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Pesquisas Eleitorais

CAMINHÕES PARADOS: RACHA NO PACTO DAS ELITES?




Por Homero Fonseca

Passada quase uma semana da esquisita “greve dos caminhoneiros”, dá pra juntar as pontas de informações dispersas e fazer algumas correlações para entender, pelo menos em parte, o que se passa. Ao contrário de greves e mobilizações de professores, sem-terra, sem-teto e trabalhadores em geral, não houve repressão ao bloqueio das rodovias. Passou-se uma semana e cadê as bombas de efeito moral, as balas de borracha, os cassetetes no lombo e as prisões violentas?

Algumas coisas se sobressaem no panorama caótico: não se trata de greve, mas locaute (paralisação dos patrões proibida por lei), daí o tratamento diferenciado pelo governo; a adesão confusa das classes médias, sensibilizadas pelo peso no bolso dos aumentos diários no preço da gasolina; a cobertura ambígua da mídia, que contribuiu decisivamente para o clima de pânico, ao reverberar um “desabastecimento relâmpago”, estimulando a histeria geral. Donas de casa e motoristas particulares ansiosos, ao correrem às feiras e aos postos de gasolina, desatam a especulação desenfreada. E os desavisados e incompetentes fazem o resto: a Universidade Federal de Pernambuco suspende as aulas; a Prefeitura de Caruaru decreta estado de calamidade pública; a CBF anuncia estudar a suspensão dos jogos do campeonato brasileiro. E por aí vai, em todo o País. Instaura-se o processo conhecido pela Sociologia como “profecia autorrealizável”: se todo mundo corre aos postos de combustíveis e aos supermercados para se proteger da anunciada escassez, a demanda repentina e aumentada provocará mesmo falta de gasolina, de comida etc.

Enquanto isso, o locaute conta com o apoio de outros setores empresariais, entre eles o de logística, que já se pronunciou a favor da paralisação, e os fazendeiros do Sul (eles de novo), que já realizaram tratoraços em vários pontos. As reivindicações por diminuição do preço do diesel já se ampliaram para a “redução da carga tributária” (pauta empresarial infalível) e alguns caminhões apareceram com faixas pedindo “Intervenção militar já”. (Há traços das mobilizações de 2013 contra aumento nas passagens dos ônibus em São Paulo que, com apoio ostensivo da mídia, fermentaram exponencialmente e desembocaram na destituição da presidente Dilma). Significativamente, o comandante do Exército, mesmo diante da concreta possibilidade de desordem, ao contrário do seu inoportuno pronunciamento (forçado pelas suas “bases”) quando da decisão do Supremo sobre a prisão de Lula, não foi ao twitter ameaçar os “caminhoneiros”.

O novo Pacto das Elites
Para entender o pesado jogo que está sendo jogado, é preciso ser capaz de enxergar o novo Pacto das Elites posto em vigor em 2016, sepultando de vez a Nova República emergida ao fim da ditadura militar e a Constituinte de 1988 (que o empresariado nunca engoliu por sua tintura socialdemocrática). A gestão da Petrobrás foi ajustada a esse projeto, dolarizando os preços e colocando a empresa a rodar a bolsa nas bolsas de valores (trocadilho intencional), tentando atrair quem der mais.

A desastrada decisão de estabelecer reajustes diários, no entanto, com seu tremendo impacto psicológico, produziu um racha no pacto das forças político-ideológicas-empresariais cada vez mais sequiosas de poder. Nesse locaute, interesses imediatistas de alguns setores entraram em choque com o arcabouço político-ideológico em vigor, que prevê a plena inserção da Petrobrás no mercado como uma empresa qualquer, alinhada aos interesses dos “acionistas” internacionais (ora, ora, o Governo Federal é o principal acionista!), cuja política de preços não deve ser influenciada, jamais, por outras considerações: tudo deve ser decidido pelo Deus Mercado. Exigir, como os donos de caminhões e os proprietários de Uno Mille estão exigindo, que o governo intervenha nessa política de preços, é negar os fundamentos do projeto em execução por Temer, com o apoio ideológico do PSDB e interesseiro do resto. E não se ouve um pio dos liberais na imprensa, excetuando o dissidente Reinaldo Azevedo, não sei porque.

Depois de rodadas de negociações, em que o governo cedeu anunciando medidas paliativas — a contragosto do executivo neoliberal da Petrobrás — e da lambança do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, errando os cálculos do custo das medidas, chegou-se a um acordo com as lideranças dos caminhoneiros. Só que, a esta altura, o movimento mostrou-se dividido (donos de frotas e autônomos nem sempre rezam pela mesma cartilha) e aparentemente está fora de controle. A paralisação continuou. Foi quando o governo parece ter percebido que, independente dos cálculos contábeis (menos tanto de arrecadação versus mais tanto da reoneração etc. etc.), o seu projeto neoliberal estava sendo posto em cheque, não pelas “esquerdas corruptas, irresponsáveis e incompetentes”, mas por setores da base social de sustentação de Temer: empresários dos transportes e gordas fatias das classes médias, além de deputados e senadores preocupados com a reeleição. As reivindicações específica desses setores chocam-se com as diretrizes da política neoliberal em vigor. 

A situação parece evoluir para um racha no Pacto das Elites pós impeachment. Contra essa ameaça de fissura no projeto, a CNI — Confederação Nacional da Indústria emitiu nota, quinta-feira (24/5), afirmando que “a paralisação atrapalha a recuperação da economia”. A mídia, que açulou a histeria coletiva, começou a cobrar “responsabilidade” dos donos das transportadoras. E o governo, apelando para a retórica surrada de “minorias radicais” anunciou nesta sexta-feira (25/5) que usará a força se os bloqueios de estradas continuarem. Pois esse desentendimento pontual entre os interesses em jogo, se realmente alargar-se, poderá levar a consequências imprevisíveis.
(Atualizado às 15:55–25/05/2018).

Referências
Canal Rural: “Agricultores aderem à greve dos caminhoneiros”
Folha on line: “Manifestações ganham força com adesão de entidades empresariais — Especialistas afirmam que setor de transporte de carga está praticando locaute”
(Acessado em 25/05/2018)
MoneyTimes: “CNI diz que greve dos caminhoneiros atrapalha recuperação da economia”


*Homero Fonseca é jornalista, blogueiro e escritor. Foi editor da revista Continente (2000–2008). Autor do romance “Roliúde” (Record, 2007), entre outros livros.


Um comentário:

  1. A greve só é esquisita por que não tem bandeira vermelha desses Comunistinhas de Merda do PT, PCdoB, PSTU, PCO, dentre outros esquerdistas sem vergonha! Esse sim é um movimento decente!

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