Artigo do Jornalista Josias de Souza, publicado hoje no Portal UOL e na Folha de São Paulo:
Duas semanas depois
da tragédia que produziu uma reviravolta na corrida presidencial, o jato Cessna
que transportava Eduardo Campos e mais seis pessoas caiu uma segunda vez.
Despencou sobre a pose de Marina Silva no instante em que ela concedia
entrevista ao Jornal Nacional, na noite passada. Abriu-se uma fenda no discurso
da candidata. Por um instante, a pregação da nova política, tema compulsivo de
Marina, tornou-se vulneravelmente opaca.
O
jato foi objeto de uma transação milionária feita por meio de laranjas, disse
William Bonner. O negócio não foi informado na primeira parcial da prestação de
contas à Justiça Eleitoral, prosseguiu. A senhora, que fala em inaugurar uma
nova forma de fazer política, usou o avião como teria feito qualquer
representante velha política. Procurou saber quem tinha pago por aquele avião
ou confiou cegamente nos seus aliados?
Marina
estava diante da primeira oportunidade de dizer meia dúzia de palavras sobre o
assunto. Até então, sempre que o tema a abalroava, ela se limitava a transferir
a responsabilidade pelo provimento de exlicações para o PSB. Acomodada diante
das câmeras do telejornal de maior audiência do país, Marina podia tomar
distância da encrenca. Preferiu misturar-se ao problema.
Nós
tínhamos, William, uma informação de que era um empréstimo, que seria feito um
ressarcimento, num prazo legal, que pode ser feito, segundo a própria Justiça
Eleitoral, até o encerramento da campanha, tentou explicar Marina. Esse
ressarcimento seria feito pelo comitê financeiro do candidato, ela acrescentou.
Professora
de formação, Marina soou didática: existem três formas de fazer o provimento da
campanha: pelo partido, pelo comitê financeiro do candidato e pelo comitê
financeiro da coligação. Nesse caso do avião, seria pelo comitê financeiro do
candidato. Essas eram as informações que nós tínhamos.
A
senhora sabia dos laranjas?, inquiriu Bonner, incisivo. E Marina: Não tinha
nenhuma informação quanto a qualquer ilegalidade referente à postura dos
proprietários do avião. Nesse ponto, a candidata preocupou-se em preservar seu
ex-companheiro de chapa. Tomada pelas palavras, Marina pareceu dar de barato
que eventuais ilegalidades deveriam ser acomodadas sobre os ombros dos donos do
avião, não de Eduardo Campos.
Marina
prosseguiu: Uma coisa que eu quero dizer para todos aqueles que estão nos
acompanhando é que, para além das informações que estão sendo prestadas pelo
partido, há uma investigação que está sendo feita pela Polícia Federal.
Na
fase seguinte, Marina deixou ainda mais explícita sua pretensão de resguardar o
ex-companheiro de chapa: O nosso interesse e a nossa determinação é de que
essas investigações sejam feitas com todo o rigor, para que a sociedade possa
ter os esclarecimentos e para que não se cometa uma injustiça com a memória de
Eduardo.
Por mal dos pecados,
a Rede Sustentabilidade divulgara no seu site um texto sobre a participação de
Marina no debate presidencial realizado na noite da véspera nos estúdios da
Band. Eis o título: Nosso compromisso é de que o Brasil
seja passado a limpo, defende Marina.
O
texto da Rede recordou que Marina evocara no debate o desejo de mudança da
população, explicitado nas manifestações de junho de 2013. Anotou: esse
movimento social, para Marina, foi um claro sinal de busca por mudanças e um
novo jeito de fazer política. Reproduziu, entre aspas, uma das frases
marteladas pela candidata: uma das coisas mais importantes para que a gente
possa resolver os problemas, em primeiro lugar, é reconhecer que eles existem.
Pois
bem. Bonner esforçou-se para arrancar de Marina um reconhecimento de que o jato
convertera-se num problema: candidata, quando os políticos são confrontados ou
cobrados por alguma irregularidade, é muito comum que eles digam que não
sabiam, que foram enganados, que foram traídos, que tudo tem que ser
investigado, que se houver culpados, eles sejam punidos, disse ele.
O
entrevistador foi ao ponto: esse é um discurso muito, muito comum aqui no
Brasil. E é o discurso que a senhora está usando neste momento. Eu lhe
pergunto: em que esse seu comportamento difere do comportamento que a senhora
combate tanto da tal velha política?
Abre parênteses: numa
das crises que ameaçaram o mandato de Renan Calheiros, em 2007, o presidente do
Congresso foi pilhado recebendo dinheiro de uma empreiteira. Os recursos
bancavam a pensão de um filho que Renan tivera numa relação extraconjugal com uma
jornalista. Para justificar-se, o senador dissera que dispunha de renda.
Alegara que vendera cabeças de gado de uma fazenda alagoana. Apresentara
pseudo-comprovantes.
Ao perscrutar os
supostos compradores, a imprensa deu de cara com laranjas. Periciado pela
Polícia Federal, o papelório de Renan foi desqualificado. Chamava-se Renato
Casagrande (PSB-ES) um dos relatores do caso no Conselho de Ética do Senado.
Hoje governador do Espírito Santo, o então senador Casagrande subscreveurelatório que recomendava que o mandato de Renan fosse passado na
lâmina. Para salvar o mandato, Renan renunciou à presidência do Senado.
Mal
comparando, o episódio do jato é da mesma família. Numa ponta, empresários
generosos prestando favores a um político. Em vez de pensão, um avião. Noutro
extremo, um laranjal. No miolo da encrenca, muita desconversa e explicações desconexas.
Coisas que fizeram de Renan um protótipo da velha política de que tanto fala
Marina Silva. Fecha parentêses.
Em
que esse seu comportamento difere do comportamento que a senhora combate tanto
da tal velha política?, indagou Bonner. E Marina: Difere no sentido de que esse
é o discurso que eu tenho utilizado, William, para todas as situações.
Inclusive quando envolve os meus adversários. E não como retórica, mas como
desejo de quem de fato quer que as investigações aconteçam. Porque o meu
compromisso e o compromisso de todos aqueles que querem a renovação da política
é com a verdade.
O
diabo é que a verdade começara a ser exposta pelo próprio Jornal Nacional, que
desnudara na véspera alguns dos laranjas apresentados como financiadores da
compra do jato. Numa segunda reportagem, exibida minutos antes da entrada de
Marina em cena, revelaram-se novos e constrangedores buracos na rede de
ilegalidades.
Submetida
ao impensável, Marina disse respeitar o esforço de reportagem. Mas falou como
juíza de direito, não como candidata à Presidência: A verdade não virá apenas
pelas mãos do partido nem pela investigação da imprensa. Ela terá que ser
aferida pela investigação que está sendo feita pela Polícia Federal. Isso não
tem nada a ver com querer tangenciar ou se livrar do problema. Muito pelo
contrário, é você enfrentar o problema para que a sociedade possa, com
transparência, ter acesso às informações.
Bonner
fez uma derradeira investida: o rigor ético que a senhora exige dos seus
adversários nos faz perguntar e insistir se a senhora, antes de voar naquele
avião, não teria deixado de fazer a pergunta obrigatória: se estava tudo em
ordem em relação àquele voo. Não lhe faltou o rigor que a senhora exige dos
seus adversários?
Marina,
de novo, mirou nos empresários. Rigor é tomar as informações com aqueles que
deveriam prestar as informações em relação à forma como aquele avião estava
prestando serviço. E a forma como estava prestando serviço era por um
empréstimo, que seria ressarcido pelo comitê financeiro. Agora, em relação à
postura dos empresários, os problemas que estão sendo identificados agora pela
imprensa, e que com certeza serão esclarecidos pela Polícia Federal, eu, como
todos os brasileiros, estou aguardando.
Prosseguiu:
Eu não uso, William, de dois pesos e duas medidas. Não é? A régua com que eu
meço os meus adversários, é porque eu a uso em primeiro lugar comigo. E, neste
momento, o meu maior interesse é de que tenhamos todos os esclarecimentos. Mas
uma coisa eu te digo: a forma como o serviço estava sendo prestado era
exatamente essa do empréstimo, que seria ressarcido depois.
Marina
teria soado mais Marina se tivesse declarado algo assim: eu viajei nesse jato
como candidata a vice. O cabeça da chapa era Eduardo Campos. O usineiro João
Carlos Lyra de Melo Filho, que supostamente emprestou o jato, era amigo do
Eduardo. Espanta-me a presença de laranjas no negócio. Sou da Rede. Agradeço
muito a hospialidade do PSB. Mas o partido precisa explicar o que sucede. Não
me consta que os responsáveis pelo comitê financeiro do candidato tenham
morrido no acidente.
Noutras
questões, Marina não hesitou em desgrudar a sua Rede do PSB. Refugou, por
exemplo, os acordos que levaram o partido de Campos para os palanques de
políticos como o tucano Geraldo Alckmin. Não fez o mesmo em relação à encrenca
do jato porque faltaram-lhe as condições políticas. Tornou-se candidata com o
aval da família do morto. Virou uma espécie de viúva política do ex-parceiro.
Não quer passar por ingrata. É do jogo. Mas a condescendência custou-lhe a pose.
O
cotidiano de um político é uma sucessão de poses. O político faz pose ao
acordar, ao escovar os dentes, ao fazer as refeições. No geral, é difícil saber
se o altruísmo do político é ou não representado. Em junho de 2013, o asfalto
empurrou para dentro do processo sucessório o desejo de mudança. Marina
converteu-se na personificação desse desejo porque as ruas enxergaram
sinceridade nas suas poses. Recusando-se a enxergar o problema do jato, Marina
arrisca-se a virar uma espécie de sub-Marina. (Na foto Marina Silva sai de uma das viagens que fez no jato do PSB).
PAULO CAMELO, COMENTA:
ResponderExcluirNão voto na Marina, mas ninguém vai conseguir diminuir sua ascensão por conta de Avião, Agronegócio (que já está apoiando-a), etc.
A população quer mesmo derrotar Dilma e o PT e não vê segurança em Aécio. Caso fosse FHC, Geraldo Alckmin (o mais forte candidato) ou até mesmo Serra, o páreo seria mais disputado.
TENHO DITO