Por Luiz Carlos Bresser-Pereira:
Com a integração ao Nafta, o México tornou-se, na
prática, colônia dos EUA. As elites passaram a se subordinar às elites do
vizinho do norte
O
Brasil enfrenta um momento de grave divisão interna, e o caso da Petrobras
envergonha a todos, mas nossos problemas estão longe da crise profunda,
estrutural, em que se encontra mergulhado o México.
O
fato desencadeador da crise foi o trágico massacre --em setembro do ano
passado-- de estudantes da escola de professores Ayotzinapa, da cidade de
Iguala, pela polícia municipal em conluio com criminosos sob a direção do
prefeito.
O
massacre provocou uma grande onda de protestos no México, enquanto a
popularidade do presidente Enrique Peña Nieto caia vertiginosamente, dada sua
incapacidade de reagir. Não é uma crise apenas do presidente mexicano ou do
sistema político do país.
A
jornalista desta Folha Sylvia
Colombo escreveu à época que a crise revelava "dois Méxicos" --o
moderno, industrial e o "que opera pela lógica do crime organizado, na
qual imperam a extorsão, o sequestro e a pistolagem".
Não
estou seguro que existam dois Méxicos. Existe um México rico e
"moderno", americanizado, mas que está longe de apresentar taxas de
crescimento satisfatórias que mostrem um país voltado para o futuro. Desde que
o México aderiu ao Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), em 1994,
é o país que menos cresceu na América Latina. O México que eu vejo é o do crime
organizado, da falência do Estado e, mais do que isto, da destruição da nação.
As
sociedades antigas eram organizadas em tribos, cidades e impérios. As
sociedades modernas, em nações, cada uma com seu respectivo país ou
Estado-nação. É nesse contexto histórico que nação e Estado se constroem
mutuamente. É no quadro da nação que os grandes valores e objetivos sociais são
definidos. O Estado nas sociedades modernas só existe realmente quando seu
poder é dotado da legitimidade que só a nação lhe pode dar.
Considerados
esses princípios, quando uma sociedade perde a ideia de nação e se torna
colônia, ela entra em decomposição. Foi isso que ocorreu com o México. Com sua
integração ao Nafta, o país tornou-se, na prática, uma colônia dos EUA. Suas
elites deixaram de se identificar com seu povo e passaram a se associar de
forma subordinada às elites do vizinho ao norte.
Ora,
sem nação ou sociedade civil nacional, o país perde rumo. Seu povo perde referências,
suas elites limitam-se a procurar reproduzir por todos os meios os padrões de
consumo dos países ricos.
Não
há mais a ideia de uma nação que se renova todos os dias diante dos novos
desafios que estão sempre surgindo. Não há mais critérios para enfrentar os
novos problemas que surgem, não há mais a solidariedade básica que é necessária
para uma nação poder afirmar seus valores e fazê-los valer.
É
triste ver tudo isso acontecer a um povo orgulhoso por sua origem, um país cuja
grande revolução de 1910 fazia inveja aos demais povos da América Latina. No
passado, quando visitava o México, eu sentia ali uma nação forte e um país
pujante, via a nação de Diego Rivera e de Octavio Paz. Hoje vejo uma nação
dividida e perplexa, e um país que é uma sombra do passado.
Haverá
uma saída para uma situação com essa gravidade? Poderá o México refundar sua
nação e se renovar? Creio que sim, mas não existem receitas simples para um
problema tão difícil. A solução terá que ser encontrada no quadro da própria
nação mexicana a ser reconstruída.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 80, é professor
emérito de economia, teoria política e teoria social da FGV. Foi ministro da
Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e
Tecnologia (governo Fernando Henrique Cardoso)
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