Quando se fala dos grandes nomes da literatura brasileira,
despontam logo o romântico José de Alencar, o realista Machado de Assis e os
modernistas Érico Veríssimo e Jorge Amado. Guimarães Rosa é tido como um gênio,
que fez o regional virar universal como poucos, um escritor acima da média,
reconhecido pela intelectualidade brasileira e também no exterior. No campo
intimista, escrevendo “para dentro”, com uma maestria admirável, ganhou fama
Clarice Lispector, que muitos não leram e adoram citar suas frases de sentido
enigmático. José Lins do Rego também fez seu nome, com os bons os romances do
ciclo do açúcar e novelas saborosas como Pureza e Riacho Doce. Monteiro Lobato
ficou muito conhecido, vendeu muito seus livros, graças, sobretudo as
histórias para crianças e adolescentes.
Dentre os romancistas essas são as estrelas principais, as
mais conhecidas, num país que tem ou teve ainda João Ubaldo Ribeiro, Fernando
Sabino, Artur Azevedo, Lygia Fagundes Teles, Rachel de Queiroz, Lima Barreto e Ariano Suassuna, Osman Lins.
Neste time de feras, de bons escritores, de autores mais
lidos e prestigiados, tem lugar para um que a meu ver merece tanto
reconhecimento quanto os primeiros da lista.
Conhecido como Marques Rebelo, ele nasceu no Rio de Janeiro,
em 1907, tendo morrido na mesma cidade, em agosto de 1973. Seu nome verdadeiro
era Edi Dias da Cruz e o escritor justificou o pseudônimo alegando razões de
família, que a seu ver “às vezes atrapalha”. Tenho lá minhas dúvidas se a razão
foi essa mesmo. Edi Dias da Cruz é um nome horrível para escritor, está mais para
batizar coveiro, com o perdão dos que exercem essa atividade.
Marques Revelo viveu sua infância no bairro carioca de Vila
Isabel, tendo morado também em Barbacena, em Minas Gerais. Tanto numa cidade
quanto noutra não lhe faltaram bola para jogar futebol e livros para ler. Aos
11 anos já tinha lido Flaubert e Balzac, aos 15 conheceu Manoel Antônio de
Almeida (A Moreninha) e Machado de Assis.
Esses autores, principalmente os brasileiros, despertariam
nele o desejo de escrever, do qual “nunca mais se libertaria”. Fez o serviço
militar, tentou a faculdade de medicina, mas largou o curso para trabalhar no
comércio.
A partir dos anos 20 dedicou-se ao jornalismo profissional e
começou a publicar poemas nas revistas modernistas da época. No final da década
escreveu contos e em 1931 publicou seu primeiro livro, Oscarina, uma coletânea
de histórias inspiradas em sua vida na caserna.
Dois anos depois saiu a edição de Três Caminhos, reunindo as
novelas “Vejo a Lua no Céu” e “Circo de Cavalinhos”. Com o livro de 1935,
Marafa, Rabelo recebeu o Grande Prêmio de Romance Machado de Assis, da
Companhia Editora Nacional.
O livro mais popular de Marques Rebelo, o romance
considerado sua obra prima, é A Estrela Sobe, de 1939. Conta história de Leniza
Maier, uma jovem suburbana bonita, ambiciosa, que tenta melhorar de vida
cantando no rádio.
Como em toda sua obra, o escritor retrata o Rio de Janeiro,
na época uma cidade sem indústrias e
tranquila. A televisão ainda não tinha chegado ao Brasil e a sensação era o
rádio.
É um romance bastante avançado para o seu tempo, crítico,
irônico e sensual. Até a questão do aborto, ainda hoje sem uma solução para
salvar as mulheres pobres dos “açougueiros” é abordada no livro de maneira
bastante direta e objetiva.
O romance A Estrela Sobe foi adaptado para o cinema em 1974
por Bruno Barreto (o mesmo diretor de Dona Flor e Seus Dois Maridos),
resultando num bom filme que tem Beth Farias, bonita e talentosa, interpretando
a jovem Leniza. O longa tem final feliz, o livro nem tanto.
Nas décadas seguintes Marques Rebelo ainda publicou O Trapicheiro, A Mudança e O Espelho Partido.
Escreveu ainda sobre carnaval, futebol, viagens e o escritor
Manuel Antônio de Almeida. Mas principalmente retratou a cidade do Rio de
Janeiro, seus tipos, a classe média, os suburbanos.
É um escritor que a meu ver merece ser mais conhecido, pois
está no mesmo nível de Fernando Sabino,
José Lins, Lima Barreto e outros grandes nomes das letras nacionais.
Basta ler um pequeno trecho de A Estrela Sobe, como o transcrito
abaixo, para perceber a qualidade do texto do escritor Marques Rebelo:
Andava, andava, esbarrando
nos homens, nas mulheres, como se estivesse embriagada. Andava, andava.
Veio-lhe claro como um clarim o desejo de humilhação. Queria se arrastar, pedir
perdão, implorar. Lembrou-se da mãe, que fora buscar no recolhimento o consolo
para a sua miséria humana. Lembrou-se da igreja do Rosário onde fora batizada,
tão redonda, tão pequena, tão linda e dourada. Tinha ido qual fumaça o delírio
místico da primeira comunhão aos doze anos... Caiu na realidade — estava perto
da igreja. Caminhou contente, depressa, ansiosa por chegar. Sentia já nas
narinas o ar confinado da igreja, morno e azedo, nos ouvidos o eco côncavo das
naves desertas, nos olhos a obscuridade em que as almas se ajoelham ansiosas de
luz. Não, não saberia rezar! Um vento ímpio, que soprou por anos, levara-lhe da
memória as confortadoras, mecânicas orações. Mas comporia, inventaria, deixaria
sair sem freio do coração as palavras mais espontâneas e humildes, os cantos
mais sinceros de fé e de contrição. Deixar-se-ia arrastar pelo... Ah!, e
estacou — a igreja estava fechada. [...] O céu não me quer! — e novamente
mergulhou na onda humana, caudal de sofrimentos, inquietudes, aflições,
incertezas, pecados.
(Na foto Marques Rebelo com o fardão da Academia Brasileira de Letras, onde ingressou em 1964).
A fotografia é de Herberto Sales: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=103 . Um abraço!
ResponderExcluirObrigado pela oportunidade de corrigir o erro. Abraço.
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