Do JC
Online:
O jornalista Paulo Sérgio Scarpa, que por
muitos anos foi titular da coluna Repórter JC, faleceu na tarde desta
terça-feira (17), no Hospital Esperança, de complicações devido a um câncer.
Scarpa, que ia completar 67 anos no dia 1º de abril, nasceu em Itanhandu (MG).
Há 30 anos, veio trabalhar no Recife, na sucursal do jornal Folha de São Paulo.
Em 1993 foi contratado pelo Jornal do do Commercio. Dizia ser apaixonado por
Recife e por Pernambuco. O jornalista descobriu o câncer na laringe em 2011 e
chegou a ser considerado curado da doença. No ano passado, no entanto, o tumor
reapareceu no pulmão. Segundo a família, o corpo será cremado no Cemitério
Morada da Paz, após uma cerimônia reservada.
Ao lado do irmãos nos momentos finais, a
pedagoga Regina Scarpa lembrou que o jornalista era apaixonado por ópera e
literatura. "No apartamento dele há mais de sete mil livros", revela.
Regina conta que o irmão lutou contra o câncer até o fim. Ele chegou a manter
um blog, o Viva o câncer, nos dois primeiros anos da doença para estimular as
pessoas. "O lema do meu irmão era: meus livros, meus discos, meus filmes e
nada mais", lembra.
Scarpa estava aposentado desde 2013.
Participou de vários projetos editorias de prestígio no Jornal do Commercio,
como o que resultou no livro A
Nova República, Visões da Redemocratização, em 2006. Era também
presença frequente nos debates políticos e culturais nas rádios do Sistema
Jornal do Commercio de Comunicação. Em 1994, integrou a equipe que ganhou o
Prêmio Esso Regional Nordeste, com a série "Pernambuco no centro do
golpe". Scarpa trabalhou no SJCC entre os anos de 1993 e 1996 e em seguida
de 1997 a 2013.
Muito querido pelos colegas, vários
escreveram testemunhos sobre o trabalho de Paulo Sérgio Scarpa:
Ivanildo Sampaio,
coordenador do Comitê Editoral do Sistema Jornal do Commercio
"Culto, versátil, dedicado, ético e com
uma imensa capacidade de escrever sobre os mais variados temas com a mesma
segurança e conhecimento. Assim era Paulo Sérgio Scarpa, um “lorde”
apaixonado pela boa mesa e pela música erudita, que chegou em
Pernambuco para trabalhar na Sucursal da Folha de São Paulo, e que em duas
oportunidades foi nosso companheiro na Redação do JC – depois de ter adotado o
Recife como a cidade onde viveria até seus últimos dias. Todos vamos sentir
falta de sua solidariedade e do seu talento"
Cícero Belmar, atual
titular da coluna Repórter JC
"Uma das grandes paixões de Scarpa foi
a Literatura. Era um grande leitor. Gostava dos clássicos aos modernos. Amava
Clarice Lispector. Certa vez ele me contou sobre o encontro com a escritora. Na
época, ainda morava em São Paulo, começando como repórter da Folha de São
Paulo. Mas estava de férias no Rio. Foi à lista telefônica e encontrou o
número. Ela mesma que atendeu. "Eu disse que o meu sonho era conhecê-la.
Respirei. Pensava que ela iria colocar obstáculos. Mas ela disse: Pode vir. Na
hora que quiser", ele me disse. Foi ao bairro de Botafogo, converou por
quase uma hora e no final, pediu para ela autografar "A Hora da
estrela". Clarice escreveu: “A Paulo Sérgio, meu novo e grande amigo de
repente, a quem desejo além da busca o encontro. Ofereço com um abraço, Clarice
Lispector”. Era 17 de julho de 1969. Esse relato serviu para uma crônica que eu
escrevi e que ele ficou emocionado ao ler". Cícero Belmar
Marcelo Pereira,
editor do Caderno C
"Paulo Sérgio Scarpa era o maior
entusiasta da ópera e da música erudita entre os jornalistas que passaram pelo
Jornal do Commercio, nos últimos 30 anos. Seus olhos brilhavam e ele
transpirava de excitação quando anunciavam que o Recife iria receber concertos
ou festivais como as séries do Virtuosi e a Mostra Internacional de Música de
Olinda (Mimo), mas lamentava a falta de investimento na qualificação da
Orquestra Sinfônica do Recife, a mais antiga do País. Logo Scarpa se colocava à
disposição para entrevistar os organizadores e as atrações. Sempre que
possível, ele mesmo se prontificava a fazer a cobertura. Mesmo não sendo o
Caderno C a sua editoria de origem, Scarpa se sentia como um dos integrantes da
equipe, bem mais jovem que ele. Era talvez o mais vibrante e comprometido. Mais
do que a música para concerto, era a ópera sua grande paixão. Sabia de cor as
principais obras do repertório do teatro lírico. Quando os grandes espetáculos
passaram a ser exibidos no cinema, muitos deles diretamente de Londres e Nova
Iorque, ao vivo, Scarpa parecia ter aquela alegria da infância, quando ia para
os teatros em São Paulo, acompanhado do avô, e que sedimentou a sua formação de
apaixonado melômano".
Janaína Lima,
jornalista e amiga
"A primeira vez que vi o Gordo ele não
falou comigo. Não nos conhecíamos ainda, foi numa coletiva lá na Blue Angel
Benfica, algo relacionado a economia. Ele já assinava coluna no JC. Prestei
atenção naquele homem agitado, de rosto vermelho, mal empacotado no paletó
claro. Nunca poderia imaginar que ali estava um dos meus professores no
jornalismo. Chamava Paulo Sérgio Scarpa de Gordo, “meu Gordo fofo”, e ele
era a única pessoa que podia me chamar de Gorda.
Pegou na minha mão quando comecei a cobrir
artes cênicas pelo Caderno C. Me ensinou sobre Cacilda, Zé Celso, Dostoiévski,
Shakespeare... Adorava falar sobre o Teatro de Arena, sobre a efervescência
teatral de São Paulo, nos tantos anos em que morou lá. Para tentar mostrar que
eu estava começando a entender algo da cena, narrava para ele as peças que via
no Festival de Teatro de Curitiba... o Gordo teria adorado ir a Curitiba.
Juntos, fomos a inúmeras edições do Festival Recife do Teatro Nacional.
Dividíamos a cobertura ou apenas nos deliciávamos assistindo e discutindo
depois as peças. Era a nossa farra.
Falávamos também sobre cachorros (foi ele
quem me acompanhou quando fui buscar o meu primeiro, Chico, que ele batizou);
comidas de todo o tipo (era cozinheiro de mão cheia), sobre a solidão e o amor
que ele sentia pela mãe. Era um apaixonado por ela.
De vez em quando, escrevíamos a quatro mãos.
Em 2000, fizemos uma série sobre os 150 anos do Teatro Santa Isabel. Foram
muitas manhãs no Arquivo Público buscando dados históricos, levantando detalhes
sobre a construção, cuja reforma se arrastava há uma década. Foi um dos meus
trabalhos mais gratificantes no jornalismo. Guardo o jornal impresso e lembro a
nossa dificuldade em colocar um ponto final no assunto. Todo mundo ia embora da
redação e ficávamos ali, discutindo, escrevendo juntos, rindo, agoniados por
ter que contar tanto no espaço reduzido do papel jornal.
Scarpa era respeitado como poucos. Dos
políticos aos diretores de teatro, atores, colegas de profissão, vendedores de
livraria e de lojas de discos – a coleção dele de livros, CDs e vídeos é
enorme, assim como a de obras de de arte popular.
Andava sempre com a bolsa cruzada no corpo,
até quando pegava carona. Fui vizinha de bairro do Gordo. Lembro como se fosse
hoje do salmão com molho de maracujá e das peras flambadas que ele fez num
aniversário meu. Estava recém-separada e, de novo, ele estava ali segurando
minha mão. Esteve tantas vezes. Foi também meu professor na vida.
A última vez que nos vimos, foi em abril de
2014, assistimos a uma peça no Hermilo, ele já sem conseguir falar direito, mas
bonito, de barba branca, sorridente e feliz. Meu Gordo fofo, hoje os “bravos”
são para você. Teu espetáculo foi lindo."
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