Por Ricardo Kotscho
Hebe,
Pelé, Boni, Lula: O Brasil é um país sem peças de reposição.
Calma,
os quatro personagens nada têm a ver um com o outro. Poderia ter citado
outros, aleatoriamente.
São apenas exemplos que usei para ilustrar um tema em que há
tempos venho pensando e também preocupa meu amigo Adriano Silva, que me pediu
para escrever este texto: o Brasil é um país sem peças de reposição, como um
velho calhambeque cubano.
Hebe faria 90 anos na última sexta-feira. Existe no horizonte da TV brasileira
alguém que possa ocupar o seu lugar?
Os outros três estão vivos, mas também não deixaram herdeiros em
suas áreas de atuação.
Para onde a gente olhar na atual paisagem humana brasileira, nos
deparamos com um deserto de gente, lideranças e talentos que façam a diferença
e saiam do lugar comum.
Vamos pegar a música, por exemplo. Depois de Chico, Caetano e
Gil, Tom & e Vinicius, o que tivemos para ficar na história?
Da igreja ao futebol, dos banqueiros aos sindicalistas, do teatro à política,
da televisão ao jornalismo, da advocacia ao cinema, acontece o mesmo.
Os grandes nomes lembrados em primeiro lugar são todos da
segunda metade do século passado. Poucos deles sobreviveram.
Quem apareceu com autoridade para falar em nome da igreja
católica depois de dom Hélder e dom Paulo?
Em lugar de Pelé, eu poderia ter citado Garrincha, mas depois
deles quem poderia ser chamado de gênio do futebol? Neymar?
Se você tiver que citar o nome de um grande banqueiro, quem vem à lembrança,
depois de Amador Aguiar e Moreira Salles?
Qual foi o grande líder sindical que surgiu depois de Lula? E
quem sobrou para ocupar o lugar dele como líder político de esquerda?
No campo oposto, a direita ficou tão órfã de lideranças que o
mercado foi buscar um capitão reformado meio esquisitão para ocupar o vazio e
voltar ao poder.
No teatro, depois do Oficina e do Arena, de Guarnieri, Boal e
Martinez Correa, quem?
Apareceu alguém com a genialidade de Gláuber Rocha depois dele e da turma do
Cinema Novo?
Quem pode ser apontado como sucessor de Boni, nome de guerra de
José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o homem que inventou a televisão
brasileira como ela é até hoje?
Da mesma forma, permanecem as marcas de Cláudio Abramo e Alberto
Dines nos jornalões paulistas e cariocas, que eles revolucionaram nos anos 60.
Vale o mesmo para o Mino Carta no ramo das revistas.
Para quem já teve juristas como Raymundo Faoro e Sobral Pinto,
qual o nome do atual STF que pode ser comparado a eles? O Fux?
Antes lembrados por qualquer transeunte, quem sabe hoje os nomes
dos presidentes da UNE, da CNBB, da ABI, da OAB, e por aí vai. O que restou da
chamada sociedade civil?
Quando se olha, então, para o Congresso Nacional e o ministério
bolsonariano, e se compara com outros tempos, dá vontade de chorar.
Não se trata de ser nostálgico ou saudosista e repetir aquele vulgar “no meu
tempo era melhor”, porque eu também sou deste tempo de agora.
A falta de peças de reposição acabou nos levando à tragédia de
viver num país sem lideranças, em nenhuma latitude, capazes de se confrontar
com as viúvas de 1964, agora legitimadas pelo voto popular. E Lula vai
completar um ano na prisão de Sergio Moro em Curitiba.
No atual desfile de fardas e togas pelo centros do poder de
Brasília, tem alguém que possa ser lembrado daqui a 50 anos?
Os nomes por mim aqui citados de memória podem ser trocados por
outros, à vontade do leitor, mas dificilmente vai aparecer algum mais jovem, de
outra geração.
Minha geração ganhou e perdeu muitas batalhas, mas produziu
lideranças respeitáveis e lembráveis, que reconquistaram a democracia e a
liberdade, agora novamente ameaçadas.
*Ricardo
Kotscho é jornalista, tendo atuado nas maiores empresas de comunicação do
Brasil. Tem diversos livros publicados e na atualidade divulga seus textos no blog “Balaio do Kotscho”.
*Na foto do Portal UOL, Hebe Camargo entrevistando Lula quando o ex-presidente era líder sindicalista.
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