PEÇA TEATRAL EM TRÊS ATOS - Por Homero Fonseca*
PERSONAGENS:
ELE (BÔ) — Presidente do
Clube Brasil.
ELA (MINIE) — Primeira
Dama do Clube Brasil.
CENA 1
Cenário — Quarto
de casal. Dia 31 de dezembro de 2018.
ELE — Minie, não
acredito. Amanhã vou botar no peito a faixa verde e amarela!
ELA — Calma, Bô. Para de
andar de lá pra cá e vem dormir. Chegue.
ELE — Minie, deixa eu
curtir. Amanhã é o dia mais importante da minha vida! Imagina, EU, PRESIDENTE
do Clube Brasil! EU PRESIDENTE!!!
(ELE FAZ UMA ESPÉCIE
DE DANÇA INDÍGENA AO REDOR DA CAMA. AS LUZES SE APAGAM.)
SOLILÓQUIO
Cenário — Amplo
gabinete. Bandeira Nacional ao fundo.
(ELE ESTÁ SOZINHO,
PEGA O CELULAR, VAI DIGITAR ALGO, DESISTE. VAI ATÉ UM GRANDE ESPELHO NO CANTO
DA SALA).
— Ainda não acredito que
sou eu. Não caiu a ficha. No começo, pensei que era um sonho. Mas já faz um
mês… E todo mundo me chama: Sr. Presidente, Sr. Presidente. Até a imprensa que
nunca me engoliu bota meu nome nas manchetes e o cargo: PRESIDENTE. Já me
belisquei não sei quantas vezes… e não acordo. Mas não é sonho. Sou o
presidente do Clube Brasil. O homem mais importante do cabaré. Posso fazer o
que quiser. Já tenho uma conversa agendada com o esTRUMPício americano,
imagina! Eu falando de igual pra igual com o homem mais poderoso do mundo!
Capitão, você chegou lá. … Vou combinar com ele: vamos invadir
imediatamente a Venezuela, acabar o perigo vermelho na fronteira do nosso
clube. Abaixo o comunismo! Deus acima de tudo! Também agendei uma conversa com
o Natanael, lá em Israel. Vou mudar no ato a embaixada para Jerusalém. Botar
pra foder! Vou aprovar num piscar do olho a tal Reforma que ou a gente faz ou o
Paulo tem um chilique! Eu mesmo não estou muito convencido dessas necessidades
todas desta tal Reforma, mas todo mundo diz que tem que aprovar, para garantir
o futuro do Clube. Então, vamos que vamos. E não vou ficar de conversinha com o
pessoal do Congresso, aquela coisa de velha política. Com apoio da turma do
Zap, aprovo na hora!… Dizem que o troço é tão importante que eu já fico pra
posteridade só com essa treta da Reforma. Depois é pernas pro ar, sombra e água
fresca, dando ordem a paisano, general, embaixador, o escambau… Ô vidão! Deus
acima de tudo!
CENA 2
Cenário — Sala de estar.
(ELA FALA AO TELEFONE)
— Pois é, miga. No
começo, o homem estava vibrando. No dia da posse, quando inventei aquele
negócio de libras, ele enlouqueceu. De noite, parecia o namorado dos primeiros
tempos. Dizem que o poder é afro.. afrodescen…, não… afrodionísio, não…
afrodisíaco, isso! E é mesmo. Mas depois veio aquela besteira dos assessores do
Nº 1, do depositozinho na minha conta… Coisas imprensa vendida, dizia ele. O
negócio omeçou a degringolar depois que a invasão da Venezuela deu pra trás…
Foi a primeira decepção dele. Ele chegou furioso com o esTRUMPício. “Aquele
gringo do cabelo de prancha não tá com nada!” Depois, somente porque os meninos
tomaram gosto na brincadeira e, lógico, como filhos do presidente do Clube
passaram a dar pitaco sobre tudo pelas redes, teve um bando de gente
reclamando. Ele não entendia. Me disse certa noite em que estava assim mais
borocochô: “Veja, Minie. Eu sou o presidente, eu posso tudo. Mas não querem que
meus filhos brinquem nas redes sociais, porra!” Desculpa, miga, foi isso mesmo
que ele falou. Depois veio o caso da embaixada em Jerusalém. A imprensa caiu em
cima dizendo que os árabes não iam gostar: “Que se explodam!” — ele falou. Ou
foi o Nº 1? Ou o Nº 2? Ou o Nº 3? Olha, até eu tô confundindo as coisas. Mas aí
quando a turma do agronegócio, A TURMA DELE, começou a criticar, dizendo que
iam perder milhões, bilhões, sei lá, com a história da carne dos árabes, ele
ficou espantado e zangado: “Como é que ninguém me avisou disso?” E disse mais
de trinta palavrões, não repito porque sou educada e evangélica. Além disso, o
vice dele, o tal Generalzão, vive desmentindo ele o tempo todo, desmanchando de
noite tudo que ele faz de dia. “O miserável até parece um comunista, desdizendo
tudo que digo e falando macio. Essa vaca fardada quer reza” — ouvi ele
desabafando com nosso motorista, o Queirozene. E ele, tão simples, anda todo
arredio, olhando pros lados, desconfiado, imaginando conspirações. Acredita que
além do revólver que ele dorme abraçado toda noite, agora deu pra olhar debaixo
da cama pra ver se o Generalzão tá lá… ou outro inimigo, sei lá. E o homem pirou
de vez quando viu que a tal Reforma não ia ser aprovada sozinha, ele tinha que
conversar com aquele monte de parlamentar, prometer cargo, dar dinheiro… tudo
que ele vivia dizendo que não fazia… Até esporro público, desculpa, daquele
rapazinho presidente do Conselho Deliberativo do Clube ele tomou. Você viu,
miga, na televisão: o carinha mandando ele parar de brincar de governar e não
sei mais o quê. De lá pra cá, não reconheço meu marido: nervoso, agitado,
trêmulo. Igual quando perde num game para um dos meninos. Sei não…
CENA 4
Cenário:
sala de vidro ao lado do gabinete.
(ELE ESTÁ NUM PEQUENA
REUNIÃO INTERNA. A TELEVISÃO CONSEGUE CAPTAR A FALA DELE E TRANSMITE PARA TODO
O PAÍS.)
ELE — Ham… Pessoal, vou
confessar uma coisa. Eu não nasci para ser presidente, nasci para ser militar,
talquei? Eu me pergunto, olho pra Deus e pergunto: Meu Deus, o que eu fiz para
merecer isso? É só problema. Desculpem as caneladas, não nasci para ser
presidente, nasci para ser militar, mas no momento estou nessa condição de presidente,
talquei? E, junto com vocês, nós podemos mudar o destino do Brasil. Sozinho não
vou chegar a lugar nenhum, talquei? Deus acima de tudo! Confesso que nunca
esperava chegar na situação que me encontro. Primeiro porque sobrevivi a um
atentado, um milagre. Depois, o outro milagre foi a eleição. A gente tava
contra tudo, né? Imprensa, fakenews, tempo de televisão, recurso de
campanha… Respeito quem não tenha religião, mas eu tinha do nosso lado Deus.
Desculpem as caneladas: agora parece que nem Ele, nem os caminhoneiros estão
mais comigo. Me disseram que eu podia tudo. E agora eu não posso nada? Cacete!
Parece aquele ditado: ser ou não ser? Ou melhor: sou ou não sou? Sei não.
(FECHAM-SE AS
CORTINAS)
*Homero Fonseca é jornalista e escritor. Foi Secretário de Imprensa da Prefeitura do Recife, Editor da Revista Continente e já publicou uma dezena de livros, dentre eles o romance "Roliúde".
*Foto: Reuters/Portal R7
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