David Lean, cineasta britânico,
já esteve nestas páginas quando escrevemos sobre Lawrence da Arábia. Grandes
Esperanças, Passagem para a Índia e A Ponte do Rio Kwai, são outros filmes
conhecidos desde talentoso diretor, que morreu em 1991.
Doutor Jivago, de 1964, é um dos maiores épicos da história
do cinema, tão grandioso, possivelmente, como E O Vento Levou, também já
comentado nesta série.
Baseado no livro de Boris Pasternak, “Jivago”, resulta numa
adaptação muito feliz da obra literária. O roteirista, Robert Bolt, teve muita
competência para sintetizar bem no longa as muitas páginas da novela.
Com uma fotografia estupenda das paisagens russas,
especialmente no inverno, boas cenas de batalhas, elenco primoroso, um grande romance e uma visão
realista da tomada do poder pelos comunistas, Doutor Jivago é um desses filmes
que prende do início ao fim, apaixona e permanece muito tempo em nossas
memórias.
Lembro que à época em que este filme chegou a Garanhuns, na
segunda metade dos anos 60, quando eu era apenas um garoto, muitos comentários
se faziam sobre a obra. Caso não esteja enganado, foi exibido no antigo Cine
Jardim.
Meus irmãos e seus amigos, mais velhos e já estudantes do
colegial, acusavam “Doutor Jivago” de ser um filme anticomunista. Naqueles
tempos de Guerra Fria, em muitos lugares do planeta o trabalho de David Lean
deve ter sido taxado de reacionário.
Revendo o filme, hoje, sabemos que Boris Pasternak e David
Lean estavam apenas antecipando tudo que veio a se tomar conhecimento depois
sobre as práticas comunistas, com o sectarismo exacerbado e alguns ignorantes
em posições de poder, classificando como burguesas qualquer manifestação da
poesia e da arte em geral.
No primeiro plano de Doutor Jivago está uma grande história
de amor. O personagem principal é um médico e poeta de grande sensibilidade,
preocupado em exercer sua profissão e escrever, sem envolvimento nos movimentos
políticos do início do século XX.
Logo no início do filme, que tem pouco mais de três horas de
duração, uma cena chama a atenção. Trabalhadores e populares fazem uma
manifestação por “comida, justiça e solidariedade”. São reprimidos de forma
bruta pela polícia czarista, que promove um massacre. Até crianças são vítimas
dos soldados pagos pelo governo.
Neste contexto histórico é que Yuri Jivago casa com Tonya,
de quem gostava desde quando era ainda um garoto. A primeira guerra mundial e a
Revolução Russa, que acontecem na segunda década do século passado, interferem na vida dessa família pertencente a aristocracia.
Durante a guerra, Jivago conhece a enfermeira Lara, por quem
sente grande admiração. Os dois na verdade ficam apaixonados, mas como o médico
é comprometido ficam só na amizade.
O destino, no entanto, jogando com a vida dos dois
possibilita mais adiante um reencontro do médico e da enfermeira. O amor entre
Yuri e Lara não pode mais ser contido e vai explodir em meio à frieza e
pragmatismo dos comunistas, que tinham chegado ao poder liderados por Lênin.
Lara tinha muita afeição por um jovem chamado Pasha
Strelnikov, um idealista que acredita cegamente nos ideais da revolução. Os
dois se casam quando a enfermeira percebe que não poderá viver o seu amor com
Yuri, já comprometido com Tonya
Strelnikov se torna uma figura poderosa com a ascensão dos
bolcheviques ao poder, passa a dedicar sua vida inteiramente à revolução,
deixando em segundo plano a vida familiar. Lara passa a viver sozinha, com a
filha, enquanto o seu marido luta pela consolidação do novo regime.
Um dos momentos mais significativos do filme acontece num
diálogo entre Jivago e Pasha. O médico não consegue entender porque o
revolucionário não está ao lado da mulher e este é duro na resposta: “Na nova
Rússia não há mais lugar para vida pessoal”. A frase pode não ser exatamente
esta, mas o sentido está sintetizado aí. Para muitos como Strelnikov,
embriagados pelo poder e pelo sentimento revolucionário, nada mais importava a
não ser a destruição da ordem burguesa e a instalação de uma república
socialista que abrisse caminho para operários, camponeses e todos os
injustiçados ao longo da história.
Dr. Jivago é interpretado por Omar Sharif, um dos atores
mais populares dos anos 60, que viveu neste filme o seu grande personagem. Lara
é Julie Christie, uma atriz de talento e de muita força de expressão. Quem faz
a Tonya é Geraldine Chaplin, filha do genial criador de Carlitos, que ganhou o
prêmio de “atriz revelação” do ano. O elenco traz ainda Rod Steiger, Alec
Guinness e Tom Courtenay jovens, brilhando em início de carreira.
Além de contar uma boa história de amor, ter a coragem de
criticar as contradições dos comunistas no auge da guerra fria e de mostrar de
forma esplendorosa o belo visual da Rússia, “Doutor Jivago” se destaca ainda
pela trilha sonora assinada por Maurice Jarre.
O “Tema de Lara”, a canção que embala a maior parte do
filme, é uma música linda, suave e romântica. Nas minhas lembranças, novamente
volto a segunda metade da década de 60, quando ouvia na antiga Rádio Difusora
de Garanhuns a trilha sonora do filme que só iria conferir anos mais tarde.
Ainda hoje o “Tema de Lara” é executado em alguns programas
radiofônicos e lembrado com saudosismo por quem ouvir a canção quando era
jovem.
A maioria dos filmes desta série entraram na relação porque
tocaram de algum modo o autor destas crônicas. A qualidade é importante, os
prêmios, o reconhecimento da crítica especializada. O que mais importou até
agora, no entanto, foi este que vos escreve ter gostado do que assistiu. Ter
achado que vale a pena compartilhar esta experiência estética com vocês
leitores.
Alguns filmes, porém, terminaram se impondo por sugestão de
algum leitor (a) ou amigo (a). Suplício de Uma Saudade foi comentado a partir
de um elogio ao filme por parte da professora Eliane Simões; A Vida é Bela foi
sugerido mais de uma vez por um garoto de Capoeiras, o Victor Mateus. Doutor
Jivago é o filme da vida de Joselita Cavalcanti de Albuquerque, mãe de minha
querida filha Vitória. Ela, assim como os outros, tem bom gosto.
Doutor Jivago é um filme indispensável.
recomendo a todos...grande filme
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