Por Homero Fonseca
Em novembro de 2013, José Dirceu,
preso no chamado escândalo do mensalão, obteve na Justiça o direito de
trabalhar durante o dia. E conseguiu emprego de gerente do Hotel Saint Peter,
de Brasília, de propriedade de um seu amigo, Paulo Masci de Abreu. No dia 3 de
dezembro, o Jornal Nacional da TV Globo deu com grande estardalhaço a notícia
de que o hotel, na verdade, estava no nome de um laranja, o cidadão panamenho
José Eugênio Silva Ritter, e encontrou-o lavando o carro na porta de sua casa,
num bairro pobre da Cidade do Panamá. Toda a grande mídia deitou e rolou em
cima na “sensacional revelação”, embora a reportagem não provasse qualquer
envolvimento de Zé Dirceu com o fato. A reportagem e sua repercussão melaram o
emprego do petista, que continuou por uns tempos atrás das grades.
Posteriormente vieram à tona detalhes do caso. Na
realidade, o tal laranja era funcionário do escritório de advocacia Morgan
& Morgan, especializado em abertura de firmas em paraísos fiscais, como o
Panamá. Assim como no caso do hotel, ele e outros funcionários da banca
constavam como diretores de milhares de empresas de vários países, cujos
verdadeiros donos, fugindo do rigor do fisco, recorriam aos préstimos da Morgan
& Morgan. Prática usual entre grandes e médios empresários brasileiros e de
alhures. Se puxassem o fio da meada, vinha muita, muita gente conhecida. Não
acho que Dirceu seja nenhum santo, mas recorrer a firmas em paraísos fiscais,
criar offshores, abrir contas secretas na Suíça são estratégias usadas
por todo mundo no meio empresarial para praticar sonegação de impostos e
esconder a origem de certas fortunas. Como ouvi certa vez da boca de um
banqueiro: “Isso aqui não é um convento de freiras”.
Vejamos o caso das contas secretas no banco
britânico HSBC, revelado em 2015, onde mais de seis mil brasileiros tinham 7
bilhões de dólares depositados (em parte dinheiro ilícito ou escondido do
fisco). Muita gente graúda e conhecida estava envolvida e, por isso mesmo, o
escândalo rapidamente foi esquecido pela imprensa. O esquema do HSBC envolvia
também criação de offshores nas Ilhas Virgens Britânicas, onde
coincidentemente a própria Rede Globo tinha uma empresa de fachada, a Empire
Investment Group Ltd, criada em 1999. (O Jornal Nacional não noticiou isso,
claro.)
Relembro esses fatos para observar como a grande
mídia age com dois pesos, duas medidas: ao contrário do “esforço de reportagem”
da Globo no caso José Dirceu, investigando a propriedade do hotel onde ele
arranjou um emprego e deslocando uma equipe até o Panamá, a Vênus Platinada,
assim como todo o resto da imprensa corporativa, não move um dedo mindinho para
encontrar e entrevistar o ex-PM e motorista do Sr. Jair Bolsonaro, Fabrício
Queiroz, que recolhia salários dos servidores do gabinete do deputado Flávio
Bolsonaro e fez pelo menos um depósito na conta da futura primeira dama.
Como se vê, para os donos da mídia, liberdade de
imprensa é poder escolher livremente o que noticiar e escandalizar e o que
omitir, minimizar, ocultar.
*Homero Fonseca é jornalista e escritor, autor dentre outros livros do romance "Roliúde".
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