Por Homero Fonseca*
Dezembro de 1989: às vésperas do 2º turno das primeiras eleições diretas
pós-ditadura, a Polícia de São Paulo estourou um aparelho de guerrilheiros
chilenos que haviam sequestrado o empresário Abílio Diniz. E fez fotos de
alguns terroristas vestidos com camisetas do PT. A mídia fez o resto.
Poucos dias depois da votação, a Polícia Federal informou que os subversivos
estrangeiros não tinham qualquer ligação com o Partido de Lula. Mas o estrago
produzido pela bomba já tinha sido feito e o candidato da direita, Fernando
Collor, foi eleito presidente (não apenas devido a esse fato, claro, mas também
por isso).
Setembro de 2018: o candidato da direita Jair Bolsonaro é esfaqueado em
Juiz de Fora. Vestindo a carapuça de vítima e evitando se expor a debates e
entrevistas questionadoras, Bolsonaro inicia uma contínua e regular subida nas
pesquisas de intenção de voto.
Outubro de 2018: em poucas semanas, o crescimento do candidato da extrema
direita atinge proporções avassaladoras, quase levando-o a vencer já no
primeiro turno. No primeiro momento, perplexidade. O que teria concorrido para
a formação do tsunami bolsonarista? Reportagem de Patrícia Campos Melo (uma das
mais competentes, respeitadas e premiadas jornalistas brasileiras) na Folha de S. Paulo de
18/10/2018, revela um gigantesco esquema de manipulação das redes sociais
(especificamente no WhatsApp), disparando um bombardeio de notícias falsas
contra Fernando Haddad, financiado por empresas privadas. O PT denunciou o fato
(que caracteriza crime eleitoral) ao TSE. Como a Justiça brasileira em geral
demonstrou inúmeras vezes que é célere (quase instantânea) contra o PT e
lentíssima com os demais partidos, é possível prever que empurrará o processo
com a barriga. A Rede Globo minimizou o caso, tratando-o como uma “denúncia do
PT”. E nessa linha, os paladinos da direita tentam desmoralizar uma reportagem
bem embasada (rara, nesses tempos de jornalismo declaratório). A inefável
Janaína Pascoal já pediu que o PT “prove a denúncia”. Ora, partidos não
investigam, doutora: a denúncia foi de um jornal, o PT pediu providências à
Justiça e compete a esta mandar investigar.
E agora? Tudo indica que esse esquema de manipulação digital (que
configura uma monstruosa fraude) continuará funcionando bem azeitado. E, a
exemplo de 1989, com o caso Abílio Diniz, será usado às vésperas do 2º turno. A
bola da vez é Adélio Bispo, o perturbado subversivo que esfaqueou o capitão e
deflagrou o início da ascensão do fenômeno Bolsonaro. A PF de Minas concluiu no
inquérito haver se tratado de ação isolada, sem ligação com o PT. Sem maiores
explicações, o comando da PF abriu outro inquérito para apurar o mesmo caso! E
os advogados de Bolsonaro, que no primeiro momento pediram a proibição de que o
criminoso falasse à imprensa, agora solicitaram e conseguiram autorização para
que ele seja entrevistado, depois de quase dois meses isolado nas mãos de persuasivos
carcereiros.
O que ele terá sido “aconselhado” a dizer? Estamos prestes a presenciar
nova armação como a de 1989?
Agora, juntemos algumas pontas. A revista digital de direita Crosué saiu com a capa
acima, com foto de Bolsonaro e a manchete: “A sombra do PCC.” A sigla do grupo
de narcotraficantes Primeiro Comando da Capital tatuada na testa do capitão. E
esclarece: “A principal linha da investigação da PF sobre o atentado a Jair
Bolsonaro aponta para a maior facção criminosa do país.” No site da revista, a
chamada acrescenta a inesperada dedução: “Ou
seja, o crime ganha cada vez mais ares de atentado político.”
Como assim? O crime foi cometido pelo PCC e é um atentado político? Mas,
salvo engano, o PCC — “a maior facção criminosa do país” (lembram como o PT é
chamado há quatro anos pela mídia?) não é uma organização política. Então, que
“ares de atentado político” são esses?
Só há uma ilação possível: PCC e PT são sinônimos. A ligação é evidente e
escandalosa. E será disparada em milhões de mensagens pelo tsunâmico e
milionário esquema de fake
news a serviço do candidato do PSL, pago por empresários
utilizando o Caixa 2, sem chance de serem desmentidas a curto prazo.
Tem sentido essa hipótese? Se for confirmada, a opinião pública será
fraudada pela segunda vez, num gravíssimo atentado não apenas às eleições, mas
à própria Democracia.
Todo mundo de olho. Se alguém souber um antídoto jurídico ou tecnológico
para combater essa armação, diga agora ou cale-se para sempre (a direita
calará, claro).
*Homero Fonseca é jornalista e escritor, autor do romance "Roliúde".
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