O
jornalista pernambucano Geneton Moraes Neto, um dos melhores profissionais do
Brasil em sua área, escreveu um verdadeiro libelo contra a volta da censura prévia
no Brasil. Um texto inteligente, completo, a respeito da proibição da publicação
de biografias não autorizadas. Li o excelente material, em defesa da
democracia, no blog do meu amigo Rafael Brasil, e imediatamente me senti na
obrigação de reproduzi-lo.
O
maior número possível de brasileiros devia ler Geneton, que é implacável como defensor da liberdade de imprensa, do bom jornalismo, da história e da democracia.
Depois de um libelo desses, artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso,
Gilberto Gil e Roberto Carlos deviam se envergonhar de suas posições retrógradas
principalmente os que foram vítimas da censura da ditadura militar.
“Por
quanto tempo o Brasil vai continuar produzindo esquisitices, exotismos,
monstrengos e aberrações como a Lei da Mordaça Biográfica? Com a palavra, o
STF: ministra Cármen Lúcia, não decepcione o Brasil!”, começa Geneton Moraes,
no texto divulgado inicialmente no Jornal das 10, neste domingo, dia 13, na
Globo News.
Depois,
seguem as seguintes considerações, como se fosse um artigo de uma Constituição
Cidadã:
Artigo
1º : Ah, não. O Brasil já sofreu com a censura federal. Quase três décadas
depois da volta da democracia, não pode ficar refém de algo que, na prática, é
uma censura privada.
Artigo 2º:
O Brasil é o país das meias palavras. Mas chega de eufemismos. ”Autorização prévia” é
sinônimo de ”censura prévia”. Com censura prévia, não se faz jornalismo, não se
faz história, não se faz nada. Faz-se oba-oba.
Artigo
3º : Em nenhuma outra democracia do planeta, existe algo parecido com a censura
prévia a biografias. Pergunta-se: todos os países estão errados e só o Brasil
certo? Claro que não.
Artigo 4º:
Para que existem leis, afinal? Se
alguém se sentir prejudicado por uma biografia, que recorra à justiça. É assim
em qualquer lugar do mundo - menos no Brasil, é claro. Por quanto tempo o
Brasil vai continuar produzindo esquisitices, exotismos, monstrengos e
aberrações como a lei da mordaça biográfica?
Artigo 5º: Alguém já parou para pensar no
enorme dano que esta legislação absurda causou à história, à cultura, à vida
brasileira? Durante os tais “anos de chumbo”, os livros eram censurados depois
de publicados. Hoje, sequer são publicados!
Quantas e quantas biografias deixaram de ser publicadas porque esta lei
ameaça proibi-las? Quantos e quantos projetos vão mofar no fundo das gavetas?
Vergonha vergonha, vergonha.
Artigo 6º: É óbvio que todos os brasileiros,
sem exceção, sejam eles anônimos ou famosos, têm direito à privacidade. É
garantia da Constituição. Mas a liberdade de informação também é direito de
todos. Não foi fácil consegui-la. Não se trata de publicar fofoca pessoal, mas
de retratar a história de um país – que passa, sim, por trajetórias pessoais. E
liberdade de informação não existe com censura prévia. Nunca existiu. Jamais
existirá.
Artigo
7º: Não é uma questão financeira. Nunca foi. É uma questão de liberdade de
informação. De qualquer maneira, eis uma curiosidade contábil: ainda não nasceu
um autor que tenha ficado rico escrevendo biografias. O autor ganha dez por
cento do preço da capa de cada exemplar vendido. A tiragem média no Braasil é
de três mil exemplares. Se o autor vender três mil exemplares a quarenta reais
cada, vai ganhar 12 mil reais depois de meses e meses de trabalho.
Artigo 8º: A ministra Cármen Lúcia – do STF –
vai se pronunciar sobre o caso. O Congresso Nacional também. Ou estamos todos
loucos ou nunca houve um caso tão simples:
O
Brasil espera que a Justiça e os políticos declarem inconstitucional a censura
prévia a biografias. Ponto. Quem cometer algum abuso responderá perante a lei.
Isso é o que se chama de civilização. A liberdade é civilizatória. A censura -
qualquer que seja- é barbárie.
Artigo 9:º
Uma vez, um estudante rebelado pichou num muro da universidade, na
França: “E se a gente incendiasse a Sorbonne?”. Simbolicamente, é hora de
perguntar: e se o STF e o Congresso incendiassem a lei da mordaça biográfica?
Com toda certeza, o Brasil iria amanhecer melhor no dia seguinte.
PS:
A discussão sobre a Lei da Mordaça Biográfica ficou centrada nos artistas que
apoiam a manutenção desta aberração. Mas
o problema maior não é a biografia de artistas. O problema maior é o seguinte:
hoje, se um autor brasileiro quiser publicar - por exemplo - a biografia de um ditador, um torturador, um
corrupto, terá de pedir autorização aos próprios – ou aos herdeiros. Risível.
Estúpido. Indefensável. É óbvio que tal autorização jamais será dada. Neste
caso, a censura estará instalada. A
palavra maldita volta à cena: censura, censura, censura. Como alternativa, a
publicação será “negociada”, o que é uma vergonha. Tudo será tratado como uma questão
financeira. É o tal “comércio da honra” a que se referem os editores de livros.
Quem sai perdendo? O Brasil. Defender a
manutenção da mordaça biográfica é, em
última instância, defender a manutenção de um atentado contra o jornalismo e a
história - ou imaginar que os biógrafos
brasileiros são um bando de picaretas irresponsáveis que entopem os bolsos de
dinheiro às custas de escândalos. Não são. Nunca foram. As biografias
publicadas nos últimos anos foram, em geral, trabalhos de alto nível
jornalístico. O triste, o lamentável é imaginar a quantidade de biografias
importantes que deixaram e deixarão de
ser escritas e publicadas, se o STF ou o Congresso não derrubarem a mordaça.
Tristes trópicos.
Ministra
Cármen Lúcia: a senhora poderá fazer história – para o bem ou para o mal.
Tomara que não escolha o caminho maldito – o da manutenção de uma aberração
jurídica que abre espaço para o silêncio e a censura. Senhores deputados: não
decepcionem – de novo – a plateia !
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