em seguida, temendo qualquer provocação da polícia, conclamou novamente: 

- Meus irmãos, tudo que nós podíamos fazer aqui na terra pelo padre Henrique já fizemos. Nossa maior homenagem ao padre Henrique, agora, será um grande silêncio. Vamos sair daqui sem nem uma palavra. Vamos fazer um silêncio profundo.

A multidão se dispersou em silêncio, quebrado apenas pela oração da Ave Maria e do Padre Nosso. Conforme o pedido do arcebispo, não aconteceu qualquer ato de possível hostilidade. Apenas um profundo silêncio e o corpo do padre Henrique entregue aos familiares na porta do cemitério. Dom Hélder recordaria, anos depois, que nunca havia ouvido um silêncio tão impressionante:

- Era um silêncio que gritava! - disse.

Naquele dia um canto ficou gravado na memória de todos que participaram das celebrações e do cortejo até o cemitério da Várzea. O hino da Campanha da Fraternidade daquele ano dizia: "Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão". Virou um símbolo, uma lembrança daquele trágico dia para a Arquidiocese de Olinda e Recife.

*Esse texto foi escrito pelo jornalista Félix Filho, ligado à Igreja Católica e que acompanhou de perto a trajetória  de Dom Hélder. Faz parte do livro "Além das Ideias", publicado pela Cepe. É incrível que existam pessoas querendo que o Brasil volte a ser assim, como na época do regime militar.

**Foto: Site da UNICAP. 

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