Por Michel Zaidan Filho*
No exato momento em que o
Senado Federal cria uma comissão parlamentar de inquérito para apurar a
ocorrência das ” fake news” durante o processo eleitoral passado e sua
persistência nas redes sociais, CPI que tem como relator e secretária
parlamentares independentes do bolsonarismo e no filho-senador do primeiro
mandatário da nação um dos principais envolvidos, a editora Companhia das
Letras publica uma estimulante biografia intelectual dos principais membros da
chamada “Escola de Frankfurt”(O Grande Hotel Abismo). Os leitores hão de
perguntar o que tem a ver a publicação desse estimulante livro com um assunto
tão pedestre como a apuração do crime de “fakenews” pelas redes sociais.
Aparentemente, nada. Mas, ao contrário, tem tudo a ver.
A obra discute de uma maneira
ampla a contribuição do filósofo Jürger Habermas à teoria crítica, chamando a
atenção para a correção democrática e cívica que o pensamento deste teórico
terminou por fazer na visão pessimista e sem perspectiva de seus predecessores
e mentores intelectuais. Entre as inúmeras contribuições à teoria crítica, já
na terceira geração, avulta uma da maior importância para o ideário
democrático: o conceito normativo e republicano de “esfera pública”. Diria um
autor contemporâneo, a formação da vontade política” dos cidadãos e cidadãs é a
moralidade do regime democrático. Não há democracia, digna desse nome, sem
esfera pública.
Esse tema tinha sido o objeto
de estudo da tese de doutorado de
J.Habermas: “Mudança estrutural da esfera pública”. Nele, o filósofo tinha
estudado a origem da moderna esfera pública nos cafés, saloons, encontros da
sociedade francesa no século XVIII e constatado seu declínio com o surgimento
da indústria cultural, dos grandes jornais, da propaganda etc. Mas o conceito
ganhou cidadania na Ciência Política como a essência normativa (e moral) do
regime democrático, escorado no processo de formação discursiva da opinião
pública esclarecida e informada, na linha da argumentação kantiana do “uso
público” da razão. Processo este responsável pela autonomia, a liberdade e o
espírito crítico das pessoas, numa sociedade que marchava para sair do
absolutismo e o monopólio da verdade por uma minoria. Depois, o conceito de
esfera pública veio se corporificar nas chamadas “democracias deliberativas”,
com seus fóruns onde o livre debate de ideias ajudaria a criar agendas
públicas, apoiadas em consensos racionais.
Mas o que interessa aqui é
discutir as virtualidades cívicas e democráticas que a rede mundial dos
computadores (a internet) poderia ter criado para a existência de uma
verdadeira “esfera pública mundial”. Este é o ponto. Houve inicialmente muito
entusiasmo e esperança que esta rede pudesse ajudar ao surgimento dessa
comunidade internacional de cibercidadãos, animados de boa-fé, a produzirem
consensos racionais em torno de causas humanitárias, republicanas e democráticas.
Naturalmente, o exemplo era a
União europeia. Infelizmente, depois das consequências do Tratado de Maastrich,
a unificação macroeconômica dos países europeus, a crise econômica e o
fundamentalismo casado com a xenofobia, produziu-se o que Boaventura Santos
intitulou de “fascismo social”: toda a causa da imensa crise social foi jogada
nas costas dos imigrantes, dos pobres, dos muçulmanos etc. Ao invés do
cumprimento das promessas desse novo iluminismo (agora chamado de “razão
comunicativa”), tivemos o inferno de governos de extrema-direita ou socialistas
rendidos à agenda de “guerra ao terror”.
Nesse contexto, a
mundialização das redes sociais não podiam promover uma comunicação racional,
desprovida de imperativos de poder ou interesses. A ampliação das redes de comunicação
deu lugar à disseminação da xenofobia, do fundamentalismo, do preconceito
racial, de gênero ou orientação sexual. As redes foram usadas, não para formar
uma comunidade humanas de interlocutores de boa vontade, mas de fascistas,
neofascistas, pedofilos, intolerantes e fanáticos, que passaram a fazer uma
catequese pelo avesso. Instaurou-se uma rede demoníaca de leitores (chamada de
“imbecis”, por Umberto Eco) prontos a apoiar ditadores, messias, salvadores da
pátria, aventureiros, que prometia segurança, paz e prosperidade para essa
extensa massa de “idiotas úteis”.
Essa morte da esfera pública
chegou ao Brasil e produziu os seus malefícios antidemocráticos e
antirrepublicanos na eleição presidencial passada. Escritórios, estipendiados
por empresas interessadas na eleição de um dos candidatos, foram montados por
milícias virtuais para inundarem as redes sociais de “fakenews”, com as piores
calúnias, injúrias e difamações – que aliás, permanecem impunes- com uma
influência direta na formação da vontade política dos eleitores. Imagine-se o
oposto do conceito normativo de “esfera pública”, com o objetivo de suscitar o
aparecimento de uma mentalidade fascista ou pró-fascista, ajudado pelas igrejas
neopentecostais, inspiradas numa teologia da prosperidade.
Por tudo isso, afirmou o
nosso filósofo que não era possível ver nesse fenômeno uma espécie de
neo-iluminismo, até pela fragmentação das audiências; mas ao contrário, o
caldeirão perfeito para a produção da intolerância, do racismo, da teocracia e
da xenofobia.
Vamos dar boas-vindas a esta
iniciativa do Senado Federal brasileiro e esperar que ela apure cabalmente as
responsabilidades daqueles que difamaram, caluniaram e injuriaram os
adversários, utilizando-se das redes sociais. A se continuar a impunidade pelos
crimes de opinião na internet, jamais teremos – não digo, uma comunidade
racional de pessoas – um regime democrático e republicano entre nós.
*O garanhuense Michel Zaidan Filho é professor da Universidade Federal de Pernambuco e escreve artigos para este blog e o site Brasil 247.
*Ilustração: São Paulo Digital
0s dois personagens que foram bombardeados nas redes sociais nestas eleições de 2018 foram o deputado federal Jeam Willwys e a deputada federal Manuela D!avila.Ambos foram acusados de terem tramado o atentado contra o presidente da República.Sobre Jeam pesaram as fakes news de que teria mandado o Adélio Bispo de Oliveira praticar o ato insano e covarde e a Manuela de ter dado 18 telefonemas para o Adélio no dia 06 de setembro de 2018.Tudo mentira e sem provas.Mas os estragos foram feitos na vida dos dois e dos partidos PSOL E PCBDO com o PT do Fernando Haddad.
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