Fui
internado no Hospital da Restauração no dia 1º de junho de 2015 e na semana
seguinte, numa quarta-feira, já queriam fazer minha cirurgia.
Recebi
a notícia com animação. Embora qualquer um tenha um pouco de medo, por se
submeter a tal procedimento, mas o paciente está fragilizado, piorando a cada
dia, consciente de que somente poderá melhorar e ter mais tempo de vida caso
seja operado.
Então,
quanto mais cedo melhor. Se demorar muito a doença avança e tudo pode ficar
pior.
A
expectativa de ser cirurgiado com pouco mais de uma semana no HR, porém, foi
frustrada por conta de uma infecção urinária. Colocaram uma sonda em mim,
quando da instalação da válvula na cabeça, e este equipamento, pegando o canal
urinário, causou a tal infecção.
Então
continuei na enfermaria, deitado a maior parte do tempo, andando quando tinha
um pouco de disposição pela sala ou pelo corredor, olhando a janela pela qual
se via a Agamenon Magalhães, com centenas de carro indo em direção a Boa
Viagem, outros vindo no caminho de Olinda, buzinas, fumaça, gente pelas ruas...
As pernas e o corpo todo logo cansavam, voltava ao leito e esperava o tempo
passar, sem saber, agora, quando iam abrir minha cabeça e retirar o material
que me deixava naquela situação, dependendo das enfermeiras, das auxiliares,
dos médicos e da companhia de Terezinha.
Dias
depois a cirurgia foi marcada novamente. Tomei medicação para curar a infecção,
fiz um exame sofisticado para saber se estava com trombose (os sintomas eram as
pernas muito inchadas), mas felizmente deu negativo.
Durante
o mês e meio que passei no Hospital recifense perdi o número das vezes que fui
levado de maca para fazer algum tipo de exame. Tem uma ala da unidade de saúde
que é muito chique, com as salas de aspecto completamente diferente, pintadas,
dotadas de ar condicionado, parecendo pertencer a uma instituição particular.
Um
dos exames, do qual não recordo mais o nome, é para saber como está o enraizamento
do tumor nos vasos do cérebro. Fiquei numa sala mais gelada de que Garanhuns
nas noites de inverno, deram anestesia e demorei horas por lá, algum tempo sem
consciência.
Sei que
os técnicos em saúde enfiam uns tubos ou fios na gente pela virilha e vão com
eles até o cérebro checar como está a situação no local a ser operado. Essa
“fotografia” é muito útil aos médicos responsáveis pela cirurgia, porque sabem
com antecedência por onde vão “caminhar”, evitando acidentes de percurso,
cometer erros que podem causar a morte ou sequelas graves ao paciente.
De
volta de algum exame, em cadeira de rodas ou maca, eu ia para a cama esperar,
esperar e esperar.
Quando
alguém está em casa e fica muito tempo entre quatro paredes, sem sair para
conversar ou andar pelas ruas, o tédio toma conta da pessoa e comumente bate a
irritação, o nervoso, necessidade de se movimentar, fazer alguma coisa, sair da
rotina.
No
hospital você aprende a conviver com o não fazer nada. Cessa a vontade de se
divertir, faltam-lhe forças até para andar e não resta outra alternativa a não
ser se conformar com a inércia. Então a maioria dorme, dorme, dorme.
Acordados,
conversamos com os colegas de infortúnio, contamos as horas, esperamos a noite,
pensamos e pedimos a Deus que encaminhe as coisas do jeito certo, para que
possamos nos safar daquela situação.
Foram
mais de duas semanas vivendo este dia a dia, repetindo os mesmo gestos a todo momento, tirando uns cochilos pela manhã ou à tarde, recebendo a visita do pessoal
da enfermagem e de médicos, tirando sangue para checar as taxas de colesterol
ou glicose, medindo a pressão, e esperando, esperando, esperando.
Até
que marcaram novamente a operação e desta vez não surgiu impedimento. Terezinha,
completamente esgotada veio para Garanhuns ficar uma semana com Carolina e
Tiago ficou comigo no Restauração, na condição de acompanhante.
Como
a mãe, meu filho me ajudou quando eu andava, me levou ao banheiro, até deu
banho e auxiliou a limpar seu pobre pai enfermo.
A
doença nos deixa como crianças, tendo de ser cuidados pela mulher com jeito
maternal ou por um filho ou filha como se tivéssemos trocado de lugar: ele ou
ela agora está no comando e somos como bebês precisando "trocar a fralda".
Humilhação?
Não existe tal palavra quando se está com uma doença séria, aguardando a
salvação que vem da sabedoria dos médicos ou da interferência divina.
No
dia 17 de junho, pela manhã, chegou o maqueiro para me buscar e eu já estava
pronto, com a bata que eles fornecem, que vesti com ajuda de Tiago e de
Lucimar. Na hora de sair, Tiago, desmoronou com seu 1,85 m e chorou feito uma
criança.
Fiquei
de coração partido vendo o meu filho ali, na minha frente, triste, desesperado,
com medo de perder o pai que tanto lhe ama.
Sereno,
disse a ele que ficasse tranquilo, “ia dar tudo certo”, e logo estaríamos nos
vendo de novo. “Confie em Deus”, recomendei e repeti o que vivia dizendo a
Vitória, que o “lá de cima” iria me ajudar outra vez.
Nunca,
nem se eu viver 500 anos esquecerei dois momentos protagonizados por Tiago no
HR. Quando ele chorou na minha frente, quando iam me levar para a sala de
cirurgia e quando, dias antes, num gesto de solidariedade atendeu o pedido de
uma mulher para levar o seu marido – o paciente – até o banheiro.
Ele
pegou o homem já idoso e colocou nos braços, como se fosse uma criança. E levou
do leito, que ficava num extremo da sala, até o banheiro, do outro lado,
deixando-o sentado na bacia sanitária.
Quando
Terezinha voltou para substituir Tiago, que precisava retornar para Garanhuns,
pois tem seu emprego numa fundação estadual, a mulher ainda agradecia o gesto
do meu filho e o cobria de elogios.
Coisas
assim acontecem no Restauração: solidariedade de um lado e de outro e pessoas
expressando sua gratidão porque é tudo que têm a oferecer.
Mas
voltando ao procedimento para a cirurgia fui levado pelos corredores e o HR
nunca me pareceu tão imenso. Passei por lugares em que o gesso do teto tinha
caído e buracos feios davam uma má impressão à unidade de saúde.
Cheguei,
enfim, às portas do bloco cirúrgico e Tiago só poderia me acompanhar até ali,
porque quando entrasse na sala de operação seria somente eu e a equipe médica.
Eu estaria definitivamente “nas mãos de Deus”.
Demorou
um tempo que parecia infinito, acho que mais de uma hora. Eu deitado na maca,
uma pasta com meu prontuário junto dos pés e médicos, residentes e funcionários
diversos num movimento que não parava. Parece até que estávamos na “boca do
formigueiro”.
Enfim
chegou minha vez, começaram a empurrar a maca para a sala 12, que tinha sido
solicitada pelo doutor Rodrigo Andrade, conforme ouvi numa conversa entre os
servidores daquela ala do HR.
Não
demorou muito eu estava dentro do bloco cirúrgico, com muita vontade de urinar
e não tive outro jeito senão comunicar isso aos médicos que me cercavam.
Deram-me um “papagaio” e não consegui fazer nada e aí o jeito foi usar uma
sonda...
Os
profissionais de saúde me cercaram, sem que eu percebesse deram a anestesia,
fui ficando grogue, sem distinguir direito as coisas, mas ainda ouvi uma voz: “Entuba
ele, entuba. Se não fizer isso ele não resiste uma hora”.
Ouvi aquilo como se a
voz estivesse muito distante, mas entendi direitinho o significado. Outro
médico ainda comentou: “É. E essa é uma operação longa, que vai entrar pela
noite”.
Aí
eu apaguei e só recobrei a consciência na UTI. Dr. Rodrigo e sua equipe tinham
retirado a maior parte do tumor e do cisto, eu estava vivo, não demoraria e
veria novamente minha mulher, meus filhos, meus irmãos, minha mãe...
Que momentos! Está provado só morremos no dia mesmo ...sua missão neste plano é gloriosa, realmente a vida é um "espetáculo"
ResponderExcluirLi emocionada...Longa vida a vc Roberto Almeida!
ResponderExcluirDeus
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