Por Homero Fonseca*
O estupro dos direitos dos
trabalhadores, que está tomando corpo no Congresso, é apresentado pelos
apoiadores do governo Temer e neoliberais em geral como uma “reforma necessária
à modernização das relações trabalhistas no Brasil”. Seus partidários
argumentam ser imprescindível adaptar a CLT à nova realidade tecnológica etc e
tal. Pura falácia. O objetivo real é impor um tremendo retrocesso aos direitos
dos trabalhadores.
Que é necessário atualizar a legislação criada ainda na
era Getúlio Vargas não se pode duvidar. Entretanto, as mudanças devem ir na
direção contrária do projeto da classe empresarial, bancado pela dupla
Temer-Meirelles. Porque aumentar a jornada de trabalho para 12 horas diárias
(ideia defendida pelo presidente da CNI — Confederação Nacional da Indústria,
Robson Braga de Andrade, em julho do ano passado, sintomaticamente após uma
reunião com Michel Temer), terceirizar a mão de obra, adotar o trabalho
intermitente, fazer prevalecer a negociação coletiva sobre a legislação — tudo
isso precarizará o trabalho, enfraquecerá os sindicatos, rebaixará os salários,
enfim colocará o trabalhador nu e sozinho na jaula dos leões.
Exagero? Vejamos o que um economista escreveu sobre
temas envolvido nessa discussão:
NEGOCIAÇÕES
“Os
salários correntes em todas as partes dependem do contrato estabelecido entre
as duas partes, cujos interesses não são de forma alguma coincidentes. Os
trabalhadores querem obter o máximo, e os empregadores oferecem o mínimo
possível. Os primeiros estão dispostos a unir-se para aumentar os salários, e
os segundos a diminuir. No entanto, não é difícil prever qual das duas partes
conseguirá se impor habitualmente na pugna e forçar o outro a aceitar suas
condições.
“Nos
conflitos trabalhistas os empregadores podem resistir por muito mais tempo. Um
proprietário de terras, um fazendeiro, um industrial ou um comerciante, embora
não empreguem um único trabalhador, poderiam geralmente vivem por um ano ou
dois do capital que já adquiriram. Mas muitos trabalhadores desempregados não
conseguiriam resistir até mesmo uma semana, poucos poderiam fazê-lo por um mês
e quase nenhum por um ano.
“Quando
os empregadores se articulam para reduzir os salários dos seus trabalhadores,
ou fixar um teto salarial máximo, estabelecem uma certa penalidade para quem
descumprir o acertado. Se os trabalhadores se agruparem de forma semelhante na
direção oposta, impondo multas para quem aceitar salários mais baixos, a lei
iria puni-los severamente.
“É
raro quando se encontram pessoas do mesmo negócio, mesmo para se divertir e
distrair, que a conversa não termine em uma conspiração contra o público ou em
algum artifício para aumentar os preços. É certamente impossível evitar tais
reuniões, por qualquer lei possível ou consistente com os princípios de
liberdade e de justiça. Mas, embora a lei não possa impedir às pessoas de um
mesmo grupo empresarial agirem em conjunto, não deveria fazer nada para
facilitar tais agrupamentos; muito menos para torná-los necessário.”
SALÁRIOS E PREÇOS
“Os
aumentos salariais impactam o preço das mercadorias como o juro simples o faz
na acumulação de uma dívida. Aumentos nos lucros, entretanto, funcionam como
juros compostos.
Nossos comerciantes e industriais reclamam tanto dos
efeitos nocivos dos altos salários, porque provocariam aumentos dos preços das
mercadorias, restringindo assim suas vendas no país e no exterior. Eles não
dizem nada sobre os efeitos nocivos dos lucros elevados. Silenciam sobre as
consequências prejudiciais de seus próprios lucros. Só protestam contra as
consequências dos lucros dos outros.
JORNADA
“Uma
aplicação exagerada de quatro dias por semana é geralmente a causa real do
lazer para os outros três, que tem levantado tantas queixas dos patrões.
“Se
os empregadores sempre ouvissem os ditames da razão e da humanidade, eles
adotariam uma dedicação moderada de seus trabalhadores, em vez de incentivar
uma carga mais pesada. Acredito ser visível que a pessoa empenhada
moderadamente no trabalho, de forma constante, não só preserva a sua saúde por
mais tempo, como consegue realizar a quantidade máxima de trabalho durante todo
o ano.”
DESIGUALDADE
“Nenhuma
sociedade pode ser florescente e feliz se a maioria dos membros são pobres e
miseráveis. Além disso, é justo que aqueles que fornecem alimentos, roupas e
abrigo para todo o corpo social recebam uma remuneração por seu trabalho
suficiente para serem adequadamente bem alimentados, vestidos e alojados.”
O autor dessas frases, camaradinhas, não é nenhum
economista comunista, mas ninguém menos que o pai do liberalismo moderno, o
escocês Adam Smith, defensor da livre iniciativa e do poder regular do mercado
(a famosa metáfora da mão invisível), mas que conhecia as motivações básicas e
o modo de operação capitalista. A obra seminal de onde tirei essas citações — A riqueza das nações, foi lançada em 1776 em
pleno desenrolar da Revolução Industrial e está mas atualizada do que nunca.
Adam Smith defendia a tese ingênua de que os interesses antagônicos dos agentes
antagônicos terminaria propiciando o bem-estar, via livre mercado. Mas não
usava argumentos fantasiosos e tinha uma visão humanista das relações entre o
capital e o trabalho. Em certo trecho, ele chega mesmo a defender a intervenção
do Estado na fixação dos preços em situações especiais, embora enfatize ser o
mercado o melhor regulador: “Em caso de monopólios ou oligopólios pode ser
conveniente regular o preço do que é necessário para a vida. Mas quando não
houver tal situação, os preços serão regulados pela concorrência de forma muito
melhor do que qualquer taxa.”
Os neoliberais (os fundamentalistas do mercado)
certamente viraram as costas ao velho Smith. E o desmonte dos direitos
trabalhistas em andamento nos remete para os tempos do início da Revolução
Industrial. É essa a “modernização” vocalizada pelo patronato mais atrasado do
planeta e pelos seus áulicos e martelada pela mídia conversadora dia e noite.
*Homero Fonseca é jornalista e escritor.
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