Por
Cláudio Rodrigues, professor e doutor em Literatura na UFCE
A prova do
ENEM foi uma afronta ao conservadorismo. Mostrou que a escola é o lugar da
subversão, da não aceitação do conservadorismo, do pluralismo de ideias, da
abertura para o novo.
Contra o
agronegócio, a prova trouxe a agroecologia, bem diferente da propaganda da
Globo que diz que o agro é tec e pop. Contra o binarismo biológico do sexo, a
prova joga na cara duas autoras lésbicas: Angélica Freitas, de "o útero é
do tamanho de um punho", e Natalia Polesso, de "Amora". Além
disso, o vocabulário do mundo gay, vindo diretamente do iorubá, expõe que
estamos negros, mulheres e gays no mesmo barco da transgressão por ousarmos ser
o que somos. Contra o racismo, a prova traz uma questão que, mais do verificar
a função da linguagem, expõe os estereótipos e solicita empoderamento. Por que
motivo uma questão mostra a produção de Stela do Patrocínio? Uma negra louca e
lindamente poeta a gritar "Eu sobrevivi do nada, do nada...". Por que
motivo uma questão traz um poema da "literatura negra" que diz
"às vezes sou o policial que me suspeito e o porteiro não me deixando
entrar em mim mesmo"? Por quê, me digam? Contra o machismo, inclusive
instituído pela leitura errônea dos textos sagrados, a prova fez os alunos se
depararem com um anúncio de denúncia ao assédio e uma propaganda publicitária
da década de 40 que vendia um tônico para mulheres considerando-as de natureza
doentia e frágil.
Para
coroar, a redação exigia que os candidatos reconhecessem que a internet tem
seus mecanismos de manipulação dos usuários, tais como as farms de likes e as
fake news compradas. Ah, e não passou despercebida a questão que mostra que
esse negócio de brasileiro cordial é uma balela, porque as redes sociais são,
na verdade, antissociais, disseminadoras de intolerância e ódio. Contra os
idiotas que vociferam contra os direitos humanos, a prova esfrega uma questão
que fala da Declaração Universal dos Direitos Humanos e indica seu estudo desde
os primeiros anos escolares. Sim, escola deve ensinar o aluno a valorizar os
seus direitos e os direitos do outro.
Essa prova
foi contra toda a onda conservadora que nos abateu, contra a horda de eleitores
que decidiram votar no homem que quase nem gente é e que representa o que de
pior somos. Essa prova é para que os bolsominions saibam que não será fácil
calar a voz dos educadores.
Enfim,
esse foi uma prova que os subversivos, perseguidos e vistos como aberrações
devem ter respondido com um sorriso de orelha a orelha, que é o mesmo que
sambar na cara da sociedade hipócrita, machista, misógina, racista e cretina.
durmam com essa e aguardem a luta, porque nosso nome é LEGIÃO DE SUBVERSIVOS.
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