Eu corrompi, sim, um cara do PT. Como
nossa atuação não está na jurisdição da Lava Jato, estou fora desse redemoinho
todo, assim como o tal técnico-político ou político-técnico. Claro que não vou
me identificar, nem dar nomes aos bois, por motivos óbvios. E independente
dessa onda moralizante, sempre fui discreto, nunca quis refletores em cima de
mim, nem nas boas ações, muito menos nas más. Aquele publicitário que deu uma
garrafa de vinho caríssimo ao cara e soprou pras colunas sociais… Que coisa mais
kitsch. Mas eu até entendo o comportamento de
noveau riche. É
assim que se começa a corromper um cara. Por que quando corrompemos alguém, não
apenas damos gordas propinas: nós compramos a sua alma. Trazemo-lo para nosso
território: a vida de luxo. O político que eu corrompi não era o que vocês
estão pensando, não. Esse daí nem sei se foi corrompido mesmo porque, com o
poder que tinha, aceitar aquelas merrecas de classe média, entregar a alma por
ninharias… Francamente, só se fosse muito burro. E ele não parece nada burro.
Deve ter ficado tentado, mas aceitar gorjeta…
Mas concordei em
falar, sob estrito anonimato, foi da minha experiência, do meu petista. Em
primeiro lugar, corrupção nunca foi novidade. Desde que o homem inventou o
dinheiro ela nasceu junto. Obviamente há lugares e épocas mais propícias. Por
exemplo, em nações atrasadas e/ou sob regimes autoritários. No chamado 3º Mundo
é mais fácil: normalmente eles não têm muita preocupação nem órgãos de controle
eficazes. Por isso a prática é generalizada, torna-se uma cultura. O que não
quer dizer que nas sociedades avançadas, onde existem instituições mais
sofisticadas, ela não exista. Ora, pois sim. Também em governos ditatoriais a
corrupção floresce direitinho: a imprensa é censurada e quem se meter a denunciar
termina um dia como “desaparecido”. Minhas empresas cresceram exponencialmente
durante a ditadura. Foi uma loucura! Claro que foi à custa de muita
generosidade de nossa parte. Pagamos muita despesa doméstica, muitas reformas,
muitas viagens, muita festa, muita mulher… Qualquer empresa de médio porte pra
cima colocava um militar da reserva na diretoria, mesmo que ele não entendesse
bulhufas do métier
(melhor até quando não
entendia, pois não se metia a dar palpite, se limitando a pegar a polpuda grana
no fim do mês). Todos sabiam, mas ninguém podia falar. Dizem que num certo país
onde havia uma ditadura, um militar de alta patente, diretor de uma instituição
financeira, costumava apostar com um CEO do ramo imobiliário. A cada projeto
apresentado à instituição, o colega se queixava com o figurão: “A burocracia
estatal é um câncer e meu projeto não será aprovado”. O alta patente
argumentava: “Não senhor, agora agilizamos tudo”. “Aposto que não” — respondia
o dono do projeto. “Pois vamos apostar” — retrucava o diretor. “Feito. Aposto
um milhão”. O outro concordava, o projeto saía em menos de um mês e o
empresário pagava a aposta em dinheiro vivo.
Depois da chamada
redemocratização, a folia corruptora continuou. A coisa se tornou sistêmica,
para usar uma palavra da moda. Traduzindo: negócios e políticas caminhavam
juntos, num sistema em que todos ganhavam: nós com as obras superfaturadas, os
políticos com as propinas. A mais generalizada é o financiamento das campanhas
políticas pelo chamado Caixa 2. Distribuímos nossas fichas entre os vários
partidos, “doando” quantias mais vultosas aos nossos candidatos preferenciais,
e a outros com chance de vencer, de qualquer partido. Corrupção não tem
ideologia: é toma lá dá cá. Claro que se eu solto meu rico dinheirinho com um
político, seja lá de que partido for, vou cobrar em dobro depois dele eleito. E
no Parlamento, mesmo muitos caras da oposição recebem e continuam a receber seu
quinhão, para não atrapalhar os negócios.
Com a chegada do PT ao
governo, as coisas ficaram mais complicadas. O partido era uma espécie de
convidado bem trapalhão em nosso banquete, lembram do filme com Peter Selers?
Porque antes, os corruptos e nós, os corruptores, geralmente frequentávamos os
mesmos ambientes: clubes fechados, marinas, haras, hotéis seis estrelas, ilhas
particulares, viagens em 1ª classe (os mais unhas-de-fome) ou de jatinhos
próprios, restaurantes exclusivos, casas de massagem com garotas
internacionais. São nos almoços e jantares discretos, em happy hours no Jockey
Club, no fim de semana numa praia particular ou num campo de golfe, que os
grandes negócios são fechados, entre um gole de um Chivas Rigal 18 anos ou uma
taça de Château Mouton Rothschild , sem nos preocuparmos em avisar para as
colunas sociais, pelo contrário… Depois, os mensageiros dos caras (os mais
“necessitados”) aparecem para pegar as malas de dinheiro com nossos executivos
ou fazemos os depósitos em contas nos chamados pejorativamente pela imprensa
comunista “paraísos fiscais”. As negociatas, para usar uma linguagem crua e um
pouco pebléia, são tão naturais nesses espaços como o ar que respiramos. A todo
momento nos encontramos e sempre surgem excelentes oportunidades de negócios. A
maioria dos políticos vem de famílias ricas e se locomove com familiaridade
nesses espaços, tirando um ou outro caipira.
Os petistas chegaram
nesse meio como crentes num cabaré. Ô pessoal destrambelhado! Marinheiros de
primeira viagem, deram um trabalho danado. Alguns até resistiram a qualquer
aceno nosso: é o caso de um ex parlamentar e dirigente partidário, um
pau-de-arara que mora numa casinha de classe média no Butantã. Os caras são uns
tabaréus (com raras exceções: tem até um de família quatrocentona, mas esse não
gosta de dinheiro, acho que é meio doido). Pois bem: como não frequentavam
nossos ambientes, não sabiam se comportar, nem entendiam nossa linguagem
cifrada. Vocês hão de convir que em nosso meio não é muito comum alguém chegar
dizendo “Me dá um dinheiro aí!” (Apesar de que, pra minha surpresa, um tucano
de pedigree político e familiar ter sido flagrado
falando quase exatamente isso para o açougueiro do Centro-Oeste e ainda
arrotando que mataria quem fizesse delação. Incrível! Mas toda boa família tem
sua ovelha negra.) O que posso dizer é que fiz um esforço enorme para corromper
meu petista. Não era ele do primeiríssimo escalão, mais era importante numa
estatal aí. Não entendia nada de negócios e deu um trabalho danado. Acho que
isso aconteceu com outros.
Quando conseguimos
tirar a Presidenta — pense numa mulher difícil, meu! — as coisas voltaram ao
seu leito normal, retornaram às mãos de quem tem know how, embora um pouco mais acanalhadas. Com
essa história de delação premiada, o pessoal quase entrega o ouro. Felizmente a
força tarefa só queria mesmo pegar os petistas (e um tucano aqui e outro
emedebista ali, pra disfarçar) e, como disse nosso Senador, a sangria foi
estancada (ou esperamos que tenha sido). Agora, o “Mercado” — como nos chamam
nossos jornalistas — estamos na expectativa. Nosso candidato preferencial foi
um fiasco no primeiro turno (aliás, todos os nossos prediletos), mas ao que
tudo indica continuaremos a mandar na economia, se o capitão chegar lá, que o
Deus Neoliberal o proteja e guie. Só otário acredita no discurso do
incorruptível. Sabemos que todo moralista é um invejoso da delícia dos pecados
dos outros e basta surgir a chance para tirar o atraso. Estamos prontos para
continuar corrompendo, como sempre o fizemos. É a regra do jogo.
PS.: Este é um texto
de ficção. Qualquer semelhança com fatos ou pessoas da vida real terá sido mera
coincidência
*Homero Fonseca é jornalista e escritor, radicado na capital pernambucana.
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