Por Junior Almeida
A
melhor definição de poeta que eu já vi foi a dita por Pinto do Monteiro, que diz que “poeta é aquele que tira de onde não tem e bota onde não cabe”.
Existem alguns gêneros de poesia, mas em minha particular opinião, nada que se
compare aos trovadores nordestinos.
Tanto é assim que um dos maiores poetas
brasileiros, que não era violeiro nem poeta popular, Manuel Bandeira, depois de ser jurado em um congresso de violeiros
em 1967, no Teatro Nacional, no Rio de Janeiro, onde viu as disputas dos versos
feitos de improviso, reconheceu a genialidade dos poetas nordestinos, e
escreveu um poema de nome “Violeiros do Nordeste”, onde ele, humildemente,
disse assim:
Anteontem, minha gente,
Fui
juiz numa função
De violeiros do Nordeste.
Cantando em competição,
Vi cantar Dimas Batista
E Otacílio, seu irmão.
Ouvi um tal de Ferreira,
Ouvi um tal de João.
Um, a quem faltava o
braço,
Tocava com uma só mão;
Mas, como ele mesmo disse
Cantando com perfeição,
Para cantar afinado,
Para cantar com paixão,
A força não está no braço:
Ela está no coração.
Ou puxando uma sextilha
Ou uma oitava em quadrão,
Quer a rima fosse em inha,
Quer a rima fosse em ão,
Caíam rimas do céu,
Saltavam rimas do chão!
Tudo muito bem medido
No galope do sertão.
A Eneida estava boba;
O Cavalcanti, bobão,
O Lúcio, o Renato Almeida;
Enfim, toda a Comissão.
Saí dali convencido
Que não sou poeta não;
Que poeta é quem inventa
Em boa improvisação,
Como faz Dimas Batista
E Otacílio, seu irmão;
Como faz qualquer violeiro
Bom cantador do sertão,
A todos os quais, humilde,
Mando a minha saudação.
Manuel
Bandeira era recifense, e talvez por isso não falou das belezas o Sertão como o
poeta Rogaciano Leite, esse nascido
no dia 1º de julho de 1920 no Sítio Cacimba Nova, município de Itapetim, Pernambuco,
região de grandes poetas populares. Filho dos agricultores Manoel Francisco
Bezerra e Maria Rita Siqueira Leite, Rogaciano Bezerra Leite cedo despertou
para a poesia, e já aos quinze anos participou do seu primeiro desafio,
“contra” o experiente poeta Amaro Bernardino, na cidade de Patos na Paraíba.
No
início da década de quarenta, existia na então vila de Capoeiras, município de
São Bento do Una, uma pequena pensão, que ficava entre onde atualmente funciona
a loja “Celso Colchões”, e a alfaiataria de Zé Alfaiate, esse que viria ser o
primeiro prefeito de Caetés, quando essa foi elevada à cidade. Os donos da
pensão eram o casal Inácia e José Cavalcante de Lacerda. Ela, uma mulher morena
clara, e ele um sujeito branco de olhos azuis, tipo incomum na região.
Fato
curioso é que Zé Cavalcante fazia remédios à base de ervas, e por isso as
pessoas o chamavam pelo pomposo nome de “doutor” José Cavalcante. Esse casal
foi embora de Capoeiras para a cidade de São Bento do Una no dia 7 de setembro
de 1943, levando toda sua mudança em cima de um carro de boi.
Antes
disso, porém, o hotel de Dona Inácia, como era conhecido, hospedou muita gente,
pois era a única opção de hospedagem do atrasado lugarejo. Dentre os vários
clientes estava o jovem poeta Rogaciano Leite, que fora se apresentar em
Capoeiras por volta de 1941 ou 1942, fazendo dupla com uma mulher bonita,
maquiada e que usava algumas joias, dentre elas um grande anel em forma de
relógio, de nome Terezinha.
Rogaciano
em Capoeiras ainda estava começando a fazer o seu nome. Ele faleceu em 1969,
deixando obras primas da cultura genuinamente nordestina. Hoje em dia poetas
como Maciel Melo, Flávio Leandro e Antônio Marinho, esse último com o DNA de
poeta por todos os lados, declamam a obra de Rogaciano Leite.
Uma
das obras mais bonitas do poeta, que exalta as belezas do sertão diz assim:
Senhores críticos, basta/,
Deixai-me passar sem pejo/
Que um trovador sertanejo/
Vem seu pinho dedilhar/
Eu sou da terra onde as
almas/
São todas de cantadores/
Sou do Pajeú das Flores/
Tenho razão de cantar/
Não sou um Manuel
Bandeira/
Drumond, nem Jorge de
Lima/
Não espereis obra prima/
Deste matuto plebeu/
Eles cantam suas praias/
Palácios de porcelana/
Eu canto a roça, a
choupana/
Canto o sertão, que ele é
meu.
Vocês que estão no
Palácio/
Venham ouvir meu pobre
pinho/
Não tem o cheiro do vinho/
Das uvas frescas do Lácio/
Mas tem a cor de Inácio/
Da serra da catingueira/
Um cantador de primeira/
Que nunca foi numa escola.
Pois meu verso é feito a
foice/
Do cassaco corta a cana/
Sendo de cima pra baixo/
Tanto corta como espana/
Sendo de baixo pra cima/
Voa do cabo e se dana.
O meu verso vem da lenha/
Da lasca do marmeleiro/
Que vem do centro da mata/
Trazida pelo lenheiro/
E quando chega na praça/
É trocada por dinheiro.
O meu verso tem o cheiro/
Da carne assada na brasa/
Quando a carne é muito
gorda/
Esquentando, a graxa vaza/
É a graxa apagando o fogo/
E o cheiro invadindo a
casa.
Aqui é a minha oficina/
Onde conserto e remendo/
Quando o ferro é grande eu
corto/
Quando é pequeno, eu
emendo/
Quando falta ferro, eu
compro/
Quando sobra ferro eu
vendo/
Meu verso é feito a
cigarra/
Num velho tronco a sonhar/
Que canta uma tarde
inteira/
E só para quando estourar/
Que eu troco tudo na vida/
Pelo prazer de cantar.
Quem foi que disse/
Professor de que matéria/
Que o sertão só tem
miséria/
Que só é fome e penar/
Que é a paisagem/
Da caveira duma vaca/
Enfiada numa estaca/
Fazendo a fome chorar.
Não pode nunca imaginar/
O som que brota/
Da cantiga de uma grota/
Quando chuva cai por lá/
O cheiro verde/
Da folha do marmeleiro/
E o amanhecer catingueiro/
No bico no sabiá.
Tem mulungu do vermelho/
Mas vivo e puro/
E tem o verde mais seguro/
Que tinge os pés de juá/
A barriguda mostrando/
O branco singelo/
E a força do amarelo/
Na casca do umbu-cajá.
Criou-se o estigma/
Do matuto pé de serra/
Que tudo que fala erra/
Porque não pôde estudar/
Só fala versos matutos,
obsoletos/
Feitos por analfabetos/
Que mal sabem se
expressar.
Falam no sul com deboche/
Que isso é cultura/
De só comer rapadura/
Como se fosse manjar/
Saibam que aqui/
Tem abelha de capoeira/
E o mel da flor
catingueira/
É mais doce que o mel de
lá.
Temos poesia que exalta/
O que é sentimento/
E a força do pensamento/
De quem sabe improvisar/
Tem verso livre/
Tem verso parnasiano/
E mesmo longe do oceano/
Tem galope à beira-mar.
Zefa Tereza me ensinou/
Que prum caboclo/
Entrar na roda de coco/
Tem que saber rebolar/
Soltar um verso na roda/
Que se balança/
E no movimento da dança
Fazer o coco rodar.
*Fotos: 1 - Rogaciano Leite; 2 - Manuel Bandeira; 3 - Pinto do Monteiro.
Eu acho muito engraçada a tentativa de parecer moderno e o descompasso entre os esquerdistas ultrapassados inconscientemente influenciados pela 2ª internacional socialista, que ainda flertavam com o conservadorismo e os regionalismos e as imposições pós modernas da 3ª internacional que defende a quebra de qualquer vestígio tradicionalista regional e a completa substituição por lixo cultural estrangeiro importado via ONU! Chega a ser cômico observar a dissonância cognitiva em processo nos pobres coitados que foram criados de forma tradicional e tem que ficar de joelhos tocando flauta para as putarias modernas no esforço miserável para não ser banido do movimento. Fico só rindo.
ResponderExcluirO exemplo mais patente e recente de um brucutu de joelhos em frente a outro, foi o Donald Trump acocorado diante de Kim Jong Un. Kim é ditador da Coreia do Norte... Pra variar o Trump foi babar o Kim Jong em Hanói, onde os EUA foram humilhados, mesmo após matar cerca de um milhão de vietnamitas, na década de 1960. Ainda assim, os EUA perderam a guerra! Agora, o tosco Trump voltou de Hanói com o sorriso mais amarelo do que o próprio cabelo do brucutu estadunidense! – Por que Trump não “pediu” pra ser recebido em Pyongyang?! – Talvez, porque em Pyongyang a humilhação fosse ainda maior!
ExcluirEu leio tudo que vejo em literatura de cordel... A Região do Pajeú é rica nessa história dos cordelistas: de São José do Egito a Monteiro (PB) saíram nomes expressivos de trovadores populares que ainda são referência quando se fala em cordel. – Cite-se aqui o exímio Pinto do Monteiro! – E essa cultura não vai se acabar... Em que pesem os nossos tempos modernos. - 2. Admiráveis os versos de Manuel Bandeira, saudando os violeiros do Nordeste... Assim como são admiráveis os versos do trovador Rogaciano Leite. – Pena que Rogaciano tenha morrido tão novo. – Pinto do Monteiro morreu às vésperas de completar 95 anos.
ResponderExcluirQue maravilha!!! Só agora descobri essa postagem Roberto Almeida, gratidão. Vou contactá-lo. Recebi sua mensagem pelo messenger.Helena Roraima, filha de Rogaciano Leite
ResponderExcluirQue maravilha!!! Só agora descobri essa postagem Roberto Almeida, gratidão. Vou contactá-lo. Recebi sua mensagem pelo messenger.Helena Roraima, filha de Rogaciano Leite
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