Por Michel Zaidan Filho*
No Brasil, os institutos do
regime presidencialista se prestam a todo tipo de interpretação, segundo as
conveniências de cada partido, grupo ou seita de fanáticos. O liberalismo, que
já foi comparado a Bombril, tem sido usado para mil-e-uma utilidades, menos
para estimular a criação de uma cultura libertária. A democracia foi chamada
por Sérgio Buarque de Holanda de um profundo mal entendido entre nós. E o
processo de “Impeachment” foi comparado por Fernando Henrique Cardozo à bomba
atômica, existe na Constituição, mas não é para ser usado (contra ele e seus
partidários).
Agora, surgiu um
“Impeachment” sem uma causa fixa ou determinada. Todo dia a opinião pública
toma conhecimento que a oposição vai entrar com um novo pedido de
“Impeachment”. É o caso de se perguntar pelos fundamentos jurídicos do
primeiro, do segundo, do terceiro e assim infinitamente processo de
“Impeachment”. Ou seja, antes de tudo se resolve buscar o impedimento do cargo
exercido democraticamente pela Presidente da República. Depois, se procura os
argumentos, as provas, as justificativas. No fundo, o motivo é um só: o
descontentamento com o resultado das eleições de 2014. O instituto do
“Impeachment” banalizou-se. Tornou-se um mecanismo de racionalização de uma
vontade de poder insatisfeita, inconformada com o resultado das urnas. Mais
grave é apoiar esse mecanismo de racionalização, sem crime, sem dolo, sem
motivação ou culpa, ainda que eventual.
Vamos aos fatos. O atual processo de
“Impeachment” - subscrito por Miguel Reale Junior e Hélio Bicudo - pede a
cassação do mandato de Dilma por crimes contra a lei orçamentária, são as
chamadas “pedaladas fiscais”, ou seja, antecipações de operação de crédito para
a União, sem autorização do Senado Federal, sob a alegação da necessidade de
pagamento da prestação dos Programas Sociais do governo (Bolsa Família, Minha
Casa, Minha vida) efetuada pelos bancos públicos. Diz-se que estes estão
proibido de contrair operações de crédito com a União. Ocorre que essas operações são usuais entre a
instituição financeira e seus clientes. Quando as empresas precisam fazer
pagamentos e não têm fluxo de caixa suficiente, os bancos antecipam créditos,
na expectativa de receberem receitas que cubram essas antecipações. Não há nem prejuízo para os cofres públicos,
nem dolo ou culpa ou suspeita de locupletação.
Pode até ter havido descumprimento da lei orçamentária, mas não houve
má-fé, uso indevido de recursos públicos. O dinheiro antecipado pelos bancos
tinha como fim o financiamento de Programas sociais.
Agora vêm as conversas
obtidas ilegalmente pela Polícia Federal e um juiz de primeira instância que
poderiam embasar uma acusação de obstrução à Justiça, por conta da nomeação de
Lula para a Casa Civil e o acesso a ministros do STF para barrarem as ações
contra o ex-presidente da República.
Ao que se sabe, a comissão rejeitou a anexação desses grampos
telefônicos ilegais no processo em análise na Câmara dos Deputados. Além do
vício na obtenção das provas, que as anulariam em qualquer tribunal do mundo,
não há provas materiais de que houve interferência concreta da Presidenta ou de
seus ministros em favor de Lula. Uma coisa é o pedido. Outra é saber se foi cumprido e resultou em
êxito ou fracasso. A ministra Rosa Weber, por exemplo, acaba de indeferir a
ação interposta a favor de Lula no STF.
Há também a questão da
aprovação ou não das contas de campanha das eleições de 2014. Primeiro, elas
tinham sido aprovadas pelo TSE. Segundo, os fatos novos que teriam surgido
depois e que justificaram a reabertura do processo, a pedido de Gilmar Mendes,
conhecido desafeto do PT e da Presidente Dilma, foram fornecidos por um
auxiliar daquela corte e sequer chegaram à apreciação dos ministros. Então é muito estranho que esse processo seja
reaberto, por um juiz “ativista”, que já declarou publicamente sua repulsa a
este governo. E os doadores de campanha mencionados nas delações premiadas que
abastecem diuturnamente esses processos são os mesmos que financiaram a
campanha dos políticos da oposição. Alguma novidade nisso?
No fim das contas, a
motivação política (e inspiradas em interesses inconfessáveis) é a mãe desse
processo de “Impeachment”. Apesar da declaração de que a comissão do exame da
admissibilidade do processo vai consultar juristas e advogados
administrativistas e constitucionalistas, a questão é numérica. Tem a
Presidente Dilma votos suficientes na Câmara dos Deputados para barrar a
tramitação do processo, ou a defecção de seus “aliados” não oferece a menor
garantia desse apoio a ela?
Vamos prestar atenção nos
próximos movimentos do PMDB, partido da traição nacional. A data é 29 de março.
*Michel Zaidan Filho é garanhuense, escritor, cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco. Colabora regularmente com o blog.
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