Em 1964 o Brasil sofreu um golpe militar, apoiado
por setores da sociedade civil. A democracia foi violentada, mas para disfarçar
a quartelada que fechou o Congresso, deixou o povo sem votar, prendeu e matou
centenas de jovens e estabeleceu rígida censura à imprensa, os novos dirigentes
do país juraram que tinham feito uma revolução para salvar o país do perigo
comunista.
Três anos depois, em pleno período do governo
autoritário, aconteceu uma outra revolução, essa de verdade, com o surgimento
de uma nova música popular brasileira e compositores e cantores que 50 anos
depois ainda estão aí, lúcidos, talentosos, geniais.
Nos anos 60, seguindo o modelo do
Festival de San Remo (se encontra também a forma Sanremo), realizado na Itália,
as emissoras de TV Excelsior e Record (que na época não tinha nada a ver com a
Igreja de Edir Macedo) resolveram criar grandes festivais de música no Brasil.
Foram programas de televisão bem
sucedidos, que tinham grande audiência exercendo um papel que hoje é ocupado
pelas novelinhas globais.
Desses festivais dos anos 60, o de
mais impacto, o que provocou uma revolução mesmo no Brasil foi o de 67, por
conta das polêmicas, da participação ativa do público e por reunir na grande
final alguns dos artistas mais talentosos do país.
Todos ainda bastante jovens, porém
eram (e continuam sendo) bons cantores, bons compositores e bons intépretes.
O Festival de Música Popular
Brasileira de 1967 foi um evento de grandes canções, revelações que mudaram o
rumo da MPB e também dos apupos e das vaias.
Os jovens exigentes na plateia
radicalizaram a tal ponto que o cantor Sérgio Ricardo, um músico de valor, que
depois faria trilhas sonoras de alguns filmes nacionais importantes, foi
praticamente impedido de cantar debaixo de vaias.
Irritado, nervoso, o cantor
interrompeu sua intepretação e disse para o público: “Vocês venceram!”. Em
seguida quebrou o violão no palco e jogou os pedaços na plateia que lotava o
auditório da TV Record.
Mais paciente, Caetano Veloso - um garotão ainda,
cinco décadas atrás – começou sua apresentação também recebendo vaias, mas
reverteu a situação e terminou de cantar debaixo de aplausos.
Chico Buarque, então um menino de 22 anos e que
podia passar por 18, nem precisou usar das habilidades do seu colega baiano. O
carioca foi aplaudido do começo ao fim com sua interpretação correta da canção “Roda
Viva”, trazendo uma das letras mais inspiradas do Festival.
Imagine que em 67, em meio a artistas mais preparados
intelectualmente, Roberto Carlos defendeu uma música com uma pitada de crítica
social, caprichou na interpretação e como Chico esteve a salvo das vaias.
No final, as cinco músicas que ficaram nos primeiros
lugares representaram mesmo o que se apresentou de melhor, tanto que até hoje
qualquer uma das canções é ouvida com prazer e se mantém atuais, modernas,
revolucionárias.
“Ponteio”, de Capinam e Edu Lobo, interpretada pelo
segundo e Marília Medalha conquistou o primeiro lugar e foi ovacionada pela
crítica e pelo público.
Edu Lobo, embora não tenha se tornado um artista
popular, como Caetano, Gilberto Gil e Roberto Carlos, é um músico respeitado e
que ainda hoje produz, embora tenha se afastado completamente da mídia.
O segundo lugar ficou com Gilberto Gil, que cantou
dele mesmo “Domingo no Parque”, uma composição inteligente e instigante, que
depois do Festival tocou muitos nas rádios brasileiras.
Gil cantou acompanhado do grupo Os Mutantes, que tinha
entre seus integrantes uma menina linda, parecendo um pouco uma americana. Ela
ainda era desconhecida e foi apresentada ao Brasil no Festival de 67. Seu nome:
Rita Lee.
Chico Buarque ficou merecidamente com o terceiro
lugar, com a já citada “Roda Viva”. Não seria nenhuma injustiça se essa música
tivesse ficado também na segunda ou mesmo na primeira colocação.
O quarteto MPB 4, que fez história na música
popular, acompanhou Chico durante sua apresentação.
Com versos que misturavam Coca Cola, jornais em
bancas de revista e a atriz Brigitte Bardot, Caetano Veloso agradou em cheio e
ficou em quarto lugar com a música de sugestivo título “Alegria, Alegria”.
O quinto lugar ficou com Roberto Carlos, que cantou
a bonita canção “Maria, Carnaval e Cinzas”, composta por Luiz Carlos Paraná.
Embora não seja das músicas mais conhecidas ou executadas pelo “Rei”, é uma das
representativas de sua carreira, por não ser melosa como tantas, ter mais
conteúdo e ter recebido uma interpretação realmente muito boa.
Em 2010, mais 40 anos depois, o Festival da Record
inspirou o filme “Uma Noite em 67”, trazendo cenas incríveis da época e
depoimentos dos artistas e dos críticos musicais já com os cabelos brancos e o
físico de senhores de idade.
O longa, em tom de documentário, é assinado por
Renato Terra e Ricardo Calil. Um trabalho muito bom que faz jus ao
revolucionário Festival da Record.
*Fotos do Festival da Record, a partir do filme "Uma Noite em 67": 1) Chico Buarque; 2) Caetano Veloso; 3) Gilberto Gil; 4) Roberto Carlos
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