Por Altamir Pinheiro
Pesquisando o que
escreveu o historiador de filmes épicos, Paulo Telles, chegamos ao ano de
1964, e no deparamos com o diretor italiano Paolo Pasolini, MARXISTA e
ATEU, quando lança O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS, a versão mais polêmica (ao
lado de A Última Tentação de Cristo, de 1988, de Martin Scorsese) da vida de
Cristo. Sem a aura de santidade expressa em Rei dos Reis (1961) de Nicholas
Ray, A Maior História de Todos os Tempos (1965) de George Stevens, e Jesus de
Nazaré (1977) de Franco Zeffirelli. Neste filme o CRISTO é um Messias
bárbaro, um agitador das massas que usa seus sermões em defesa dos oprimidos,
com o intuito de transformar um mundo socialmente injusto.
O leitor poderá
perguntar por que um ATEU se interessar em filmar a vida de Jesus Cristo.
Muito simples: a figura de Cristo exercia nele uma fascinação não religiosa,
mas poética e política. E em Cristo ele admirava sua poesia, força, e carisma.
Apenas não aceitava Jesus conforme a Igreja Católica e a teologia, mas
acreditava que a mensagem de Jesus conforme o Evangelho de Mateus era
revolucionária, ao passo que, para o cineasta italiano, Cristo era uma
personalidade corajosa, rebelde, e revolucionária tal qual sua mensagem. Era o
Cristo que ia salvar o povo não das penas do inferno, mas da própria ignorância
do ser humano.
A película épica que tem a duração de mais de duas
horas segue de maneira fiel os textos de Mateus sobre todas as etapas da
vida de Cristo, de seu nascimento à ressurreição. O Cristo pasoliniano(
referência feita ao cineasta e escritor italiano Pier Paolo Pasolini), no
entanto, é revolucionário, mais HUMANO que DIVINO, com muitos traços de doçura
e que reage com raiva à hipocrisia e à falsidade dos homens. A obra prima de
Pasolini, consegue, com recursos limitados realizar um filme belo, cativante e
intenso. Uma forma poética em alguns aspectos de se contar a história de
Cristo, já conhecida por muitos. É um filme simples, belo e poético e político
também!!!
A Igreja e os fiéis
censuraram o diretor italiano Pasolini pela falta de doçura do
intérprete de Jesus, no entanto era um Cristo destinado a ser um nativo rebelde
à prepotência colonialista profeta apocalíptico da riqueza ilícita, de açoite
em punho fazendo a reforma agrária para perplexidade e horror dos falsos
pregadores e beatos apegados à propriedade privada. Pasolini põe as melhores
parábolas e ensinamentos na boca de seu intérprete principal, ora doce, ora
feroz, tudo emoldurado por uma fotografia linda e trilha sonora
espetacular, trilha esta que, além do erudita, traz até um emocionante blues de
raiz, para quem prestar bastante atenção.
O Evangelho Segundo São
Mateus traz uma figura que repassa seus ensinamentos, mas ao mesmo tempo
é reacionário, gritando por muitas vezes, humano, chorando em outros momentos,
assustador, sussurrando acontecimentos futuros. Todos já conhecem a história
bíblica e Pasolini é extremamente sagaz ao se aproveitar disso para contar uma
história sutil, sem muitos diálogos em seu início mas de uma profundidade
enternecedora. No filme, Jesus não é apenas um BARBUDINHO BONITINHO
DE OLHOS AZUIS, com cara de coitado e fala mansa. De fato, Cristo foi muito
mais do que isso. As Suas palavras eram afiadas como espadas, provocavam as
paixões humanas, e mudaram o mundo para sempre. E a fita capta essa essência,
sem sentimentalismo barato, sem enfeites ou rodeios.
É curioso que,
recentemente, há cerca de pouco mais de 10 anos, o Vaticano tenha elegido
o filme como o melhor sobre a vida de Jesus quando que na época do seu
lançamento não foi bem visto por eles. Como já disseram é realmente espantoso
que o melhor filme sobre Jesus (por muitas pessoas e até mesmo o Vaticano)
tenha sido feito justamente por Pasolini(UM ATEU CONVICTO!!!). Há quem
diga que o filme perde alguns pontos pelo elenco amador, pois é
justamente o contrário, vê-se que esse é o ponto mais bonito
do filme e que torna ele mais especial e comovente, é o povo representando o
povo, é ter um Jesus com algumas características diferente do que temos em
mente e acho que com elenco profissional não teria a mesma força.
Como não poderia deixar de ser, houve protestos
violentos contra o filme, e a EXTREMA DIREITA jogou ovos podres no Palácio do
Festival de Veneza durante seu lançamento, que, paradoxalmente, acabou ganhando
o prêmio do Escritório Católico Internacional de Cinema, e cuja obra foi
dedicada à memória de João XXIII, por Pasolini considerá-lo o papa mais próximo
das ideias progressistas do evangelista Mateus, que procurou mostrar Jesus
Cristo para os judeus como o Messias esperado, o Messias das profecias, enfim,
o Messias do povo.
Há quase um quarto de século,
mais precisamente no ano de 1995, quando o cinema completou 100 anos de
existência, esta obra de Pasolini foi inclusa entre os 100 melhores filmes de
acordo com o Vaticano, que elaborou uma intensa lista, na categoria de
Religião, ao lado de obras como A Vida e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo
(1905) de Ferdinand Zecca, Nazarín que é um filme de drama mexicano de 1959 de Luis Buñuel, e
Ben-Hur (1959) de William Wyler.
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